Pingo Doce, Lusiaves e Frente Animal. Estes são os nomes dos três intervenientes da polémica dos últimos meses. Em causa estarão os maus tratos animais por parte do grupo Lusiaves, que a organização pelos direitos dos animais diz serem depois vendidos nos supermercados da Jerónimo Martins.
Tudo começou a 20 de dezembro, quando a Frente Animal (FA) acusou o Pingo Doce de recorrer a fornecedores responsáveis por maus-tratos a frangos, reiterando a “mudança nas suas políticas e práticas de bem-estar animal”. A organização disse, na altura, ter reunido várias imagens “chocantes de maus-tratos em explorações” que fornecem os supermercados da cadeia. Sem mencionar, na altura, qual seria a empresa, afirmou apenas que se viam “galinhas deformadas, aves incapazes de se mexerem, apinhadas entre cadáveres e manuseadas com violência”.
“Estas imagens são uma evidência clara de que o Pingo Doce não prioriza o bem-estar destes animais, nem responde às preocupações dos seus consumidores”, disse, na altura, Joana Machado, gestora de campanhas corporativas da Frente Animal, num comunicado citado pelo “Jornal de Notícias”. As fotografias terão sido captadas, segundo a organização, por fotojornalistas em explorações portuguesas, que comercializam depois vários produtos derivados da carne de frango. Falavam em “aves doentes e deformadas misturadas com animais mortos, e até mesmo atropeladas deliberadamente pelos camiões de transporte”.
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Por essa altura, quando o assunto veio a público, a marca da Jerónimo Martins respondeu em comunicado, rejeitando categoricamente as acusações. A empresa admitiu que semanas antes, a 4 de novembro, alguns representantes do Pingo Doce receberam, na sede em Lisboa, a representante da Frente Animal. Joana Machado ter-lhes-á mostrado as imagens, sem revelar onde haviam sido captadas. O Pingo Doce considerou serem “totalmente descontextualizadas do que aparentava serem situações de sofrimento animal alegadamente ocorridas em explorações de fornecedores do Pingo Doce”.
Os responsáveis pela marca tentaram pressionar a organização a revelar em que empresas teriam sido gravadas as imagens. Sem sucesso. Segundo o comunicado partilhado pelo Pingo Doce, foram enviados, posteriormente, e-mails a insistir para que fosse partilhado o nome, mas “Frente Animal manteve a sua posição de falta de transparência”.
No mesmo documento, defenderam-se e destacaram que a cadeia se preocupa com o bem-estar animal, nomeadamente das galinhas, adiantando que “desde 2019, todos os ovos de marca própria à venda nas lojas da cadeia são provenientes de galinhas não enjauladas”. “Está em curso um processo de certificação em bem-estar animal de acordo com o selo Welfair™ (baseado no referencial internacional Welfare Quality) junto dos nossos fornecedores de frango”, acrescentaram.
Segundo a empresa, “as companhias do Grupo Jerónimo Martins, em que se inclui o Pingo Doce, fazem regularmente auditorias de qualidade e segurança alimentar, tanto nos processos de seleção de novos fornecedores de perecíveis e marca própria, como também para monitorizar os atuais fornecedores nas fases de desenvolvimento e produção”. As auditorias “incluem critérios de bem-estar animal” e “em nenhuma foram identificadas situações como as descritas pela Frente Animal”, adianta. Em dezembro, o Pingo Doce entrou com uma providência cautelar contra a organização, para que cessasse a campanha e revelasse o nome do grupo em questão.
A carta assinada
A 13 de janeiro, após a divulgação das imagens chocantes dos maus-tratos às galinhas, cerca de 20 grupos e organizações sem fins lucrativos, portugueses, franceses e alemães, assinaram uma carta para pedir ao Pingo Doce que se comprometesse a adotar medidas de minimização do sofrimento animal na cadeia de abastecimento de frango para venda.
