O croquete é provavelmente o salgado mais consensual entre os portugueses. Talvez o motivo de sucesso esteja na versatilidade, nas múltiplas formas como pode ser servido: dá para abrir o apetite, para ser rei nas festas de aniversário, vestir-se a preceito para compôr uma entrada num jantar de amigos ou até para saciar o estômago num raide noturno ao frigorífico. Há também quem os devore como refeição principal, bem adornados com um bom arroz malandro de tomate.
Dada a paixão nacional pelo croquete, decidimos colocar a votação a eleição do melhor exemplar lisboeta. A decisão ficou a cargo dos leitores da NiT, numa eleição que foi encerrada esta terça-feira, 19 de março. O vencedor não deixou grande margem para dúvidas.
Numa das mais concorridas votações de sempre da NiT, com um total de 15634 avaliações, o vencedor recebeu mais de metade dos votos, numa maioria absoluta de 59,02 por cento. O croquete do Lume ficou assim no o primeiro lugar com 9227 votos. A prata ficou a cargo do Califa, com 27,75 por cento, seguido do salgadinho do Tico Tico, com 5,94 por cento dos votos.
O espaço vencedor foi fundado por Bruno Marques dos Santos e Fábio Fevereiro, ambos com 37 anos. Abriu a 28 de setembro na rua Guilhermina Suggia (Areeiro), numa tentativa de quebrar a monotonia dos franchises e das grandes marcas. “Passeamos por Lisboa e encontramos franchisings a torto e a direito. As famílias começam a ter dificuldade em descobrir um sítio com identidade, pratos típicos, uma cozinha que as remeta às suas raízes”, explicam à NiT.
“O Lume é um local despretensioso, embora cuidado. Fomos resgatar detalhes caídos em desuso, como pratos com riscas azuis e copos de vidro reminiscentes dos utilizados para os galões de tempos idos”, falam sobre a decoração que inclui muitas andorinhas, um cão de loiça e até o eterno Vasco Santana a falar com o candeeiro.
Sobre a preferência dos leitores da NiT, Fábio revelou que só a nomeação era um grande reconhecimento. “As pessoas e os clientes começaram logo a mandar-nos a votação. Para nós, ter o nosso nome junto de grandes restaurantes e casas que provavelmente são mais velhas que nós, já é um grande prazer.” Além da nomeação, ficaram também com o título de melhor croquete da cidade. “Dá-nos muita força saber que as pessoas abraçaram este projeto como nós e que gostaram do nosso conceito. É bom este alento, para nos fazer continuar.”
“Quanto à receita do croquete, costumamos dizer que é abençoada, isto porque surgiu na Jornada Mundial da Juventude. Nós fomos um dos parceiros que tinham foodtrucks para os peregrinos e a carne que servíamos era esta. Fez tanto sucesso que depois acabamos por torná-la neste salgado típico”, recorda.
Qual a melhor prova de que o petisco ia ter sucesso? O próprio fundador, que não era de todo fã de croquetes, mas que admitiu ceder assim que provou o seu exemplar. “Temos um menu de jantares de grupo em que os croquetes não estão incluídos e as pessoas pedem quase sempre para acrescentar. Não me admira, até eu gostei. É mais húmido, portanto não tem aquela parte seca que não me costuma agradar.”
Ora bem, é aqui que está o segredo da recita, revela Taras Popadynets, o responsável de cozinha do restaurante. “A carne é cozinhada entre cinco a seis horas, a lume brando. O tempo de cozedura é essencial para conseguirmos este efeito macio, que faz com que a carne não pareça triturada. Quando os clientes trincam o nosso croquete, parece que é composto por vários fios sedosos.”
“É muito importante tudo ser feito no tempo certo”, acrescenta. “Cada tempero vai sendo colocado gradualmente e é preciso paciência. Normalmente está uma pessoa da equipa só dedicada a isto porque é preciso um controlo constante. No total, todo o processo demora cerca de dois dias.”
“A massa é feita num tacho grande e depois de sair daí vai diretamente para o batedor ,uma máquina própria que evita a condensação e baixa a temperatura rapidamente. Quando a retiramos, passamos pela farinha, e depois volta ao batedor. Voltamos a retirar e passamos no ovo e no pão ralado. A seguir voltamos a colocá-la dentro da máquina e passamos novamente no ovo e no pão ralado — e voltamos a colocar lá dentro. No total os croquetes vão 4 vezes ao batedor”, desvenda.
Como não poderia deixar de ser, a qualidade da carne também é essencial. “Utilizamos carne de porco selecionada, sem nervos, gordura e mais suculenta, que compramos no Talho Barn. Também acrescentamos outros ingredientes, como enchidos fumados, alguns vegetais, cerveja, vinho branco e mais alguns que não podemos revelar.”
No final, a apresentação também é pensada ao pormenor. “Servimos o salgado coma mostarda da casa, que leva dois tipos de mostarda: a normal e a de grão. Tem ainda outro ponto que faz toda a diferença e lhe confere o sabor agridoce que combina na perfeição com o croquete. Se o quiserem acompanhar com algo, diria que esparregado, grelos ou arroz de tomate e feijão são as melhores opções.”
Cada unidade tem entre 52 e 55 gramas. Em cada vez são feitas cerca de 500, o que quer dizer que normalmente o processo é feito duas vezes por semana.
A carta do Lume foi idealizada pelo chef João Augusto. “O menu é muito inspirado pelo receituário tradicional português, aquela cozinha afetiva das mães, avós e tias com boa mão para a cozinha, de que sentimos alguma saudade. Não replicamos as receitas como as conhecemos, porque têm sempre um toque pessoal. Por isso, dizemos que somos um restaurante quase tradicional. Tenho as minhas memórias de infância muito associadas a pratos típicos portugueses, mas também tenho gosto, formação, experiências”, revela João Augusto.
No menu, além do melhor croquete de Lisboa (1,70€ a unidade) vai poder encontrar moelas (7€), pica-pau (10€), gambas ao alhinho (12€), bochechas de vitela estufadas (13,50€) ou cozido ao Lume (meia dose a 14€, dose a 26€). Este último prato está disponível ao domingo e com um detalhe que faz toda a diferença: “Só tem enchidos de pequenos produtores”. Durante a semana, “como qualquer bom restaurante de bairro”, há a sugestão do dia.
“Os restaurantes de bairro são uma espécie em vias de extinção e quisemos resgatar esse espírito. Queremos prestar um bom serviço, mas que, ao mesmo tempo, seja informal, de grande proximidade, ao ponto de podermos tratar as pessoas pelo nome.”
Carregue na galeria e veja os pratos que tão bem conhece — e esperam por si no Lume.