“Respondo sempre: gosto do que está aberto.” Perguntar ao sommelier Leonel Nunes qual é o seu vinho preferido, é o mesmo que perguntar a um jogador de futebol se prefere o seu clube à seleção. Ou seja, é praticamente impossível.
Reconhecemos estes profissionais pelo cuidado com que sugerem um vinho, pela forma como o servem ao longo da refeição. A palavra francesa usada por todo o mundo para descrever o que fazem significa escanção em português, ou seja, um especialista em vinhos.
O ofício não é tão moderno quanto muitos podiam pensar. Na verdade, remonta à Antiguidade — era a pessoa encarregue de provar as bebidas servidas nos banquetes da aristocracia. Os tempos mudaram, é certo, mas estes profissionais continuam a assegurar que os vinhos servidos nos restaurantes onde trabalham são de qualidade. E desempenham também muitas outras funções: elaboram as cartas, aconselham, harmonizam e são responsáveis pela compra, armazenamento e serviço das referências.
“Formador, professor, guia e contador de histórias.” É assim que Leonel Nunes define a sua profissão. O madeirense de 35 anos foi distinguido como Melhor Sommelier na primeira Gala Michelin Portugal, que decorreu esta terça-feira, 27 de fevereiro,
Apaixonado por vinhos — sobretudo portugueses — já serviu reis, famosos e outros chefs galardoados. É conhecido no mundo da restauração por conseguir conquistar até quem jura a pés juntos que não gosta de vinho.
Sobre a distinção, Leonel garante à NiT que embora ficasse surpreendido, era algo que ambicionava e que esperava alcançar. “Não trabalhamos a pensar nos prémios. Mas, claro, que é uma recompensa pelo que temos feito no Il Gallo d’Oro, com o chef Benôit Sinthon.”
A carta do restaurante madeirense, que manteve as duas estrelas Michelin em 2024, trabalha apenas com vinhos portugueses. A única exceção, sublinha o escanção, é o champanhe. “Realmente não dá para trocar o que se faz tão bem em França”, refere. Sublinha, porém, que tem muito prazer em apresentar uma lista onde mais de 90 por cento dos rótulos são nacionais, oriundos de diferentes regiões do País.
As escolhas do especialista são reconhecidas um pouco por toda a ilha. Leonel já tem clientes habituais que frequentam o Il Gallo d’Oro pelas bebidas que guarda religiosamente na cave — que foi, aliás, ampliada recentemente para agrado do sommelier. A fama de Leonel já chegou além-fronteiras.
“O rei da Noruega, Haroldo V, por ocasião do seu aniversário, decidiu festejar na Madeira e durante a estadia veio ao Il Gallo d’Oro. Eram apenas quatro pessoas e pediram uma wine pairing, para acompanhar o menu de degustação. Fui-lhe explicando e contado a história de cada rótulo. No final, disseram-me que adoraram a viagem vínica que ali fizeram e estavam maravilhados com a qualidade dos vinhos portugueses.”
Outra situação semelhante aconteceu com um chef alemão, que tem um restaurante com uma estrela Michelin. Durante umas férias na ilha decidiu fazer uma reserva no espaço do chef Benôit Sinthon, no hotel The Cliff Bay. “Este foi um daqueles casos em que veio ao Il Gallo d’Oro mais pelos vinhos, do que pela comida. Estava muito curioso, sobretudo, com o Vinho da Madeira”, recorda Leonel Nunes.
O escanção não perdeu a oportunidade de lhe mostrar as “estrela da companhia”. Durante o jantar serviu apenas rótulos especiais. “Houve um de 1937, outro de 1978, um de 1980, um de 1976 da Blandis, muito elogiado e ainda um de 1929 e outro produzido exclusivamente para o nosso restaurante por altura do segundo galardão Michelin.”