A campanha criada para apelar ao bem-estar dos animais foi chamada de “Fim do Doce” e teve impacto nas redes sociais, com a partilha de várias publicações e comentários a pedir responsabilização pelos atos. Em simultâneo, a Frente Animal incitou o Pingo Doce a aderir ao European Chicken Commitment (ECC), uma iniciativa liderada por diversas ONG europeias que defendem a introdução de padrões mais elevados de bem-estar animal na produção de frango. Mais espaço, acesso à luz natural e utilização de raças de crescimento lento são algumas das medidas que o compromisso prevê.
Apesar das acusações, a FA continuou sem divulgar o nome da empresa que maltratava os animais. Mas a 3 de março, tudo mudou. A organização denunciou o Grupo Lusiaves, um dos principais fornecedores de frango em Portugal, como responsáveis “de violar as regras de bem-estar animal e divulgou imagens de animais a serem mortos paulada”. A representante denunciou ainda a empresa de deixar os animais sem água, nem comida e explicou que as imagens obtidas e partilhadas foram capturadas entre os dias 6 e 7 de novembro de 2024 numa quinta do Grupo Lusiaves, na Figueira da Foz. A ONG apresentou queixa a várias entidades como a DECO, a ASAE e pediu que analisassem os comportamentos da empresa.
A quinta é propriedade do Grupo Lusiaves e é detentora do certificado Welfair pela AENOR, que certifica que os animais vivem em condições eticamente responsáveis de bem-estar, durante todo o ciclo de produção.
O grupo com várias marcas e produtos ligados ao frango assegurou que a situação seria avaliada e demarcou-se dos comportamentos nas imagens, sublinhando que “não correspondem à exploração Quinta de Matinhos nem a outras explorações do grupo”. A Lusiaves suspendeu quatro dos 4.500 funcionários, após a divulgação da polémica, por maus-tratos a animais. Estes estariam a trabalhar nos dias em que foram gravados os vídeos.
A posição do Pingo Doce
Embora tenha revelado sempre uma atitude defensiva quanto ao caso, o Pingo Doce admitiu, esta quarta-feira, 19 de março, à Lusa, que a percentagem de frango que compra ao grupo em questão é mínima.
“Nos últimos nove meses, o Pingo Doce comprou ao grupo Lusiaves menos de quatro por cento de todo o frango industrial que comercializou, o que nos leva, uma vez mais, a questionar a razão pela qual a Frente Animal insiste em manter uma campanha difamatória apontada unicamente contra o Pingo Doce”, questionou fonte oficial da cadeia de supermercados da Jerónimo Martins, citada pelo “Jornal de Notícias”.
A cadeia apontou a falta de transparência da Frente Animal, ao recusar-se a “identificar o fornecedor ou fornecedores responsáveis, tornando, assim, impossível apurar a exatidão e veracidade dos dados divulgados, para podermos atuar em conformidade”. A organização apontou a Lusiaves como responsável dos maus-tratos, três meses após a requisição da providência cautelar.
A FA ripostou e acusou a cadeia de, até então, “não se comprometer a adotar as melhorias propostas”. A organização defende que, em vez disso, dirigiu uma ação legal onde exigia que a ONG interrompesse a campanha “Fim Doce” e removesse todos os conteúdos relacionados das plataformas online. A cadeia exigiu ainda uma compensação de dois mil euros por dia em que a campanha permanecesse.
“Nesta providência cautelar, a empresa alega que as imagens não podem ser associadas às empresas que fornecem frango ao Pingo Doce, porém, mais recentemente, várias reportagens evidenciam que efetivamente foram detetadas práticas preocupantes e ilegais de maus tratos a animais numa das maiores empresas fornecedoras de frango industrial em Portugal, a Lusiaves, a qual fornece igualmente o supermercado Pingo Doce”, destacou a Frente Animal, citada pelo “Observador”.
Criado nem 1986, o Grupo Lusiaves foca-se na produção avícola. É gerido num ambiente familiar e fatura, segundo o “Jornal de Negócios”, mais de 700 milhões de euros em Portugal. A marca está presente em quatro continentes e conta com mais de 40 empresas ligadas ao meio agrícola e de produção alimentar.
Além do Pingo Doce, também os supermercados Continente, El Corte Inglés, Auchan e Minipreço, entre outros, vendem produtos das marcas do grupo Lusiaves.