Em 2001, as primeiras máquinas Nespresso chegavam a Portugal. Entre a equipa que viajou até Lisboa para as apresentar estava Brigitte Felber, suíça que nos últimos 20 anos fez carreira naquela que é uma das mais famosas marcas de café do mundo.
Acabaria por fazer as malas e viajar para Singapura. Depois para Taiwan e finalmente Coreia do Sul. De Portugal levou apenas a ideia de que um dia gostaria de voltar. E voltou, quando a Nespresso lhe fez o convite para assumir a gestão do mercado nacional em 2019.
As saudades da Europa falaram mais alto e disse que sim. Só não contava é que, à chegada a Portugal, todo o mundo estivesse mergulhado numa imprevista pandemia que não só alterou a forma de fazer negócio, como também a forma como vivemos.
Obrigada a repensar toda a estratégia que trazia para o mercado nacional, a Business Executive Officer da marca no País sentiu também dificuldades na adaptação, sobretudo porque era impossível conhecer pessoas em pleno confinamento. Hoje, dois anos depois da chegada, confessa-se perfeitamente ambientada.
Quando não está no escritório, e possível encontrá-la numa das muitas praias da costa onde as condições meteorológicas são ideias para praticar o seu hobby preferido, o windsurf. Apaixonada pelo povo português e pelo peixe e marisco que lhe faltava nos Alpes suíços, não pondera mudanças de posto para breve, até porque diz que há ainda muito para fazer — e traça o objetivo de ajudar a marca a atingir a meta da neutralidade carbónica até ao final do ano.
Foi-lhe proposto ocupar o cargo em Portugal, depois de muitos anos na Ásia. Aceitou e chegou cá em 2020. O que a atraiu nesta escolha?
Estive 14 anos na Ásia, em Singapura, Taiwan e Coreia do Sul. Passado todo esse tempo, percebi que estava na altura de regressar à Europa. É um contexto diferente para a Nespresso. Na Ásia ainda estamos a construir a marca, ao passo que na Europa, está tudo muito mais maduro. Estava à procura de uma nova realidade do ponto de vista do negócio. Portugal é um grande mercado no que toca ao café e proporciona uma experiência diferente daquela que tinha na Ásia.
Já conhecia o País?
Tinha estado cá quando foi lançada a Nespresso em Portugal, mas numa função diferente da que tenho hoje e que me permitiu viajar por todo o mundo. Quando cheguei cá, pensei: ‘Uau, seria bom se um dia pudesse trabalhar aqui’. Não esperava é que há cerca de dois anos me fosse proposta a mudança. Apaixonei-me por Portugal durante essa visita há cerca de 19 anos.
Está a viver em Portugal há dois anos. Como tem sido a experiência?
Portugal tem tudo, paisagens bonitas do interior à costa, a cultura europeia. Sentia falta disso. Sobretudo gosto das pessoas, do povo. Digo sempre que um país pode ser bom para viver, mas se as pessoas forem incríveis, isso é que faz com que não queiramos ir embora. Vocês têm tudo. São o pacote completo. Adoro peixe e marisco. Vivi em países com costas enormes e, como sou suíça, adoro-os porque tenho acesso a toda essa comida. Em Portugal isso também acontece e isso faz-me feliz. Eu e o meu marido também temos um hobby, fazemos windsurf, portanto estamos no sítio perfeito. Passamos muito tempo no mar.
Chegou a Portugal no arranque da pandemia e foi confrontada com um cenário inesperado. Foi desafiante?
Pessoalmente, estás num país novo onde não conheces ninguém, nem a tua própria equipa consegues conhecer, estão ali em pequenas caixinhas no ecrã. Essa foi talvez a parte mais difícil. Não fiquei fã, mas uma pessoa aprende e adapta-se. Mesmo fora do trabalho, era impossível conhecer pessoas, convidá-las para virem até nossa casa. Foi um enorme desafio.
E isso mudou também os planos que tinha para a Nespresso em Portugal?
Fomos forçados a fazer ajustes. As nossas boutiques eram os principais canais de venda e de repente deu-se uma mudança radical, tivemos que aumentar a oferta digital, levar o café a casa dos consumidores e melhorar toda a nossa logística. Fazer essa mudança num tão curto espaço de tempo foi difícil, mas estou muito orgulhosa daquilo que conseguimos fazer. As pessoas agora compram facilmente o café online e recebem-no em casa. A pandemia ajudou-nos a mostrar que há alternativas às boutiques.
Havia assim tão pouca gente a comprar online?
A maioria das vendas continuam a ser feitas offline e, comparativamente ao resto da Europa, Portugal tem uma das menores taxas de penetração digital no retalho. Na Nespresso, o cenário não era diferente. Com as boutiques fechadas, não tivemos outra escolha senão levar tudo para o online e, durante vários meses, fomos um negócio a funcionar quase exclusivamente online.
