As tradições são tradições porque são sagradas — e esse estatuto salvaguarda-as de blasfémias que podem (ou não) fazer arrepiar os mais conservadores. Mas se há quem pragueje com a visão de alguém a comer um pastel de nata com talheres — ou, pior ainda, um turista a devorar uma francesinha com as mãos —, o que dirão os portugueses do chef pasteleiro que decidiu trocar as voltas ao doce mais típico do País e dar-lhe sabores de bacalhau ou caipirinha?
A operação arriscada nasceu na mente de Filipe Soares, pasteleiro de 40 anos que, em 2017, decidiu experimentar algo diferente. Criou o seu negócio, a Natas D’Ouro e foi aonde mais ninguém ousou ir. A verdade é que estes pastéis de nata inusitados têm feito sucesso.
Natural de Braga, nasceu numa família muito dada à pastelaria. Durante várias décadas, os seus pais tiveram um café na cidade minhota e Filipe cresceu a ajudá-los. Foi em 2017, contudo, que decidiu construir o seu próprio caminho e fundar um projeto que pretendia quebrar todas as regras da doçaria nacional.
O primeiro espaço da cadeia abriu no Porto nesse mesmo ano e, para celebrar a ocasião, criou um pastel de nata com vinho do Porto. “A partir daqui começaram a surgir novos sabores”, conta à NiT. E cada um é mais insólito do que o anterior.
Em agosto deste ano lançou, por exemplo, pastéis de nata com sabor a sardinha e broa, legumes e alheira. “No portefólio também temos as natas de caipirinha, laranja e limão”, explica.
A Natas D’Ouro era uma pastelaria. Salgados, nem vê-los. Isso mudou quando em 2018 a marca expandiu para Espanha, mais concretamente para a Galiza, em Pontevedra. “Os espanhóis gostam muito de salgados logo pela manhã e reparei que nas lojas só tínhamos as versões doces. Aproveitámos a base muito crocante das natas e começámos a fazer novas receitas com frango e bacalhau.”
Esta decisão acabou por ser recompensada e, sem dar por isso, esgotava diariamente muitos dos diferentes pastéis naquela loja de Espanha e nas de Portugal, onde tem lojas em Vila Nova de Gaia, Braga (com quatro) e Porto. Para conseguir dar resposta à procura, acabou por criar uma fábrica em Esposende.
Ali produz cerca de 180 mil natas por mês — e foi graças a esse espaço que conseguiu inaugurar ainda mais lojas na Europa. Desde 2018 que chegou a cidades como Madrid, Vigo, Palma de Maiorca e Genebra. Tem, ao todo, 11 espaços. Num futuro próximo pretende chegar a novos destinos, nomeadamente Paris, Luxemburgo, Santiago de Compostela, Málaga, entre muitos outros.
Mesmo com esta expansão, há algo que Filipe garante que não vai mudar: a reinvenção do pastel de nata. “Gosto muito de andar a inventar”, brinca. Quando lhe surge uma ideia que possa resultar, aponta-a logo para não se esquecer.
Todos os novos sabores passam por um período de teste, um período que por vezes chega aos três meses. “Damos aos clientes para ver como é a aceitação e de acordo com o feedback acabamos por mudar a receita. E muitas vezes eles próprios sugerem novos sabores”, realça o empresário.
Há muitos aspetos que ligam as lojas nos diferentes países, nomeadamente a decoração com tons pretos e dourados. Por outro lado, há detalhes que mudam consoante a localização. Exemplo disto mesmo são os preços praticados.
“Na Suíça, onde se vive melhor, o pastel de nata clássico custa 2€, enquanto que nalguns sítios de Espanha custa 1,50€ e, em Portugal, 1€”, diz Filipe. Preços que sobem caso se tratem dos sabores mais inusitados: os de laranja, caipirinha, vinho do Porto e limão custam 1,20€. Os restantes estão à venda por 1,90€.