Passar três dias a medir o Parque da Bela Vista com com uma fita métrica de nove metros — um dos metros partiu-se logo na primeira utilização — é tão rudimentar que parece mentira. Contudo, foi exatamente isso que Roberta Medina fez quando chegou a Lisboa, em 2004, para preparar o primeiro Rock in Rio em Portugal. Hoje, a vice-presidente executiva do festival nem consegue explicar o que lhe passou pela cabeça, mas justifica o episódio caricato com a ansiedade de querer começar logo a trabalhar.
Foi precisamente há 20 anos (na altura tinha 17) que se estreou nesta área. Quando trabalhou na Disney Brasil, apaixonou-se pela produção de eventos e ainda mais pelo universo mágico, como já tinha acontecido com o pai, Roberto Medina. Aliás, vem aí um evento à escala do Rock in Rio, com personagens criadas do zero e uma história própria, uma ideia inspirada também no mundo dos contos de fadas.
Mas antes, o Rock in Rio regressa ao Parque da Bela Vista para a sua sétima edição, a 19 e 20 de maio e entre 26 e 28 do mesmo mês. No início, a escolha do local não agradou à representante do festival em Portugal, muito pelo contrário. Agora garante que é “imbatível”.
Roberta Medina explicou à NiT as novidades do cartaz deste ano, como vão ser celebrados os 30 anos do Rock in Rio e porque é que só respira de alívio quando as portas se fecham. Veja também o vídeo com as melhores histórias da entrevista na NiTtv.
Começou a trabalhar muito jovem, quando tinha 17 anos. Que conselho gostava de dar a essa adolescente?
Eu continuo a dizer que aquela Roberta com 17 anos continua aqui, essa é a parte boa. Brinco com a minha filha e pergunto: “A mãe é criança ou adulto?”, totalmente a induzi-la para dizer que eu sou criança. Eu continuo a aprender. Aos 17 não foi uma experiência pesada, porque nessa altura eu não tinha a mínima noção do que ia fazer, não tinha experiência e simplesmente apaixonei-me pelo que estava a fazer e é o que estou a fazer até hoje, produção de eventos. Quando entro no primeiro Rock in Rio, quando começo a prestar atenção nas barreiras que eu tinha de vencer, o facto de ser “filha de” abre muitas portas mas ao mesmo tempo traz um peso e uma responsabilidade muito grandes. Se pudesse ser diferente era no sentido de levar as coisas menos a sério.
A sua filha gosta de música?
Ela tem três anos, a Lua. Ela gosta de música, de cantar, mas ainda muito no registo infantil. A grande verdade é que estamos muito pouco tempo em casa, por isso não temos tempo para aquele ambiente de deixar tocar alguma coisa para ela ir curtindo e para gostar do que nós ouvimos. Um dos momentos em que posso estar com ela é quando vou levá-la à escola. Faço questão de não estar no meu mundo naquele momento e de tentar criar esse laço.
Também gosta de outro universo muito mágico, a Disney. Alguma vez pensou numa forma de o incluir no Rock in Rio?
Já pensámos muito e é engraçado que o gosto pela Disney não é à toa, é uma herança. O meu pai é completamente apaixonado pela Disney, já foi não sei quantas vezes lá sozinho. Gosta muito daquele mundo. Temos mais ou menos a mesma paixão nesse sentido, a magia de transformar um objecto em algo com emoção. Já fizemos algumas experiências, não trazendo personagens específicas, mas trazendo experiências para dentro do RiR com marcas diferentes— a Disney já esteve presente no Brasil com a ação “Star Wars”. Onde se foi mais longe, e não foi um movimento meu, foi do Roberto [o pai], foi criar um evento, que está guardado na gaveta para a altura certa, da dimensão do Rock in Rio onde tudo se criou do zero, onde existem personagens com as suas personalidades, histórias de vida, desenhadas de propósito para isso. Não é a Disney mas é inspirado nela, com certeza.
E vamos poder ver esse evento também em Portugal?
