“O tempo é um elemento mágico.” A medida cronológica tem tido diferentes efeitos na vida de Andrés Herrera, de 47 anos. Fê-lo perceber que a tauromaquia não seria o caminho, apresentou-lhe os vinhos e agora foi o ingrediente chave para criar o Maese, um reserva tinto de 2011 que está à venda por 3.873€ nas garrafeiras portuguesas.
Filho de mãe espanhola e pai beirão, André acabou por nascer em Oeiras. Aos 14 encontrou na tauromaquia o “bálsamo da adolescência”. Entrou para uma escola de toureiros e começou a dar uns passos numa carreira. “Fiz-me toureiro e acabei por dividir a minha vida entre Portugal, Espanha e França. Mas quando completei 22 anos, em 1999, decidi abandonar. O próximo passo não seria agradável para ninguém”, conta à NiT.
Sem muitas opções, voltou para Portugal para estudar e conseguir “ter uma vida normal”. “Antes de deixar a tauromaquia já tinha começado a licenciatura em agronomia, na Universidade de Évora. Não tinha escolhido o curso por gostar dar área. Simplesmente queria fugir para o Alentejo, para o campo. Os meus pais tinham uma herdade em Estremoz e eu gostava de estar lá. Como não entrei em veterinária, concluí agronomia.”
No final da licenciatura fez um estágio de vindima com João Portugal Ramos. “Pareceu-me uma escolha natural. Desde miúdo que estava ligado ao vinho. O meu pai tinha um restaurante com uma carta muito significativa. Dactilografava as capas dos rótulos. Depois dessa experiência fiquei agarrado a este mundo. Acabei a fazer mais dois ou três estágios para conseguir aprender o máximo possível.”
Ansioso por aprender, seguiram-se mais estágios: Alorna, Diogo Campilho, Quinta do Frances, Cabaço, Cabrita, João Clara, Malhadinha Nova. Teve tempo ainda de cruzar o Equador e rumar a Heathcote (Austrália) para trabalhar durante dois anos com o icónico David Anderson e com C. P. Lin na Nova Zelândia.
Quando regressou já se tinha estabelecido como consultor e um produtor “ainda tímido” que começou a testar vinificar uvas. “Era o meu projeto pessoal, onde podia errar, ir mais longe e arriscar a fazer coisas que não podia fazer com os meus clientes. Queria chatear o poder instituído e provar-me a mim próprio que dava para fazer diferente. Comecei com microvinificações experimentalistas que fundiam o Alentejo tradicional com a arte de Sanlúcar passando pela elegância de Ribera ou a potência de Toro.”
Entretanto, surgiu a oportunidade de fazer mais um estágio na Califórnia (EUA), mas decidiu recusar para aceitar uma proposta de trabalho numa adega portuguesa. Esteve empregado durante 10 dia — um erro levou-o a ser despedido, mas teve pouco tempo para se lamentar. No dia seguinte começou a trabalhar com António Maçanita, com quem mantém uma relação até hoje.
Atualmente, além de produzir os próprios vinhos na Toro Wines, — onde “pode esticar a corda e fazer diferente”, algo que não faz quando desempenha funções de consultor para outros produtores.
“A minha produção é um escape e um laboratório. Há apostas e riscos que faço, que não posso fazer com os meus clientes. É um cunho de liberdade e quase prepotência em que ponho e disponho como me apetece. Levo tudo muito ao extremo. Mas dessas experiências já consegui fazer coisas que adaptei aos produtores a quem dou consultoria”, revela.
Volvidos anos de pesquisa e aventuras, em 2009 lançou finalmente o primeiro vinho, o Duende (os preços variame ntre 65 e 275). Trata-se de um DOC alentejano, das vinhas velhas do ex-sogro, em Borba. “Na altura reduzimos a produção para ter uma super concentração e acabei por quebrar a barreira dos 15 por cento de teor de álcool. Fui um dos primeiros a fazê-lo em Portugal.”