Era uma realidade para a qual estava preparada?
Na Ásia, os consumidores são mais conhecedores do digital, estão habituadas a fazer as compras online. Sabia disso quando me mudei para cá, que o mercado era mais tradicional, mais feito offline. Quando aceitei a posição, não havia Covid-19 e, de repente, chego cá a meio da primeira vaga. Não foi só em Portugal que se deu essa transição forçada, mas em toda a Europa. Essa transição já tinha acontecido na Ásia. Fomos forçados a, num par de meses, operar uma enorme mudança. Só agora estamos a chegar ao ponto em que a Ásia já se encontrava. Para mim foi bom porque tornou tudo muito dinâmico, pude trazer muito conhecimento e experiência de um mundo mais digital.
E a nível de consumo de café, são os portugueses assim tão diferentes dos asiáticos?
Cada país é diferente, mesmo dentro da Europa. Por cá, consome-se café de forma muito distinta do que acontece na Noruega, na Suíça ou mesmo em Espanha. Na Ásia também é assim. Diria que se consome muito café fora de casa, embora, por exemplo, na Ásia haja mais o hábito do take-away. Mas diria que as diferenças não são assim tantas.
Portugal é um mercado importante para a Nespresso?
Sabemos que, por exemplo, o sistema de café em cápsulas é muito bem recebido e a Nespresso tem uma presença de relevo nesse mercado. É um mercado muito importante no contexto europeu. Foi também cá que lançámos há 12 anos o projeto Reciclar é Alimentar e que já foi copiado em Itália, partilho muita dessa informação com os nossos colegas de outros países.
Em que consiste?
Com as cápsulas recebidas, separamos o alumínio — que pode ser infinitamente reciclado e é depois derretido e reutilizado para outros fins — das borras usadas, que são usadas na compostagem e adicionadas ao solo das produções de arroz. Isso dá mais nutrientes ao solo e ajuda a produção, que depois é comprada pela Nespresso e entregue ao Banco Alimentar.
Que outras mudanças é que quis trazer para Portugal?
A primeira foi, claro, a digitalização. A outra é a agenda da sustentabilidade, não só em Portugal mas para todo o mundo. Tornou-se numa prioridade para nós. Temos como objetivo a redução de emissões, criar um negócio mais sustentável e ao mesmo tempo ajudar e educar o consumidor a ter hábitos mais sustentáveis.
Quais são os objetivos?
Assumimos o compromisso, a nível global, de atingirmos a neutralidade carbónica até ao final de 2022. Isso significa que cada mercado terá que trabalhar em medidas para reduzir as emissões. Acabámos de receber um prémio por termos conseguido reduzir em 20 por cento as emissões na nossa operação logística em Portugal. Mas procuramos fazer isso em todas as vertentes, também na capacidade de reciclagem, sobretudo nesta fase, onde as pessoas passavam mais tempo em casa: começámos a fazer recolha das cápsulas usadas durante as entregas ao domicílio e o número de recolhas aumentou drasticamente durante a pandemia. Começámos também a fazer entregas ecológicas com o apoio dos CTT e da DPD, no Porto e em Lisboa. E em Lisboa fazemos já entregas em bicicleta. Tudo isso faz parte do plano global para a redução de emissões. Decidimos também trocar a embalagem do arroz que produzimos no projeto Reciclar é Alimentar e usamos agora apenas embalagens sustentáveis.
Esta maior preocupação generalizada com o ambiente e com as práticas sustentáveis leva a que muitos critiquem o crescente uso de cápsulas descartáveis. Esse é também um aspeto fulcral no negócio da Nespresso. Como é que o pretendem resolver?
Nós olhámos para todo o ciclo de vida dos nossos produtos e, claro, a reciclagem dos resíduos é uma dessas fases, mas é uma parte bastante insignificante. Diria que representa apenas 10 por cento. Olhando para o cenário geral, é na produção do café que se encontra o maior impacto. No que toca às cápsulas, por exemplo, a melhor prática sustentável passa por garantir que cada uma delas usa a quantidade mínima indispensável de café. As cápsulas não são más por si só. Calculada a pegada carbónica, percebemos que vital é não desperdiçarmos café.
O que não significa que não devam ser também uma prioridade.
A reciclagem é muito importante e tentamos garantir que os resíduos são devidamente tratados através do nosso projeto próprio. Desde que o lançámos em Portugal que fazemos a separação do alumínio das cápsulas e das borras. Outro aspeto em que nos focamos, por exemplo, é nas máquinas, na energia necessária para fazer um café. Também isso é importante, tal como a quantidade de água usada ou o facto de que as máquinas poupam energia ao desligarem-se sozinhas. Tudo isto tem impacto no cálculo da pegada carbónica de um único café.