“Olha a bolinha! Com creme e sem creme.” Esta é uma das frases mais repetidas e ouvidas nas praias portuguesas de norte a sul do País há mais de 50 anos. E há quem diga que a responsável pela tradição é Felismina Domingues.
A algarvia de 75 anos começou a trabalhar na receita há cinco décadas. Quando marido foi para a guerra do Ultramar, viu-se desamparada e com uma filha pequena por criar. Para tentar arranjar algum dinheiro começou a preparar alguns bolos. “Decidi inventar”, conta à NiT. “Juntava ovos, açúcar e farinha e depois decidi fritar a massa e fiz um género de sonhos, mas mais leves”, recorda.
Deu a provar a alguns familiares e amigos, que reconheceram o jeito de Felismina para a pastelaria. Em 1966 acabou por abrir uma pequena fábrica e fazia dezenas de bolas à mão, sem qualquer auxílio de equipamento. Os clientes começaram a chegar e o passa a palavra acabou por resultar no crescimento do espaço. “Naquela altura era mais fácil, porque não havia concorrência”, admite.
Nesse mesmo ano, no verão, Felismina pediu a alguns cunhados que fossem vender as bolas fritas para a praia. “Por essa altura as famílias mais ricas começavam a fazer férias pelo Algarve e lembrei-me que talvez gostasse de um doce para dar energia entre mergulhos. Com a ajuda família e de uns garotos que contratei, começámos a vender pelos areais de Altura”, adianta.
O recheio foi uma alternativa que encontrou para combater o desperdício das bolas que não eram vendidas. “As que sobravam, no dia seguinte recheava-as com doce de ovos. A certa altura passei a fazer quase tão sucesso como as simples, então passei a fazer as mesmas quantidades”, refere.
Da praia da Altura chegou a Vila Real de Santo António e Tavira e não havia quem não conhecesse as bolas da Felismina. Mais tarde acabou por alugar um pequeno armazém em Cacela, onde durante o verão viviam mais de 40 vendedores de bolas de Berlim. A estes juntavam-se os pasteleiros que ainda nas primeiras horas da madrugada se levantavam para começar a tratar da massa dos bolos que seriam vendidos nas praias algarvias.
Atualmente não é muito diferente. Felismina continua a comandar as tropas. “Não consigo parar, nem posso. Todos os dias vou à fábrica e ponho as mãos na massa. Se não fosse isso ia ficar no sofá a ver televisão e não tenho feitio para isso”, diz. Chega partir das três da madrugada à fábrica, em Altura, onde fica até às 21 horas. “Vou me sentando quando preciso, porque a genica não é a mesma, mas gosto de lá estar”, refere.
A parte da gestão é agora a função de um dos filhos com quem tem sociedade. Os netos encarregam-se de ajudar na fábrica.
Com a chegada do verão Felismina prepara-se para aumentar o ritmo e servir as praias de Cacela Velha, Altura e Manta Rota. O leque de sabores aumentou face à década de 1960 e os banhistas podem provar as originais com recheio creme de pasteleiro, de frutos silvestres, maçã, chocolate, ou chocolate branco. Nos areais estão a ser vendidas a 2€, mas se passar pela pastelaria, numa pequena moradia em Casa Alta encontra-as a 1,20€. “Este tivemos de aumentar os preços devido à inflação. No ano passado vendia-as mais baratas. Aos vendedores da praia é que vendo a 0,80 cêntimos. Aqui tenho de aumentar por causa do preço das caixas”, revela.
Se fizer o desvio para visitar o fabrico, pode aproveitar para provar outras especialidades. Felismina recomenda os jesuítas, os pasteis de amêndoa ou os Dom Rodrigo. “Vendo ao preço de fábrica. O mesmo que faço para quem as vende na praia”, justifica.