Embora esteja orgulhoso do resultado e das vendas, a crítica não mostrou entusiasmo. “O rótulo foi muito mal recebido, não foi compreendido. Nem tinha de o ser, na verdade. O vinho era muito denso, expressivo, quase pornográfico. Era tão óbvio e uma clara imagem do homem que era, ainda muito ingénuo”, realça.
Andrés nunca deixou de tentar e continuou a lançar referências, como D, B, Torero e Duende. Em 2023 atingiu o “expoente máximo”.
O Maese e o poder do tempo
Como acontece com a maioria dos rótulos que produz, Andrés não sabia o que esperar quando começou a juntar as castas autóctones de Aragonez, Trincadeira, Castelão e Alicante Bouschet, de uma vinha com mais de 40 anos, em Borba.
“Quando o provei pela primeira vez, não gostei. Levei-o para barricas usadas, como gosto de fazer e deixei-o a fermentar. Passou-se um ano e voltei a testar, não gostei. Deixei-o mais dois anos e estava preparado para no final desse tempo engarrafá-lo”, conta. Tal não aconteceu por “falta de dinheiro” e acabou por deixá-lo a estagiar por mais um par de anos.
“Quando voltei a provar percebi que estava tinha acontecido alguma coisa. No final acabou por lá ficar 108 meses (9 anos).” Acabou por engarrafá-lo e lançou-o em novembro do ano passado, como Maese.
“Se há coisa que aprendi em enologia é que o tempo é um elemento mágico. É inquestionável a sua qualidade. Foi uma colheita de um ano muito especial e uma forma de vinificar cuidada. Tem vários pontos que eu gostaria que um vinho meu tivesse, ficou memorável”, afirma.
“Conseguimos um vinho denso, rico, expressivo, elegante, fino. É o melhor de vários mundos. Não é um clássico alentejano, nem espanhol ou de Bordéus. É um sem-abrigo no panorama mundial.”
As uvas com o qual foi produzido nasceram “em solos pobres, num ano particularmente bom”. “Tudo apontava para uma grande concentração. Mas depois foi feita uma cuidada seleção na mesa de escolha, feita com muita atenção, e fermentações muito longas com temperaturas não controladas”, explica. Estes processos culminaram num rótulo para ser bebido devagar, com tempo.
Acompanha bem pratos pesados, como cozido, feijoada, ou uma favada. Mas cuidado, como alerta Andrés “beber uma garrafa sem parceiro pode ser complicado”. A bebida tem 16 por cento de teor alcoólico.
Só foram produzidas 572 garrafas de Maese e estão à venda nas garrafeiras portuguesas por 3.873€. O número (além de obviamente alto) pode parecer estranho, mas há uma explicação.
“O objetivo inicial era de ser comercializado por 100€. Mas fomos provando e percebemos que estava à altura de outros com preços e qualidade superior. Trata-se de um vinho único, muito especial, feito com processos muito cuidados e não haverá mais nenhum igual, até porque já não tenho a vinha. Tudo isto eleva o meu produto, que acabou avaliado na ordem dos milhares. Depois decidi que seria com aqueles algarismos específicos, porque a soma de todos dava 21, que é um número especial para mim.”
As pessoas à volta de Andrés duvidaram do sucesso comercial do Maese, mas já vendeu 15 por cento da produção. Ou seja, a sua intuição estava certa. “Portugal precisava de um vinho assim, para se bater com os rótulos internacionais”, admite o enólogo.
A bebida pode ser encontrada também na carta de alguns restaurantes como o JNcQUOI, o Avillez, ou o Sem Maneiras. Mas aí uma garrafa custará cerca de 4.700€.
Andrés Herrera sabe que nunca mais irá produzir o Maese, mas planos não lhe faltam. “Neste momento estou focado em comunicar os meus vinhos, mas depois tenho muitas colheitas desde 2013 a estagiar. Vão sair coisas”, promete.
Carregue na galeria para conhecer alguns dos vinhos do enólogo.