A relação de Rafaela e André começou graças a dois pães e foram eles que levaram à criação do Lume, o espaço em Santa Maria da Feira onde hoje produzem “pão de verdade”.
André Fontes (28 anos) Rafaela Santos (26), conheceram-se em 2018. “Estava no Mercado Biológico de Arouca e comprei-lhe dois pães. Ele já fazia pão e foi assim um momento ´uau`, porque eu tentava fazer em casa e nunca corria bem. Em conversa, o André deu-me muitas dicas”, começa por contar a designer.
O que começou com um simples diálogo sobre farinhas entre cliente e vendedor, tornou-se numa história com mais ingredientes à mistura. Afinal, os dois tinham mais em comum do que a paixão pelo mesmo alimento. Embora tenham passados diferentes, perceberam que ambos tinham heranças familiares muito ligadas à cozinha. Ele formado em educação física, ela licenciada em design (e a trabalhar com móveis e têxteis), ambos guardavam uma grande vontade de manter o legado gastronómico dos familiares.
“O André aprendeu a cozer pão com as avós, que o faziam em fornos a lenha. Cresceu num meio rural, já respirava muito desse ar. Eu tenho duas avós cozinheiras e um avô padeiro. Os meus avós, aliás, tiveram um restaurante e cresci nessa cozinha, andava sempre em torno da mesa e das refeições”, conta Rafaela.
Depois de uma temporada a viver em Itália, regressaram a Arouca, a terra que tão bem conheciam, e decidiram colocar dar uso os conhecimentos passados pelos familiares. Desde logo definiram que usar cereais cultivados em Portugal e certificados em modo de produção biológica seria um pilar irrevogável do projeto. Isto porque acreditam que comer bem depende muito da forma como os alimentos são produzidos. “Sendo o André uma pessoa ligada ao meio rural e tendo esta consciência, não fazia sentido ser de outra forma.”
Apreciadores da vida no campo e fãs de pão cozido em forno a lenha, começaram a tratar da agricultura familiar e da panificação como um passatempo. Sem saberem, os amigos tornaram-se as cobaias das receitas e, a certa altura, já os vizinhos e conhecidos as queriam comprar. Pouco depois, o circuito de vendas alargou-se e tudo parecia indicar que o hobby se iria transformar numa ocupação a tempo inteiro.
Ainda assim, o casal garante que tudo foi acontecendo de forma muito gradual. “Pode ser um cliché, mas nós fazíamos porque gostávamos.” Levaram quase três anos a decidirem avançar com a ideia de abrirem um espaço próprio — e só o fizeram “porque se tornou fisicamente impossível produzir mais na quinta”.
A 20 de dezembro de 2022, o Lume começou por ser uma padaria artesanal biológica, mas não demorou muito para que se tornassem também num bistrô. O produto estrela, claro, é só um.
Ao número 103 da Alameda do Tribunal, em Santa Maria da Feira, chegam clientes atraídos pelo aroma a bolos acabados de sair do forno, mas também pelos sabores que deixam qualquer um rendido.
E não, ainda que o “pão de verdade” — forma como o casal se refere à proposta “transparente em todos os sentidos” — seja a estrela do Lume, a oferta não se resume às sugestões de fermentação natural de 18 a 24 horas da produção antiga que André replica. Mas já lá vamos.
Os pães, simples ou recheadas (desde 1,75€ aos 5,50€), são todos feitos apenas com cereais cultivados em Portugal de espécies ricas como os trigos barbela e bisanzio, a farinha de milho do Ribatejo ou o centeio de Idanha-a-Nova. No caso das sugestões mais complexas, podem juntar-se nozes da Serra da Estrela, azeitonas transmontanas ou figos secos, também da mesma região (a partir dos 5€ por 700 gramas).
Às mesas de pinho feitas pelo pai de André — acompanhadas por cadeiras que os empreendedores vão comprando “aqui e acolá em lojas de segunda mão”, entre os livros infantis da Truz-Truz, as plantas suspensas em aplicações de macramé e as pinturas de João Freitas — o pão chega em torradas, fatiado, com manteiga, compota, mel, azeite, creme de maçã, queijo gouda ou húmus. Porém, há mais por onde escolher.
Os pastéis de nata (1,80€), por exemplo, são um dos bestsellers. “Esgotam sempre. Fazemos, geralmente, três fornadas por dia, mas mesmo assim aconselhamos a reservar, porque depois as pessoas chegam à procura deles e já acabaram”. Os rolinhos de canela (1,80€), feitos com massa de brioche e torneados no forno, com canela e açúcar mascavado, também são muito pedidos.
Identificámos, porém, uma certa inclinação de Rafaela em relação ao bolo de arroz (2,20€). “Tornou-se um êxito assim que o lançámos”, diz-nos. O aspeto diferente do tradicional é explicado pela utilização de farinha de arroz (100 por cento) e pela pela ausência de glúten.
Ao almoço, no bistrô — “utilizado enquanto forma de escoar o nosso pão como complemento das refeições” — também servem sopas. Podem ser, por exemplo, de batata-doce com grão-de-bico crocante ou então de nabo e couve-flor com topping de amêndoa tostada e noz-moscada. Podem ser pedidas sozinhas ou no menu que inclui uma tosta e uma bebida (água ou infusão).
Diferente a cada dia, a oferta é determinada por produtos da época e que os fundadores do projeto conhecem os processos de produção — não fosse este um projeto “completamente transparente”. Uma ideia que reflete a opção dos 250 metros quadrados da loja em open space — “sem qualquer barreira, para que os visitantes pudessem presenciar todos os passos de confeção”.
Carregue na galeria para descobrir algumas das sugestões que saem do forno do Lume.