Uvas, uma ânfora de barro e tempo. Era e é este o processo de vinificação mais antigo do mundo e que tem ainda hoje uma enorme tradição no Alentejo. Uma técnica cada vez mais em voga, fruto da explosão do vinho natural, menos interventivo e mais orgânico. Mas se funciona para o vinho, funcionará para outras bebidas? Foi o que Telma Lúcio quis perceber com um destilado, o gin.
A estudante de enologia e técnica de viticultura, começou por fazer várias experiências no mundo do vinho, até que decidiu guiar-se pela tradição e valorizar a técnica muito utilizada na sua terra natal, Safara, no município de Moura. Testou produzir vinho em talha, mas rapidamente percebeu que não seria um negócio rentável.
“Sempre quis honrar as minhas raízes e as tradições. Porém, tive de começar a pensar numa forma diferente de o fazer. Inscrevi-me em diferentes workshops de destilados e decidi dedicar um ano a trabalhar em destilaria na talha, porque sabia que nem todas bebidas iriam resultar”, explica a enófila de 24 anos que lançou a primeira versão da bebida no final do verão de 2024.
Optou pelo gin por ser uma bebida mais consensual e decidiu criá-lo de raiz com produtos orgânicos, oferecidos pelos vizinhos da região. “Em Safara temos a tradição de colocar rosmaninho nas portas das casas e nas ruas durante a altura da Páscoa. Então decidi pegar na erva e utilizá-la como base na bebida.” A bebida leva mais 15 botânicos, entre eles a laranja e a maçã.
O processo para criar o Dignus, que em latim significa tradição, foi minucioso. “Demorámos até chegarmos ao produto final. Queríamos dignificar a tradição numa garrafa e, por isso, não podíamos errar. Utilizando este método o gin tem de sair do alambique para a talha e não para a cuba comum de inox. Temos de fazer um controlo de grão duas vezes ao dia, um de manhã e outro ao fim dia. Em simultâneo, temos de garantir que o álcool não se perde”, explica Telma.

O sabor foi outro passo que mereceu uma atenção redobrada. “Recordei-me, ao longo do processo, dos meus avós dizerem que a comida feita em caçarolas de barro ficava com um sabor diferente e que os ingredientes sobressaiam. No gin é igual. O Dignus torna-se muito mineral na boca”, refere.
Demorou mais de um ano a fazer e a “ficar perfeito”. Em setembro começou a vendê-lo em garrafeiras e alguns bares alentejanos em Serpa e Moura. A aceitação surpreendeu-a. “Achei que, por ser algo tão diferente, que iria ser um destilado de nicho, mas a produção surpreendeu-me. No final do ano esgotamos os quatro lotes que fizemos, com 500 garrafas cada. Os clientes começaram a delirar e nem no inverno deixaram de comprar”, revela.
O Dignus é vendido em garrafas de 500 mililitro e custa 32€ se o comprar na loja online da marca. Tem 42 por cento de volume alcoólico, um teor mais alto do que os gins comuns, que é uma característica da produção em talha de barro.
Com o sucesso do projeto, Telma Lúcio, que tinha aberto uma destilaria em fevereiro para estudar diferentes botânicos, já pensa em expandir o negócio. “Queremos adquirir mais talhas de barro porque a procura tem aumentado exponencialmente e os clientes já nos pedem mais. Além disso, já temos adegas que querem ajudar a nossa destilaria”, admite.
A destilaria chama-se Telma Lúcia e fica na Amareleja. Quem quiser pode fazer visitas guiadas ao espaço e apreciar como se faz um gin numa talha de barro deixada pelos romanos.