Alexandre Silva é apaixonado pelo fogo. No restaurante que recebeu o mesmo nome, tudo é feito em tachos com mais de 80 quilos, no espeto, na grelha ou no forno, seja carne, peixe, marisco ou legumes. O Fogo é um dos espaços de referência do chef de 43 anos que em 2015 recebeu uma estrela Michelin à frente da cozinha de outro espaço próprio, o Loco.
Inaugurado em 2019, o Fogo tem 60 lugares e embora tenha aberto poucos meses antes de uma pandemia encerrar todos os restaurantes, acabou por sobreviver. Do sucesso do restaurante, surge agora uma extensão “natural” e “necessária”. Alexandre Silva quer ensinar os princípios fundamentais de uma cozinha de fogo que se rege pelos princípios da tradição.
“Com a minha experiência e o histórico do Fogo, resolvi alargar a atividade do restaurante e torná-lo num modelo vivo, onde é possível conhecer como se preparam as refeições, enquanto aluno, e degustá-las, enquanto cliente”, explica. A Escola de Fogo: Cozinha Viva tem início em setembro e vai estar aberta a todos os interessados em aprender e desenvolver competências neste tipo de cozinha, com o recurso a diferentes técnicas, que tanto podem ser úteis nos churrascos em casa como na cozinha de um restaurante.
A escola foi pensada para receber todos os que gostem de cozinha, logo a partir dos 14 anos. O plano de estudos foi desenvolvido em módulos adaptados a diferentes níveis, em português e inglês, como “Técnicas de Forno a Lenha” ou “Maturação de Pescado”. Os cursos foram desenhados e serão lecionados pelo próprio chef Alexandre Silva. Os alunos terão, assim uma oportunidade de conviver e tirar dúvidas diretamente com chef com estrela Michelin.
O primeiro curso nesta escola tem início a 13 de setembro e o custo de 300€. O valor inclui um jantar no restaurante Fogo. A NiT falou com Alexandre Silva sobre a nova escola que será inaugurada no próximo mês.
Como surgiu a ideia de criar esta Escola do Fogo?
Com uma necessidade. A ideia surge com uma necessidade muito grande. Há uma lacuna na formação em Portugal, no que respeita às técnicas de fogo, que não pode existir. A nossa cozinha nasce nesse mundo, com esse elemento. Todas as técnicas que transportamos para a cozinha moderna, é uma variante daquilo que acontecia no passado, que as nossas avós e os nossos antepassados faziam. Essas memórias não podem ser perdidas. Assim como há o resgate da música folk portuguesa, também tem de haver o resgate das técnicas de cozinha portuguesas. E isso é uma coisa que eu, enquanto cozinheiro, não posso deixar morrer, e não quero.
Como é que vai funcionar a escola?
A escola vai funcionar da parte da manhã. Neste momento, abrimos o restaurante apenas aos jantares durante a semana e ao fim de semana também aos almoços. Vamos avançar em setembro com cursos específicos. Começamos com as técnicas de forno a lenha, porque os novos cozinheiros chegam aqui sem saberem mexer no forno a lenha, como se acende, como se trabalha, quais são as amplitudes térmicas dentro de um forno, quanto tempo é que ele precisa descansar, esse tipo de coisas que exigem muita sabedoria, engenharia e conhecimento empírico.
Qual será a duração das aulas?
Os cursos são sempre dois dias, ou seja, duas manhãs, porque são termos muito alargados e vamos aprofundar muito o tema. Vai haver formações que têm uma amplitude muito maior, ou seja, uma semana, duas semanas. Por exemplo, o curso sobre um restaurante de fogo vai exigir que falemos ao detalhe de todas as técnicas que existem e esse será mais específico para profissionais, mas também para um foodie ou um curioso. Para já temos dois cursos pensados, um de forno a lenha e outro de maturação de pescado e está aberto a todos.
Qualquer entusiasta de cozinha pode inscrever-se?
Sim. Desenvolvemos estes cursos para os profissionais, ou seja, porque queremos ir ao detalhe. Para mim é muito importante que as pessoas aprendam, que saibam trabalhar com o forno a lenha, neste caso, e que saibam técnicas de maturação de pescado. Para nós portugueses é muito importante trabalharmos bem o peixe. Não vale a pena andarmos a dizer que temos o melhor peixe do mundo, se depois não o sabemos cozinhar. E é importante aprofundar estes temas. E, por isso, dedicamos mais à parte profissional, ou seja, vamos buscar estrutura para um profissional, mas que depois pode ser dada a toda a gente.
Que outros temas é que já pensou que pode abordar aqui nesta escola?
Todos à volta do fogo. Cozeduras, técnicas de brasa, que tipo de brasa é indicada para aquela proteína, para aquele vegetal. Mas isso são formações que vão estar dentro daquele curso mais alargado que nós vamos dar.
Ainda não estão definidas?
Já estão, sim. Mas ainda não serão para já. Apontámos talvez para novembro.
E do que é que trata o fogo em si, para quem não conhece ainda este restaurante?
O fogo é um restaurante de cozinha portuguesa. Para mim, cozinha portuguesa é cozinhar com produtos portugueses, produtos produzidos em Portugal, e com um ADN que qualquer português que se sente aqui consiga dizer que é cozinha portuguesa. Todos nós temos esse conhecimento, essa memória de sabores, e para nós é muito fácil construirmos alguma coisa com o alho, o azeite e o louro. Com a vantagem do fumo. O fumo é um ingrediente e ninguém fala sobre isso. Aqui podem vir e sentir o que é uma técnica antiga, como o arroz de forno cozinhado no forno a lenha, ou o pão. Basicamente trabalhamos com o fogo para surpreender o cliente.
Quais são as expectativas para esta escola?
O passado, o Covid, fez que eu não tivesse muitas expectativas em nada. Sou uma pessoa muito mais cética do que era há quatro anos atrás. Sou empreendedor, tenho as minhas ideias, sou um sonhador principalmente, e esta escola é também parte de um sonho, mas não tenho expectativas. Quero apenas que as pessoas saiam daqui com mais conhecimento e que possam partilhá-lo com outras pessoas.