Quando alguns especialistas franceses visitaram as vinhas de Paulo Alves e Meira Afonso, apelidaram-nos de “terroristas do solo”. Acolheram a expressão com alguma surpresa. “Terroristas do solo?”, questionaram. Perceberam rapidamente o jogo de palavras e a origem da expressão terroirist, em francês, ou terroirista, em português. “Depois é que nos explicaram que era uma expressão francesa para as pessoas que trabalham o solo de forma a que ele trabalhe para elas”, conta a dupla que produz vinho nos 27 hectares da Quinta do Casal da Cruz, em Vila de Rei, com em pleno coração da região de Bucelas. E que agora lançam o seu primeiro vinho biológico DOC de Bucelas.
A aventura começou há dez anos, quando decidiram comprar uma quinta abandonada há mais de 30. Todos lhes disseram que seria um péssimo negócio, mas os lisboetas de 58 anos vincaram a teimosia e fecharam negócio.
“Em plena crise financeira achamos que seria uma oportunidade imperdível e que nunca iríamos conseguir um preço igual. Compramos a quinta que o agora meu sócio tinha visto e achado muito grande para trabalhar sozinho. Após fazer uma vasta investigação, decidimos optar pelo modo de produção biológico, ou seja, os nossos vinhos são feitos na vinha e não na adega e não têm qualquer intervenção mecânica ou química. Neste caso o campo e o solo têm um papel fundamental para a qualidade do vinho”, refere o especialista em marketing.
Paulo Alves começou a interessar-se por vinho há quase duas décadas. Passou de ser um mero apreciador para um entusiasta que passava dias a pesquisar sobre métodos de produção, castas e tudo o que estivesse relacionado com a bebida. Ao fim de algum tempo e após várias formações pensou em tornar-se num micro produtor. O amigo, Meira Afonso, fez um percurso semelhante: também não estava ligado ao ramo, mas apaixonou-se pelos processos e acabou a desafiá-lo para investirem na quinta.
Após decidirem avançar e já terem chegado à conclusão que iriam apenas produzir vinho biológico, começaram a preparar o terreno. Os fins de semana dos anos seguintes foram passados na quinta a tratar do solo para garantir uma uva com qualidade.
“Temos sete hectares de vinha, o resto é olival e temos um bosque que faz um género de barreira natural que ajuda a garantir certas condições boas para a produção. Depois introduzimos cerca de 80 ninhos de pássaros, que ajudam a controlar os mosquitos, e certas pragas e ninhos de morcegos com o mesmo objetivo”, conta.
Os sócios acreditam que a natureza lhes devolve o que eles lhe dão — e com as práticas que adotaram conseguiram criar uma vinha resistente. E isso foi provado por especialista em solos que foram contratados por um produtor dos terrenos vizinhos.
“Assim que chegaram aqui viram que o nosso terreno estava coberto de verde enquanto os outros estavam secos e castanhos. A diferença, como lhes dissemos na altura, estava no que semeávamos no meio da vinha, que neste caso era aveia e favas. Quando crescem, cortamos e utilizamos como fertilizante. Os especialistas quiseram conhecer-nos e chamaram-nos ‘terroirist’, ou seja, terroirista de solos. Lá explicaram que era uma expressão francesa.”
Os “terroiristas”, como ficaram conhecidos, acreditam que a sua forma de trabalhar funciona. No verão passado, quando as chuvas ameaçaram toda a produção vinícola, Paulo e Meira apenas se preocuparam em usar tratamentos tradicionais com enxofre e cobre. No final foram surpreendidos por uma produção com um nível elevado de qualidade e quantidade.
O primeiro vinho biológico de Bucelas
Atualmente, nas vinhas as castas dominante são, claro, o Arinto, e a Esgana-Cão, esta última escolhida por ser mais adstringente. Foi destas castas que conseguiram criar o primeiro vinho biológico de Bucelas da era moderna, porque como o especialista em publicidade refere, “os antigos já faziam o vinho da mesma forma, a mais simples possível”.
O resultado são três vinhos, um 100 por cento Arinto, outro monocasta de Esgana-Cão e um terceiro que é um blend. Quem os prova admite que são referências com “muito terroir, muito frescos e com uma acidez interessante”. As características são fruto da localização da vinha, no vale de Bucelas, que faz a ligação entre o Tejo e o Oceano Atlântico. “Temos amplitudes térmicas entre 15 e 40 graus e isso permite que as vinhas tenham uma vida difícil. Só assim se consegue bom vinho”, explica.
No entanto, os clientes não podem esperar que a colheita seja sempre igual. “O vinho não é padronizado, é o espelho do que foi o ano do ponto de vista climatérico. Por isso é irrepetível.”
O vinho mais procurado é o branco (À PARTE) DOC de Bucelas Biológico (16,50€) que é feito numa parcela muito específica da vinha e tem notas cítricas e de minerais. Por ano produzem cerca de duas mil garrafas que são vendidas em 140 restaurantes lisboetas, como a Lota d’Esquina de Vítor Sobral, o solar dos Presunto e o Gastrobar no Altis e exportada para o estrangeiro, como Itália, Alemanha e Dinamarca.