A cena noturna de Lisboa está prestes a perder um dos seus bares emblemáticos. O Lounge, no Cais do Sodré, vai encerrar as suas portas a 31 de dezembro, confirmaram os proprietários à NiT. Assim, fecha-se um capítulo que começou a ser escrito há 25 anos.
Ao longo das duas últimas décadas, o bar da Rua da Moeda recebeu artistas de renome, como Win Butler, dos Arcade Fire, e Weyes Blood, tornando-se um ponto de referência para concertos, festas e encontros. Segundo Mike Mwaduma, um dos proprietários, o motivo do encerramento foi a “não renovação do contrato e a falta de vontade para negociar”.
“Nunca nos foi dada sequer a oportunidade de discutir o assunto. A intenção de não renovar o contrato era evidente, sem espaço para qualquer tipo de negociação”, sublinha. O responsável acredita que a saída do Lounge irá permitir o surgimento “de outro negócio”, embora não saiba do que se trata.
“O tsunami de brilho postiço que tem inundado a cidade e divergências relativamente aos interesses da senhoria põem fim a esta viagem. É humano, é negócio. O travo amargo não chega para temperar as memórias de 25 anos incríveis na Rua da Moeda”, anunciaram, nas redes sociais, esta segunda-feira, 23 de setembro.
Agradecem também aos artistas que por lá atuaram e destacam a essência do espaço, afirmando: “Acreditamos que a programação eclética e variada contribuiu desde sempre para a identidade do bairro e da cidade — sempre de portas abertas a todos, celebrando a inclusão e a diversidade.”
Embora “tristes” com a situação, os responsáveis do Lounge reconhecem que o encerramento não era inesperado, pois o contrato “tinha sido renovado em aditamentos de cinco anos”.
“Em 2019 sabíamos que havia a possibilidade de não ser renovado, processo, que, de resto, seguiu os trâmites legais”, sublinha Mike Mwaduma, de 50 anos. A notícia que põe término definitivo ao arrendamento chegou na passada quinta-feira, 19 de setembro. Apesar de já terem ponderado essa possibilidade, os proprietários do Lounge reconhecem que não estavam preparados para a confirmação.
Os últimos dias têm sido de reflexão. “Acho que ainda não interiorizámos completamente a situação, estamos em negação. Quando pensávamos neste desfecho, ainda sem uma decisão concreta, não encarávamos essa possibilidade com a mesma intensidade”, acrescenta.
Logo após o anúncio nas redes sociais, a caixa de comentários ficou repleta de mensagens de apoio e recordações de muitos que passaram pelo Lounge ao longo das décadas. Contudo, para Mike Mwaduma, expressar o que sente neste momento é complicado: “Não consigo resumir isso em apenas duas palavras. O que melhor descreve estes anos são os depoimentos dos nossos clientes e de todos que têm mostrado solidariedade neste momento.”
É também por causa destas manifestações de apoio que Mike já está a considerar uma alternativa. “Neste momento, estamos entre o desejo de aproveitar os últimos 100 dias da melhor forma possível, como sempre fizemos, e a necessidade de encontrar uma solução”, explicou. E acrescentou: “A intenção de continuar existe e continuará a existir, enquanto soubermos que faz sentido, enquanto houver pessoas que acreditam no nosso trabalho.”
O Lounge foi inaugurado em 1999, na sequência de uma viagem de Mike Mwaduma a Hamburgo, para visitar uns amigos. “A ideia surgiu, como acontece com muitos bares, a partir de uma conversa noutro bar. Costumo dizer que os bares são como pessoas, surgem de dentro de outros”, comentou.
Mike e um amigo, que tinha um espaço semelhante, consideraram que seria interessante trazer o conceito para Lisboa. Contudo, nunca imaginou que o projeto se tornaria realidade.
“Meses depois, encontrei o local perfeito. Era o suficiente distante do Bairro Alto, mas próximo o bastante para quem quisesse deslocar-se. Na época, contavam-se pelos dedos de uma mão as pessoas que habitavam neste bairro. Era maioritariamente uma zona de trabalho, com escritórios, tornando-o ideal para um bar de espetáculos”, recorda o proprietário.
Seis meses depois da ideia inicial, o Lounge abriu as suas portas. “Pensávamos que duraria apenas alguns anos. Nunca imaginámos que seriam 25 e que acolheríamos diversas gerações de músicos, artistas e clientes. É gratificante ver que nos mantivemos relevantes”, conclui.