Ao todo, o alemão gastou mais de mil euros em sete ou oito copos — e não provou a referência mais cara que Leonel guarda na cave do restaurante. Trata-se de uma edição especial comemorativa dos 600 anos do Vinho da Madeira. Cada garrafa custa cerca de cinco mil euros e, normalmente, faz parte das escolhas dos turistas britânicos que visitam a ilha durante a Passagem de Ano.
Não é propriamente acessível e o madeirense, nascido na zona do Monte, sabe-o. “Temos noção que alguns dos nossos clientes poupam um ano inteiro para fazerem uma refeição connosco e viverem um momento, certamente, diferente. E é só mesmo isso que quero que seja, especial.”
E, regra geral, é sempre. Alguns sentam-se à mesa e afirmam que não gostam de vinho, mas acabam por ser convencidos pelas explicações e histórias de Leonel a experimentar. “Já mudei a opinião de muitos portugueses e estrangeiros. Normalmente, quem não gosta, passa a gostar.”
A pressão das estrelas Michelin
As expectativas dos clientes do restaurante “são sempre muito elevadas” e isso também se reflete no trabalho de Leonel. O sommelier quer sempre apresentar propostas “à altura” para harmonizar os menus de degustação com 10 a 12 momentos. “A pressão é gigante, porque quero sempre exceder as expectativas. Todos os detalhes contam. Mas, no final, quero apenas proporcionar aos clientes uma viagem vínica pelo melhor que faz em Portugal”, diz.
Esta forma de ver o atendimento, herdou-a do pai, que sempre trabalhou em hotelaria. Por isso, quando aos 21 anos lhe disse que queria ingressar na Escola de Hotelaria da Madeira, não ficou surpreendido. A família apoiou-o, mas o objetivo inicial de Leonel era tornar-se barista. Ainda exerceu a profissão alguns anos, quando trabalhou no Sofitel, em Lisboa, e depois no Ritz Palace, quando regressou à Madeira.
Tinha 25 anos quando começou a trabalhar no The Vine (também na ilha) e a sua carreia sofreu uma reviravolta — passou a centrar-se no vinho. Mas também não podia ser de outra forma: naquele espaço tudo gira à volta daquela bebida. E se Leonel já tinha um interesse aguçado, não teve como “fugir”.
A paixão era tal, que acabou encantado por uma enóloga, com quem está casado até hoje e que já desconfiava do prémio. “Ela acredita mais no meu trabalho do que eu. Quando foi anunciado eu fiquei sem palavras e ela foi como se já estivesse à espera de que um dia o reconhecimento ia chegar.”
Como era de esperar, na casa deste casal nunca falta vinho. No máximo, como brinca o sommelier, falta espaço para guardar todos os rótulos. No entanto, já espera esvaziá-la um pouco no próximo domingo, num almoço em família.
“A primeira coisa que o meu pai em disse é que já tinha marcado um churrasco para celebramos todos juntos esta conquista. Estava muito orgulho”, conta. Mas quando lhe perguntámos se vai levar o seu rótulo favorito, admite que não tem preferência.
“Respondo sempre: gosto do que está aberto”, afirma, a sorrir. Contudo, admite ser parcial relativamente ao Vinho da Madeira. “É um néctar eterno, que se mantém intacto ao longo dos séculos. É possível abrir uma garrafa e, um ano depois, ainda não perdeu praticamente nenhuma das suas características”, justifica.
É um vinho associado a celebrações e, este ano, o Il Gallo d’Oro tem muitos motivos para o fazer. O hotel Cliff Bay comemora 30 anos e o chef Benôit Sinthon festeja duas décadas no grupo. E, claro, há que brindar à renovação da segunda estrela Michelin e ao título de Sommelier do ano.
Além das iniciativas que têm preparadas, está a ser produzido uma referência muito especial. “Só posso que é dizer que é da Madeira”, revela Leonel Nunes à NiT.
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Carregue na galeria para conhecer melhor o The Cliff Bay, o hotel onde está inserido o restaurante onde trabalha o sommelier.