São a crème de la crème do mundo dos vinhos. Uma garrafa custa, em média, cerca de 600 euros. Não é uma surpresa, portanto, que o valioso líquido se tenha tornado num alvo prioritário da indústria de contrafação chinesa.
Estima-se que cerca de metade dos exemplares vendidos na China sejam imitações produzidas em barcos. No interior das garrafas cuidadosamente seladas, não está o néctar produzido nas vinhas em Bordéus, mas um vinho de baixa qualidade, com a cor certa para enganar até os conhecedores.
Em 2012, a polícia confiscou cerca de dez mil garrafas falsificadas que, a serem vendidas a preço de mercado, poderiam valer perto de 15 milhões de euros. Do outro lado do mundo, luta-se para que um dos vinhos mais famosos do mundo não seja desvirtuado.
À frente desta luta está uma mulher que, apenas com 33 anos, fez história. Saskia de Rothschild tornou-se, ao fim de seis gerações, a primeira mulher a comandar uma das quintas mais famosas da região vínica de Bordéus, a Château Lafite Rothschild. Não é tudo: é também a primeira mulher à frente da Domaines Barons de Rothschild, a empresa que gere o império vínico da família em todo o mundo.
O peso da herança história é imensurável. As primeiras referências à quinta datam de 1234, terrenos que foram passando de mão em mão, até chegar a 1868, ano em que a poderosa família Rothschild — de origem judaica, oriunda da Alemanha, que criou um império bancário que se espalhou por todo o mundo — comprou o Château Lafite, antes de lhe acrescentar o seu próprio apelido ao nome.
James Mayer Rothschild pagou mais de quatro milhões de francos, mas apesar da pequena fortuna, morreu poucos meses depois. Passados mais de 150 anos, é a vez da sua tetraneta suceder aos seus descendentes (todos homens) nos comandos da quinta.
Apesar da ligação íntima com as vinhas, Saskia optou por uma carreira pouco usual. Estudou nos Estados Unidos, onde se formou em Jornalismo na Universidade de Columbia, e apostou numa carreira como jornalista de investigação.
Escreveu um pouco sobre tudo, da vida em Paris aos conflitos na África ocidental. Os seus artigos foram publicados em muitos meios de relevo, do “The New York Times” ao “The Washington Post”, passando pela “Vanity Fair” ou “Le Monde”.
Na Costa do Marfim, entrevistou dezenas de prisioneiros na perigosa e infame prisão de La Maca. Acompanhou as primeiras fuzileiras norte-americanas a chegarem à linha da frente do conflito no Afeganistão. No entanto, havia outra paixão.
“Enquanto cresci passava muito tempo nas vinhas, parte do meu coração esteve sempre em Paulliac e Pomerol (…) Quando trabalhava no New York Times, fazia sempre questão de regressar a Bordéus para a vindima e a certa altura percebi que tinha o dever de proteger o que a minha família construiu durante tantos anos”, revela numa entrevista.
Dedicou-se novamente aos estudos, especializou-se em viticultura e enologia, e acabou por fazer uma série de estágios em pequenas quintas da família, antes de se juntar ao pai na mais importante e emblemática. “Aos poucos, a transição foi feita entre mim e o meu pai”, confessa.
Assumiu o cargo em 2015, ano em que curiosamente lançou o seu primeiro romance, e hoje comanda não só o Château Lafite Rothschild, mas um total de oito adegas em três continentes.
A mais recente e inovadora está na China, onde em 2017 foi lançado o primeiro vintage — o primeiro vinho francês produzido em solo chinês e cujas garrafas foram postas à venda por mais de 300 euros. Da adega de Long Dai, na província de Shandong, saíram apenas 2.500 caixas, todas elas com garrafas implantadas com chip eletrónico para prevenir a contrafação.
A inovação contrasta com a longa história da marca, cujos vinhos começaram a ser produzidos nos 112 hectares. Foram cobiçados e bebidos por reis — conta-se que um milhão de garrafas de vinho da região foram enviadas para Inglaterra, para o casamento do Rei Eduardo II — e por políticos como Thomas Jefferson, que se diz ter sido um dos seus grandes fãs.
O co-fundador dos Estados Unidos está também ele no centro de uma polémica, quando em 1985, uma garrafa que se dizia ter pertencido ao político, foi vendida por mais de 150 mil euros. A autenticidade da garrafa foi contestada, sem grandes conclusões.
O futuro de uma das quintas mais famosas do mundo permanece nas vinhas de Bordéus, onde se aposta agora em vinhos biodinâmicos — e às mãos de Saskia de Rothschild, a expansão passa também pelos Estados Unidos ou até pela Etiopia. “Mas não vamos comprar sapatos brilhantes”, explica a gestora à “Bloomberg”: “Queremos encontrar jóias por desenvolver e poli-las”.