Espero que sim. É um evento muito caro, o investimento em cenografia é muito forte. Para ser realmente mágico, há um investimento inicial muito pesado mas acredito que uma vez materializado e realizado no Brasil, é natural que se traga para cá.
Será uma coisa a curto prazo?
O evento estava desenhado para os próximos anos no Brasil mas, com a crise económica, entendemos que tínhamos de esperar pela hora certa. Quem sabe 2019.
Quando chegou a Portugal para organizar o primeiro Rock in Rio, passou vários dias no Parque da Bela Vista a medir tudo com uma fita métrica, coisas que agora parecem um bocadinho rudimentares.
Esse momento de fazer a medição é uma coisa muito louca. Hoje nem consigo entender como é que fomos capazes de fazer uma coisa dessas, era pura ansiedade. Nós estávamos num hotel em São Sebastião, o Marquês de Sá, que estava pertíssimo do El Corte Inglés mas nós não sabíamos. Tínhamos acabado de chegar, eu e o nosso diretor de engenharia, o Valter, e ele quer sempre fazer as coisas logo. Nós chegámos num fim de semana e não havia nada aberto mas na segunda de manhã encontrámos uma loja muito pequenina de ferramentas. Entrámos para falar com o senhor atrás daquilo a que chamamos trena mas não conseguimos comunicar. O Valter tinha uma fita métrica, uma trena, de 10 metros. Pensámos que era uma maluquice medir um parque daquele tamanho mas fomos para lá e passámos três dias a fazer as medições. É óbvio que isto nunca mais vai acontecer em país nenhum. Até pode ser a China, vamos conseguir encontrar o que queremos.
“Quando as portas estão prestes a abrir, não sei se quero que comece ou que acabe”
Naquela altura também não tinha um ponto de comparação, só o evento no Brasil.
Eu só tinha um Rock in Rio e a referência de como se faziam eventos em Portugal. Aí chocámos muito, dos dois lados, até encontrarmos uma nova forma de fazer que era a soma dos dois. Eu fiquei muito tempo sozinha aqui nesta pré-produção, foi uma necessidade, e uma das coisas que percebi é que quem tinha de flexibilizar era eu.
Quando chegou, o espaço para o Rock in Rio já estava escolhido. Como decidiram que seria o Parque da Bela Vista?
Houve outras hipóteses. Quem veio primeiro foi o Roberto, já nessa altura foram visitar vários locais e um dos terrenos a que a Câmara Municipal o levou foi o Parque da Bela Vista. Ele apaixonou-se completamente ao primeiro olhar. Foi muito engraçado porque meses depois, em maio, quando eu vim com o Valter, lembro-me de chegarmos e o Roberto disse, todo muito orgulhoso: “Olha que beleza.” Nós vínhamos do Brasil, e eu só tinha um Rock in Rio nas costas, que era completamente plano. Nós os dois ficámos boquiabertos, completamente em pânico e o Roberto ficou muito chateado por a gente não vibrar com aquilo. Mas nós ficámos a olhar e a pensar: como é que fazemos o evento aqui?
Hoje acaba também por ser uma das grandes mais valias do festival.
Completamente, é um espaço muito especial. Temos arenas muito bonitas em Las Vegas, no Rio, mesmo a de Madrid, com um nível de conforto até superior porque não há desníveis de terreno, mas em termos de energia, envolvência, o Parque da Bela Vista é imbatível.
Que novidades se podem esperar na sétima edição do Rock in Rio?
