Gourmet e Vinhos

Textura: os vinhos premiados que nasceram numa antiga fábrica de burel na Serra da Estrela

A marca de dois brasileiros chegou aos melhores restaurantes do País e tem um rótulo que é uma homenagem à avó “com alma portuguesa”.

Largar uma carreira lucrativa no mundo dos investimentos para se dedicar aos vinhos pode parecer loucura, mas foi exatamente isso que Marcelo Villela de Araújo fez. Em 2018, trocou os mercados financeiros pela viticultura e, sete anos depois, é hoje dono de uma empresa com mais de 30 hectares de vinha e referências premiados. A paixão começou cedo, ainda em criança, e levou-o a correr mundo à procura de novas experiências enológicas. O que era um hobby transformou-se num projeto de vida — e o sucesso não tardou a chegar acabou por chegar. 

O investidor de 55 anos nasceu no Rio de Janeiro e sempre teve um fascínio pela Europa e pelos vinhos europeus. Durante a adolescência começou a explorar o velho continente, mas foi aos 45 anos, já casado e com filhos, que escolheu o Porto para começar uma nova vida com a família “longe da insegurança do Brasil”. O que nunca imaginou é que esta cidade lhe iria dar coragem para deixar a área financeira para se dedicar à enologia.

O enólogo mudou-se em 2015, com a mulher Patrícia Berardi, sendo que já tinham comprado casa em 2014. Nos primeiros anos continuou a trabalhar na mesma área e até montou um escritório no Porto, enquanto a mulher, professora de engenharia ambiental, terminava uma pós-graduação. No entanto, rapidamente percebeu que com a mudança podia finalmente dedicar-se a explorar o ramo que sempre o apaixonou: a enologia. Deixou a empresa e começou a estudar na Escola de Enologia.

“Sempre fui apaixonado por vinho. Comecei por experimentar durante a juventude as referências de proximidade, ou seja, chilenas e argentinas e depois passei para os clássicos franceses e italianos. Mas desde que experimentei, com cerca de 25 anos, sempre me interessei por perceber a origem, as castas e aprofundar um pouco mais os conhecimentos sobre cada rótulo”, explica Marcelo à NiT. Por sorte, encontrou uma companheira que também o acompanhava e encorajava neste hobby e acompanhou-o em várias viagens pela Europa com o objetivo de provar vários vinhos.

“No Brasil tínhamos o hábito de fazer reuniões com amigos para jantar e explorar garrafas novas em casa uns dos outros. O vinho acabou por ser importante para criar relações nos tempos em que vivemos em São Paulo, longe da família”, recorda.

Por cá, a experiência não foi muito diferente. Durante o curso de enologia conheceu vários produtores e enólogos, e foi através dessas relações que mais tarde conseguiu lançar o seu próprio negócio. O objetivo de investir neste setor começou a ganhar forma numa das cadeiras do curso, na qual teve de desenvolver um projeto de vinho. Visitou várias quintas no Alentejo e no Douro, mas foi a região da Serra da Estrela que o conquistou.

“Assim que vim cá com a Patrícia percebemos que havia um grande património histórico e vinhas velhas, assim como produtores estabelecidos e paisagens lindíssimas. A Serra a Estrela tinha tudo o que era necessário para criar a nossa empresa, apesar da distância ao Porto”, refere. A decisão acabou por ficar fechada após encontrarem uma antiga fábrica de têxteis que estava abandonada e que serviu de inspiração ao nome do projeto: Textura Wines. É neste espaço centenário que instalaram a adega, a sala de provas e o espaço de enoturismo, com paredes de granito, chão em cortiça e decoração em burel.

Os vinhos Textura

O espaço em Gouveia ditou o desenvolvimento do resto do projeto. “Acabámos por escolher fazer vinhos de terroir, e em vez de uma única quinta temos vinha em vários locais, divididos entre Penalva e Gouveia”, acrescenta.

Em 2018 começou a cultivar e a trabalhar numa adega arrendada. No ano seguinte comprou a propriedade e, a partir da colheita de 2018, produziu os primeiros vinhos, que só chegaram ao mercado em 2021, após um estágio prolongado devido à pandemia. Os Textura Wines destacaram-se pelo baixo teor alcoólico e pela complexidade, e foram um sucesso. Em 2022, o Vinha Negrosa 2019, da Serra da Estrela, foi distinguido como “Vinho do Ano” pela Revista de Vinhos.

O que poderia ter sido uma surpresa, foi apenas a constatação que Marcelo já suspeitava: tinha apostado num blend pouco usual, mas que resultava muito bem. “Trata-se de um blend de duas castas tintas emblemáticas da região, a Jaen e a Tinta Pinheira. Normalmente em Portugal apostamos em vinhos de topo com a Touriga Nacional, mas quisemos fazer diferente e apostar na casta rainha do Dão”, explica. “Quando ganhou o prémio já estávamos nas cartas de vinhos de restaurantes de topo do País”, acrescenta.

A diferença dos Texturas Wines está na própria região. Com mais de 30 hectares de vinhas, Marcelo divide o cultivo entre as regiões mais próximas das montanhas, onde consegue uvas com maturação diferentes devido às noites frias da serra. Em Penalva, o solo granítico e a densa vegetação à volta das vinhas “torna os vinhos mais densos”. Em ambas as regiões, opta pela baixa intervenção e por utilizar apenas “uma pequena quantidade de sulfitos, de forma a conseguir manter as referências o mais saudáveis possíveis”.

As referências.

“A marca combina tradição e inovação na criação de vinhos de caráter distinto, equilibrados e sofisticados.” No portefólio têm 15 rótulos diferentes, que se dividem entre três brancos, 10 tintos e dois rosés, todas com identidades e perfis diferentes. No entanto, o mais vendido continua a ser o Textura da Estrela (22€). “Engarrafámos 13 mil garrafas de branco por ano, o mesmo número em tinto e outros tantos de rosé que são distribuídos por garrafeiras e restaurantes portugueses, como o Alma e os do Grupo Avillez e também para os EUA, Canadá, Brasil, Noruega, Reino Unido e Suécia”, afirma. Recentemente, chegaram também ao Japão, Israel e Polónia.

O portefólio fica completo com o entrada de gama Pretexto (branco, tinto, rosé e palhete), o topo de gama Pura e ainda o Encoberta, o Constructo, o Vinha Negrosa e o D. Áurea (um monocasta feito com Bastardo), que é uma homenagem à avó Áurea. “A minha avó era filha de portugueses e mantinha as raízes nacionais na nossa família. Tinha muito a alma portuguesa de juntar as pessoas em casa e dar grandes almoços e festas para a família e amigos”, conta Marcelo. “Desde o início do projeto que dizia à Patrícia que quando tivéssemos um vinho especial que lhe daria o nome dela. E assim foi. O Dona Aurea foi feito em 2020 e em 2021 foi escolhido como segundo melhor em provas cegas”, acrescenta.