Estreito, esconso e sombrio. Era assim o túnel que dava acesso às cavalarias do Palácio das Necessidades e por onde entravam e saíam os cavalos que serviam a realeza.
Estávamos então no século XVIII, ainda muito longe do cenário que se vive hoje nesse preciso túnel. Hoje iluminado por candeeiros de ferro e lustres que deixam a nu cada detalhe das centenas e centenas de pequenas pedras com que se monta a caverna que hoje serve de casa ao Quimera Brewpub, um dos mais peculiares pubs de cerveja artesanal da capital.
Para lá da história antiga, esta casa tem também outra curiosa história, a de Adam Heller e Raquel Nicoletti, os donos do Quimera que são também um casal. Ele tem 52, ela 45, e cruzaram-se pela primeira vez em 2011.
A artista de circo e performer morava numa pequena casa cujo jardim era dividido com a do lado, que funcionava como alojamento local. “O Adam veio de férias com a família e conhecemo-nos na cerca que dividia o jardim”, recorda à NiT a brasileira que chegou a Portugal em 2003.
Apaixonaram-se e o norte-americano pegou nas bagagens e mudou-se para Portugal nesse mesmo ano. Depois, foi tudo feito num ápice: casaram e foram pais no ano seguinte. Quatro anos depois, abriam o Quimera, depois de Heller ter passado por vários locais da capital como head chef.
“Ele vinha de Chicago e estava habituado a ver imensas cervejarias e cervejas artesanais por lá, mas cá não havia ainda nada disso. Então decidiu começar a fazer uma pequena produção”, conta Raquel.
Juntos, foram à procura do espaço ideal. Encontraram-no algures entre os classificados do OLX, um túnel peculiar, misterioso, recheado de histórias. Decidiram ficar com ele e dar uma nova cara ao espaço que até então servira como wine bar.
Nasceu sob o nome de Chimera, em conjunto com um terceiro sócio. A vida ditou que se separassem e Adam e Raquel acabaram por ficar apenas com parte do espaço do valioso túnel. Reformaram o design e rebatizaram-no de Quimera Brewpub.
Tudo começou de forma lenta, à medida que Heller ia aprendendo os segredos da fermentação e da produção de cerveja. A par das torneiras que jorravam as primeiras produções, foi criada uma carta à imagem do conceito — e que ainda hoje se mantém.
“É, tal como a cerveja, à base das fermentações. Temos kimchi, sauerkraut, pimentos padrón fermentados, pão da Gleba”, conta.
Com comida e bebida na mesa — e clientes nos assentos —, foram procurando descobrir mais sobre o espaço. “Algumas das histórias foram-nos contadas por historiadores, outras lemos em livros”, acrescenta Raquel.
“O túnel dava acesso aos estábulos e à Tapada das Necessidades”, recorda. “E existem rumores de que esconde histórias de contrabando. Como estávamos perto das portas da cidade, muitos barcos escondiam aqui a sua carga, por vezes ilegal, outras vezes para fugir aos impostos.”
Diz-se que por ali, na zona de Alcântara, existem mais seis túneis que ligam a Santos. Séculos mais tarde, depois da queda da monarquia, foi sala privada de jantares de um maçon.
“Chegou também a ser um depósito de conchas de madre pérola. Mais tarde, nos anos 80, foi uma discoteca gay, até passar a ser um bar de vinhos. Antes de virmos para cá, foi por pouco tempo um bar afro.”
“Hoje só servimos cerveja da Quimera, feita por nós”, explica. De cada uma das 12 torneiras, saem variedades distintas para cobrir todo o espectro, das mais tradicionais a, por exemplo, uma cerveja medieval produzida com base numa pesquisa nossa, feita como se fazia há centenas de anos.”
Tudo para beber numa das duas esplanadas ou, claro, no famoso e imperdível túnel. Uma experiência que convém ser planeada com antecedência: ao fim de semana está quase sempre lotado, por isso a reserva é mais do que aconselhada.
“No fundo, queríamos criar um espaço dedicado à fermentação e à cerveja artesanal, um sítio com espírito de pub, música ao vivo e que promova a amizade.”