Na última edição comemorámos 10 anos em Portugal. Em 2015 foram as comemorações dos 30 anos, com a grande estreia nos Estados Unidos, e no Brasil foi um sucesso — claramente quem estava lá eram as pessoas que tinham ido na primeira edição e agora levavam as famílias ver o tal Rock in Rio. As pessoas choravam, foi muito emotivo e resolvemos trazer para cá a temática dos 30 anos. A verdade é que se o Rock in Rio não tivesse vindo para Portugal, provavelmente não teria regressado ao Rio e também não estaria nos Estados Unidos. Foi aqui que encontrámos um modelo de negócio e montámos uma equipa permanente. Até à primeira edição, em 85, a única grande referência de música era o Woodstock e o primeiro Rock in Rio já acontece, nessa altura, cinco vezes maior do que o Woodstock. Vamos contar um pouco dessa história na EDP Rock Street e vamos trazer o Rock in Rio — Musical para o palco Mundo, isso nunca aconteceu. Passou por salas do Rio e de São Paulo, aqui é uma adaptação de 50 minutos, lá tinha quase três horas. São 40 bailarinos e cantores em palco. Vai voltar o palco da Vodafone e ali a grande proposta é mostrar o que daqui a uns anos pode estar no palco Mundo. No Brasil, Queen foi, sem dúvida, o principal concerto do evento. Uma das coisas boas é que o Adam Lambert não tem a pretensão de substituir o Freddie Mercury, o que faz o espetáculo ser muito mais envolvente, porque ele não cria rejeição. Regressa o Bruce Springsteen, que esteve cá há quatro anos e até hoje as pessoas param-me na rua para dizer: “Como aquele show foi incrível.” Os Hollywood Vampires [Alice Cooper, Johnny Depp, Joe Perry] estiveram no Brasil connosco, não eram cabeças de cartaz mas roubaram o dia. A história deles é muito gira porque não existem constantemente, reúnem-se pontualmente. Isso nasce de um grupo de amigos que se reunia numa taberna de Los Angeles para tocar e só entrava no grupo quem bebia mais do que os outros.
Desta vez podemos esperar um dia ao estilo de Rolling Stones?
É melhor não criar essas expectativas. Durante muitos anos sempre disse para não esperem nem Rolling Stones nem Madonna nem U2, que não são artistas que se apresentam em festivais. Agora temos fãs de Rock in Rio a perguntar: “Porque é que Adele ou AC/DC não estão?” Porque eles não estão a fazer festivais.
“Nos EUA, a descrença era muito grande. Tínhamos de levar os patrocinadores para ver a obra”
O que é que aprenderam com a experiência de Las Vegas, em 2015, que agora até queiram adaptar a outros países?
Em termos de dinâmica de evento não há muitas diferenças. Nós fomos com o modelo do Rock in Rio e, para nossa surpresa, nem os Estados Unidos têm nada parecido. Em termos de qualidade, infraestrutura, cenografia, qualidade de som, beleza. O que existe são festivais tradicionais. A diferença do público do RiR também vem daí, porque grande parte do público mais velho não está disposto a ir para um local com falta de insfraestruturas. O maior desafio dos EUA foi a comunicação, é um país que não comunica nacionalmente, é extremamente regionalizado em termos de divulgação. O que gerou uma experiência muito engraçada quando as pessoas chegavam à cidade do Rock. Ficavam completamente embasbacadas porque estavam à espera de um festival tradicional e ficavam muito bem impressionadas. A primeira edição foi um desafio muito grande para conhecer a cultura. Chegar e dizer que fazemos diferente é muito difícil, a descrença era muito grande mesmo tendo parceiros como a MGM e o Cirque du Soleil. Não achavam possível, às vezes tínhamos de levar os patrocinadores para ver a obra.
Mas correu tão bem que lá queriam que o evento passasse a ser anual.
Essa é a nossa ideia. O volume de oferta do mercado americano é tão grande que o que aqui funciona bem, como a divulgação com meses de antecedência, lá só acontece muito perto do evento. N ano seguinte perde-se, em vez de ganhar. Em Portugal, Brasil, Espanha, claramente ganhamos valor pela saudade. A nossa ideia é voltar aos Estados Unidos em 2017 e depois anualmente.
Cá não há essa possibilidade?
Não, é uma dinâmica de investimento muito pesada para o mercado português e mesmo para o brasileiro.
Que outros passos têm previstos para a internacionalização?
Neste momento há conversas muito concretas com a Argentina. Em 2012 chegámos a anunciar o evento em Buenos Aires e depois, com a política económica que o país estabeleceu, não tínhamos garantia de poder pagar aos artistas e recuámos. Existem conversas com outros países, tivemos uma equipa na China na semana passada. Há contactos com o Dubai e por ali mas o nosso foco agora é consolidar os Estados Unidos.