Na Rua do Sol ao Rato, uma azáfama fora do comum junta jovens e idosas numa pequena retrosaria local de paredes forradas com linhas coloridas e todos os produtos do costume. O que poucos sabem é que escondido nas traseiras mora o novo speakeasy de Lisboa.
O Badassery abriu no final de outubro da vontade de Tordj, o diminutivo de Mikhael Tordjman, de 33 anos, que se mudou para Lisboa há oito anos com “vontade de criar coisas novas”. O parisiense encontrou em Portugal locais que podiam ser reabilitados para novos projetos.
“Nunca acabei nenhuma formação superior porque sempre soube que queria construir coisas, criar projetos, coisas diferentes. Quando em 2014 cheguei à capital encontrei uma cidade diferente daquilo que é hoje. Passados 10 anos Lisboa está descaracterizada, com muitos turistas e poucos locais de bairro”, refere o proprietário.
Com a crescente onda de aberturas na zona do Cais do Sodré, Santos e Alcântara, Tordj percebeu que outras zonas estavam a ficar desocupadas. Os bairros que antes viviam do comércio local e dos lisboetas perderam habitantes e negócios. Por isso, na altura de abrir um novo espaço, optou por uma das ruas mais típicas da cidade.
Assim que se chega ao número 71 da rua entre Campo de Ourique e o Rato, é se recebido por uma simpática senhora de lenço na cabeça, que vai atendendo os clientes da retrosaria. Quando não lhe pedem linhas, questionam-na sobre a localização do bar. As rececionistas são reformadas que vivem no bairro e que admitem ter ficado cansadas de ficar em casa sem nada para fazer.
“Começamos por chamar as mães dos nossos funcionários, depois as amigas e agora temos uma rede de colaboradoras mais velhas, que acabam as noites a provar cocktails connosco e proporcionam um encontro de gerações muito interessante”, diz Tordj à NiT.
As funcionárias que encontra logo à entrada começam a trabalhar pelas 18 horas e só desmascaram a entrada do bar a quem o pede diretamente. Quem não o fizer poderá acabar a comprar agulhas, como já aconteceu com vários lisboetas que “caíram na fachada” montada com os móveis e produtos de uma antiga retrosaria em Loulé que entrou em liquidação. “Todo o espaço exterior foi pensado para manter as caraterísticas de Campo de Ourique, com balcões e estantes antigos. Quem tiver autorização para entrar, que é dada mediante a disponibilidade, encontra um local divido por três andares, com mesas corridas feitas com madeiras das linhas férreas antigas e muitos detalhes feitos por nós, com objetos que iam para o lixo”, explica o dono.
O Badassery quer ser o próximo “sítio cool da cidade” para todas as idades. E desde que abriu tem conseguido, muito pela localização escolhida. O número 71 da Rua do Sol ao Rato foi morada da primeira discoteca africana do País, a En’Clave inaugurada nos anos 1970 pelo cabo-verdiano Tito Paris. O espaço de diversão noturna funcionou durante 40 anos e foi o ponto de encontro de muitos portugueses que ainda hoje vivem em Campo de Ourique.
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“Foi uma instituição não só para as pessoas do bairro, mas para todos os lisboetas. Temos vários idosos que vêm bater a porta para saber quando vamos fazer festas porque já passaram aqui muitas noites quando eram jovens.”
Agora podem lá ir beber um Badassery (13€) que mistura mezcal e goiaba, ou um Don’t Mary Me (10€), uma versão do bartender Pablo Straubel do famoso Blody Mary. A grande diferente deste cocktail que leva tomate, framboesa, pêssego, miso e katsuobushi, é que é feito com a água do tomate que sobra na pizzaria Lupita. Este é mais um dos momentos em que a gerência aposta na reutilização e aproveitamento, uma das prioridades do Badassery.
“Tentamos aproveitar tudo. Por exemplo, as cascas das laranjas não vão para o lixo. Desidratamo-las e usámos com decoração nas bebidas que fazemos no nosso laboratório no primeiro andar”, refere Tordji. E caso esteja em dúvida, sim, o espaço tem mesmo um laboratório com tubos de ensaio e gobelés onde preparam os cocktails da casa.
Para beber, há ainda garrafas de Cuca, a cerveja angolana que decidiram incluir na carta como homenagem à antiga discoteca de Tito Paris. Para que o estômago não se afogue com tantas bebidas, Tordji, que é um fã assumido de dim sum, decidiu incluir alguns sabores deste prato no menu do bar. Os pequenos petiscos chineses são feitos à mão, como manda a tradição, e recheados com vegetais (5,90€), camarão ou carne (6,90€), sempre servidos nas cestas asiáticas. Em breve querem acrescentar outros sabores ao menu, que serão anunciados em conjunto com outras novidades que têm para o espaço. “Temos mais duas salas que permanece secretas e que serão reveladas com o tempo. Queremos manter o mistério”, revela.
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