Quando Luís Melro viu uma convidada sair à socapa da pista de dança e, de forma envergonhada, a tirar uma fatia de presunto da travessa, estranhou. O olhar disse tudo. “É que eu sou vegetariana”, confessou a medo.
O que faria alguém trair a sua própria dieta? O segredo poderia estar no tentador presunto. Ou será culpa da arte do homem encarregue de o servir? Até porque para ali estar, o alentejano de 43 anos teve que passar por várias formações e provas. Ele é um cortador de presunto profissional. Um dos poucos no País.
Melro vive uma vida dupla. A maioria conhece-o como professor, natural de Évora, com vida dedicada ao ensino de português e espanhol. Ao fim de semana, munido da sua faca e avental, assume-se como exímio cortador de presunto.
Antes de se dedicar à arte de fatiar, tomou a decisão de ser professor. Licenciou-se em línguas e literaturas europeias, mas antes de pôr os pés nas escolas, começou a trabalhar no Casino de Lisboa como croupier. “Na altura já fazia ilusionismo e sempre adorei tudo o que se relacionasse com a manipulação de cartas. E adoro aprender coisas que não sei fazer”, conta à NiT.
A estabilidade ditou que acabasse por seguir o ensino, apesar de, em 2011, uma revisão na lei o impossibilitar de continuar a dar aulas. Homem dos sete ofícios, passou a ter na carteira dois cartões: o de cortador de presunto e o de comercial no setor da rega.
A curiosidade pelo presunto nasceu consigo, fruto de uma infância passada no Alentejo. “Por lá, toda a gente come bom presunto, mas quando chega a parte de o cortar, poucos sabem fazê-lo com arte. Então sempre foi algo que me deixava curioso”, recorda.
Em 2016, decidiu levar mais longe a paixão e inscreveu-se num curso em Salamanca. E que ciência há nesta arte de fatiar? Muita. “Aprendi a fazer os três cortes de forma a fazer a carne render, com uma percentagem certa de gordura para se sentir o sabor. Mas, acima de tudo, eu queria um certificado que me dizia que sabia o que estava a fazer. Depois comecei a cortar em eventos, mas mais por brincadeira.”
Em pouco tempo, o hobby tornou-se um emprego a full time. Em 2021, com a agenda de pedidos de tal forma preenchida, o cenário tornou-se evidente: é um profissional da arte. “Atualmente, divido o meu tempo entre eventos, como casamentos, festas de empresa ou aniversários, e hipermercados, onde as fatias depois são embaladas na hora”, explica. Um trabalho que concilia com o ensino, ao qual regressou.
Que não se pense que qualquer um pode pegar numa faca. “Podemos ter a melhor perna do mundo, mas se não for bem cortada, de pouco serve”, adverte. Mas contar com os serviços de Luís Melro tem um preço: cobra 160€ por cada presunto cortado em serviço, um valor ao qual acrescenta a matéria-prima e a deslocação.
Um presunto pode pesar entre sete e nove quilos e o preço roda os 50€ o quilo, o que significa que a conta pode rondar os 350€, sendo que uma perna dá mais ou menos para 100 pessoas. Em casamentos de 200 pessoas, o cortador aconselha a pedir mais um presunto e aí o valor sobe para 260€ pelo serviço. E caso vá aos três, o preço sobe para os 500€. “Este último valor já coloco num patamar ridículo porque não quero cortar tanto presunto. Isso dava mais de nove horas a cortar, sem parar. É muito cansativo”, explica. “Costumo dizer que subo a parada mesmo para não me contratarem.”
Cada evento tem que ser preparado com tempo. “Geralmente vou três horas antes dos convidados chegarem para dar tempo de fazer o primeiro e segundo corte do presunto, ou seja, começar a fatiar e empratar de forma bonita. Depois aguardo que cheguem para me verem na terceira parte e conseguir dar explicações sobre o que faço e o presunto que estou a cortar. Costumo dizer que sou a pessoa mais importante, porque normalmente está tudo à minha volta. É uma experiência diferente.”
Num ano, contabiliza habitualmente cerca de 30 casamentos. E a procura é cada vez maior. Tanto que muitos noivos já fazem reservas com um ano de antecedência.
Quanto à carne, opta quase sempre pelo presunto de Guijuelo, da Pastagem da Estremadura, do Los Pedroches ou de Jabugo. “Não há sabor igual em mais lado nenhum do mundo”, afirma. “Temos de ser rigorosos com a origem do presunto. Costumo dizer que, se pudesse ser feito em qualquer lado, os chineses já o estavam a fazer. Este é o nosso caviar e temos de o valorizar.”