Entrar no Velho Eurico em 2023 é bem diferente do que era em 2019. Se, em tempos, a fama da tasca era dos segredos mais bem guardados da capital, hoje toda a gente a conhece. Há quem diga que a popularidade a estragou, outros juram a pés juntos que mantém o que sempre a caracterizou: “o ambiente incrível, boa pinga e comida deliciosa”.
Para Zé Paulo Rocha, de 25 anos, é óbvio que “o Eurico de hoje não é o Eurico de há três anos”. Inicialmente idealizado enquanto uma casa de petiscos, algo pequeno com um serviço descontraído, “continua a ser tudo isto, mas em esteróides”. “Acho que é a melhor definição para o que é o Velho Eurico, em 2023”, diz à NiT.
Imaginemos o cenário: um grupo de amigos da faculdade decide abrir um restaurante, dá um twist aos petiscos e sobremesas portuguesas, monta um tasco com ambiente descontraído e uma playlist que começa em MPB suave e termina em Variações. A casa de banho, essa, é transformada numa discoteca. No meio de tudo isto, criam a tradição de que quando se cruza os talheres é hora de meter o bagaço caseiro na mesa para fechar a refeição em pleno. É esta a onda do Eurico, e o lugar de eleição, para muitos, na capital.
Aqui o letreiro fala por si. Retângulo preto com letras garrafais brancas que anunciam tratar-se de um “restaurante típico”. Por cima da pequena entrada para o piso térreo de um prédio em tons de vermelho gasto, funciona mais como confirmação do que como pronuncio daquilo que nos espera.
Ao descer os poucos degraus, o cenário é tal e qual o que se espera de uma autêntica tasca portuguesa em plena Mouraria — sem luxos ou confortos. Nas mesmas mesas de madeira onde vão chegando, a bom ritmo, os pratos do dia, locais e turistas convivem e falam alegremente uns com os outros.
Nas paredes, o típico azulejo combina de forma perfeita com as loiças e bancos compridos. Quem o diz, contudo, não faz parte da casa. É que a ideia da família Eurico é outra. “A decoração é tosca, com imperfeições. Não esperem perfeição em nossa casa. Se nós não somos perfeitos, faz sentido que o envolvimento não o seja. Falo de perfeição ao olho do ser comum. Gostamos de louças lascadas, regateadas numa feira ali perto”.
O staff é jovem, assim como o chefe, e cada um conquista à sua maneira. Se uns dizem que a pinta e calmaria do Zé Paulo é a chave para o sucesso, o “despachado e best tattoos do João” torna o regresso ainda mais promissor. Já David é apontado pela boa disposição e à vontade. “São mais, e todos eles especiais”, garantem muitos dos clientes. Zé confirma o número: “neste momento, somos catorze taberneiros”.
Sem floreados, a ementa apresenta tudo o que é português. A lista foi mudando ao longo dos tempos, é verdade, e por vezes até se torna difícil acompanhar todas as novidades. Certo é que segue sempre a linha dos pratos tradicionais, simples, mas que são exatamente aquilo que queremos numa tasca —mesmo que nesta sua versão moderna. “Eu diria que é uma tasca atualizada. Não moderna nem gourmet. Nem sei se o termo ainda se usa”, corrige-nos.
Alguns clássicos vão-se aguentando, já outros, como o Arroz de Pato ou as Iscas de Cebolada, vão-se perdendo. E se ainda não passou pelo Velho Eurico este ano, temos notícias que podem ser pesarosas. O hiper popular Bacalhau à Brás, considerado por tantos um dos melhores de Lisboa — sim, aquele húmido, com bom equilíbrio entre o bacalhau, os ovos e a batata, aquele que é, no fundo, um bacalhau à brás à antiga, sem invenções, “justamente como se quer” — é uma das recentes perdas.
No início de fevereiro, Zé Paulo mudou totalmente o menu. “Demos uma volta de 180 graus à carta”, revela o responsável pelo projeto. Ainda assim, arrisca em admitir que o Bacalhau à Brás será mesmo o “eterno best seller”.
No final, seja qual for o prato, o veredicto costuma ser um: somos sempre surpreendidos por coisas novas e deliciosas. O sabor e a simplicidade tornam as propostas naquele tipo de pratos que agrada tanto aos clientes mais novos como aos mais fieis que têm acompanhado todo o percurso. Uma tasca popular na verdadeira aceção da palavras a servir há largos anos.
Era este um restaurante de bairro, com bastante história, frequentado pelos moradores mais antigos. Depois de 40 anos com os mesmos proprietários, ganhou uma nova vida a 28 de agosto de 2019. O Velho Eurico abriu há cerca de 4 anos, um bocado antes da pandemia, e lentamente foi-se tornando numa das novas tascas mais badaladas e frequentadas de Lisboa. Abriu no local onde antes havia um restaurante tradicional precisamente com o mesmo nome: Eurico.
Situado no Largo de São Cristóvão, fica a meio caminho da íngreme subida entre a Sé de Lisboa e o Castelo de São Jorge. O trespasse, porém, só foi concedido com a condição de que Zé Paulo teria de manter a sua denominação. Eurico ficou e só lhe acrescentaram a primeira parte (Velho).
Nascido e criado em Lisboa, o proprietário e chef d’O Velho Eurico, acostumou-se a viver o dia a dia entre tachos e panelas. “Comecei a trabalhar com os meus pais em restaurantes típicos diários”, revela. Antes de chegar àquela que é agora a sua casa, passou pelo L´And Vineyards, Bica do Sapato, Pestana Palace e Les Lavande, em Monieux, assim como, trabalhou no Restaurante Viva Lisboa e na Taberna Sal Grosso.
Já Fábio Algarvio, o seu sócio de 26 anos, trabalhou também no Restaurante Viva Lisboa e ainda passou pela cozinha do Hotel Zenith. Ainda assim, é o próprio Zé quem nos conta que quando chegaram ao espaço da baixa “eram ainda muito verdinhos”. Com a experiência que têm ganho na área de planeamento do negócio, têm vindo a repensar o espaço e não podiam estar mais orgulhosos, garantem-nos.
O tempo de espera para conseguir arranjar lugar à mesa é a prova disso. “Para jantar, anda à volta de dois meses. Para o almoço, a procura é menor e ronda um mês”, indica. Quando lhe perguntamos sobre o segredo para este sucesso a resposta é uma: “aqui pratica-se a arte do bem receber. É para isso que trabalhamos. A atmosfera, a hospitalidade e o que fazemos enquanto seguidores da nossa gastronomia tornam-nos únicos. Fazemos boa comida e trabalhamos para a evolução nessa vertente, mas gostamos de estar em casa, e gostamos que quem nos visita sinta o mesmo.”
Carregue na galeria para conhecer o Velho Eurico, a taberna de pesticos mais cool de Lisboa.