“Nesta casa de vendem-se bolas de Berlim como se fossem pãezinhos quentes.” A comparação foi feita pelo “The Guardian” em julho de 2017, altura em que o jornalista do jornal britânico se apaixonou pelo doce de Viana do Castelo. Na verdade, de lá para cá, pouco mudou. Na Confeitaria Manuel Natário continuam a vender-se bolos aos milhares, com ou sem fama internacional.
As bolas do Natário são um dos segredos mais mal escondidos do norte do País. As filas chegam quase sempre à rua, embora seja nos meses mais quentes que os funcionários sentem que a “loucura” por este bolo aumenta. Por dia vendem-se mais de mil.
Mas, afinal, o que as torna diferentes? “A combinação desta massa com um creme que é uma receita nossa torna-as diferentes. Mas acreditámos que a popularidade está relacionada com o facto de as fazermos a determinadas horas e os clientes as comerem sempre quentes. Daí também estar sempre fila”, diz Alexandre Domingues, o neto de Manuel e Fernanda Natário.
Como acontece com o pão quente, também as bolas saem em duas fornadas específicas. A primeira entre as 11 e as 14 horas e depois das 16h30 às 18 horas. Cada uma custa 1,60€.
Sobre a receita, Alexandre revela à NiT que a massa é feita na fábrica e depois levada para a pastelaria para descansar e levedar. Assim que estiver “no ponto” é frita. Logo a seguir passa pelo corte, pelo açúcar e pela canela. No final injetam o creme, também ele feito pelos pasteleiros da casa.
O fenómeno deste doce com receita própria terá começado no início dos anos 2000. Mas a casa é mais antiga. “Os registos apontam para que em 1954 já estivesse em funcionamento, mas sabemos que terá começado mais cedo. Estimamos que tenha sido há 88 anos, por volta de 1936”, conta.
A história da confeitaria começou com os pais de Manuel Natário, o proprietário seguinte que emprestou o nome à casa. “Manuel tinha um irmão, José. Ele ajudou a família na pastelaria, mas depois decidiu apostar no desporto e Manuelzinho [como era conhecido na região] deu continuidade ao negócio. As receitas têm passado de geração em geração e temos respeitado a vontade de deixar a casa como sempre foi. As obras que fazemos são apenas de manutenção”, explica o responsável de 36 anos.
O espaço mantém a vitrine recheada com vários doces que confecionam em fábrica própria. Não faltam pastéis de nata (1,20€), os biscoitos de Viana, a torta, o bolo inglês ou o famoso pão de ló que o escritor brasileiro Jorge Amado adorava. Chegou mesmo a dedicar a obra “Tocaia Grande”, a “Manuelzinho”, onde mencionava “o capitão Natário”, “capitão de doces e salgados, comandante do pão-de-ló, mestre do bem comer”. Estes fazem companhia às mariazinhas (0,40€), um género de pão de leite mais pequeno que pode ser recheado com manteiga, fiambre ou queijo. “Os miúdos adoram, então os clientes costumam levar às caixas para casa”, revela Alexandre.
“Quem vê das vitrines fica logo com vontade de provar tudo. Um dos bastante elogiados eram as meias-luas, uma receita conventual muito antiga que a minha avó fazia. Mas no último ano teve de se afastar devido a um problema de saúde e, por isso, deixamos de fazer esse bolo.”
No Natal não faltam encomendas de filhós, as azevias, os sonhos e o tradicional bolo-rei. No entanto, há outros doces com a receita de Manuel Natário que ganham a atenção dos clientes. “As sidónias de amêndoa (1,50€), os Santa Luzia (1,50€) um doce típico com pedaços de amêndoa e os manjericos (1,20€) com doce de ovos são outros bestsellers”, adianta o responsável.
Quando o relógio bate as 11 da manhã, os clientes habituais sentam-se ao balcão, mas não é para comer bolas. Os salgados são outro chamariz desta confeitaria. “Temos rissóis, pastéis de bacalhau, empadinhas de pato, folhado de carne e frigideiras. Na época da lampreia também fazemos empadinhas com este peixe, mas como tem estado mais escasso tem sido mais difícil”, revela.
Pela antiga confeitaria de Manuel Natário passam diariamente milhares de pessoas, algumas delas bastante conhecidas dos portugueses. Durante a Cimeira Ibérica, em 2023, António Costa, ainda como primeiro-ministro, não deixou passar a oportunidade e dirigiu-se à pastelaria com o primeiro-ministro espanhol para provar a especialidade. A atriz Melânia Gomes, natural de Viana do Castelo, é também presença assídua, assim como outras celebridades. Mas Jorge Amado é quem merece a maior atenção.
“Jorge Amado vinha cá muitas vezes. Quando não vinham o meu avô enviava-lhe o pão de ló que ele adorava. Criaram uma grande ligação e como homenagem temos um salão que foi pensado em homenagem ao escritor brasileiro. Tem várias fotografias, de diferentes momentos. O povo brasileiro fica rendido”, conclui.