“Silêncio, que se vai cantar o fado.” Todos os dias, às 18 horas em ponto, a sonoridade mais portuguesa de todas ecoa nas paredes número 84 da rua do Crucifixo, em pleno coração da capital.
Quem entra no Lisboa em Fado é recebido por Diogo Lucena com um welcome drink. É no primeiro piso, entre os típicos arcos dos edifícios pombalinos, a tinta vermelha e os tapetes antigos, se pode sentar numa das 30 cadeiras colocadas à frente de um pequeno palco.
Entre fotografias de personalidades históricas do fado e as três guitarras portuguesas que pertenceram a Jorge Fontes, Raul Nery e José Nunes, escuta-se o assombroso, melancólico e apaixonado som tão próprio da nossa cultura. Não sem antes assistir ao documentário que nos leva a conhecer muitos dos maiores intérpretes da história do estilo.
A hora pode não parecer a mais habitual. Afinal, a maioria das apresentações de fado em Lisboa acontece nos restaurantes ou casas próprias — pequenos e intimistas com comida e bebida — e só começa por volta das 21 horas ou mais tarde. Mas aqui a ideia é outra e foi pensada pelo próprio Diogo Lucena. “Estamos a apreciar a música e não tanto a parte da culinária, como acontece nessas. É mesmo um concerto de fado, com esta vertente de documentário e da degustação de um bom copo de vinho do Porto, claro”.
São 16 horas quando a NiT fala com o dono do espaço e, ao fundo, as vozes a cantar e as guitarras a tocar são sinal de que os preparativos para o espetáculo que vai começar dentro de duas horas já começaram. Ainda assim, Diogo explica-nos como tudo começou. O Lisboa em Fado trata-se de um de um advogado que é músico deste estilo há cerca de 20 anos, e que pegou no seu amor pela arte e o transformou num negócio em tempo integral.
“O que aconteceu foi que realmente decidi investir nesta possibilidade de me dedicar só à parte artística. No fundo, é a materialização do meu sonho”, começa por nos dizer. Por considerar que a Baixa está muito descaracterizada e que tem muitas lojas que pouco têm que ver com a cultura portuguesa, em abril de 2022, encontrou no Chiado a sua morada. As obras, contudo, só ficaram concluídas em outubro. No dia 3 desse mês, data em que fez 40 anos, inaugurou, finalmente, o Lisboa em Fado.
Hoje garante ter aquilo que poucas casas de fado podem afirmar ter: um local que reflita o melhor da cultura portuguesa. Pelo meio, Diogo teve de partir e pintar paredes, mas não se mostra desiludido. Tentou criar uma casa onde houvesse uma grande portugalidade e acredita ter conseguido.
“Sinto que, sejam portugueses ou estrangeiros, todos os nossos visitantes têm uma agradável surpresa. Isto porque deparam-se com o documentário e têm uma visão do fado que raramente têm. A verdade é que o estilo está um bocadinho escondido dos meios de comunicação. É difícil encontrá-lo na televisão, pelo menos, com a frequência com que seria desejável”, nota.
Se hoje é João Braga, Rodrigo, António Pinto Basto ou Maria João Quadros a atuar não sabemos. Todos os dias o espetáculo é diferente, e raramente vai encontrar algum dos músicos ou fadistas em dias seguidos. Mas, assim como pode ouvir alguns dos grandes nomes do fado, também pode encontrar outros que começam agora a ter mais projeção. É o caso do Gustavo, da Maura Aires, da Nadine ou da Sara Paixão. “Temos uma mescla de gente mais nova que se envolve com as outras gerações”, revela o empreendedor.
Quem sabe se não vai ver o próprio Diogo a arrancar da parede uma das três guitarras portuguesas que acompanharam guitarristas históricos e a usá-la na sua própria atuação. “José nunes, Raúl Nery, Jorge Fontes. Todos eles artistas geniais da guitarra portuguesa, da escola de Lisboa e que gravaram precisamente com elas os álbuns mais representativos da história do fado, nomeadamente com a Maria Teresa de Noronha, Amália Rodrigues, com Alfredo Marceneiro, ou com João Braga”, afirma Diogo.
E se os espetáculos acontecem apenas uma vez por dia, Diogo não nega a hipótese de, no verão, virem a ser mais. “Foi projetado exatamente com essa intenção. Concebemo-lo para que fosse dinâmico, para prender a atenção dos nossos espetadores, tenham eles a idade que tiverem”. Por isso mesmo, a entrada não é limitada pela idade. “Somos, obviamente procurados principalmente por um público mais velho, mas também acontece virem cá famílias. Os miúdos são sempre bem-vindos”.
Os preços, esses, variam dependendo exatamente desse critério. Dos seis aos 12 anos, o bilhete custa 12€. Já dos 13 aos 18, o ingresso pode ser comprado por 16€. No caso de ter mais de 18 anos, a entrada custar-lhe-á 19€. E ainda que possa comprá-la na hora do concerto, Diogo aconselha a fazê-lo previamente através do site. No final, brinda-se aos artistas e espetadores com um belo copo de vinho do Porto (que é oferta da casa).
No piso de baixo, o cenário é um pouco diferente. Em vez da capacidade para 50 pessoas, cabem ali 80 — e o copo de vinho é trocado pelo lombo de bacalhau no forno e as bochechas de porco estufadas com migas de tomate. Apesar de o restaurante não estar ainda aberto ao público, os pratos da autoria do chef Miguel Castro Silva podem ser provados em eventos empresariais mediante o agendamento prévio e a combinação de um menu.
Carregue na galeria para conhecer melhor este espaço que se diz único na capital.