Em 2015, no 3A da Rua Damião de Góis, em Lisboa, Tomoaki Kanazawa inaugurou o restaurante japonês, ao qual emprestou o sobrenome, que rapidamente se tornaria numa das maiores referências asiáticas da capital.
O chef Tomo, como é mais conhecido, regressou ao Japão em 2017, mas não sem antes se certificar que o minúsculo espaço — só tem oito lugares — ficava em boas mãos. O sushiman Paulo Morais foi o escolhido para assumir a casa na qual a viagem pela cozinha japonesa é feita através de menus de degustação que podem chegar aos 150 euros por pessoa.
Cerca de cinco anos depois, é seguro dizer que Morais não desapontou. O reconhecimento chegou esta terça-feira, 22 de novembro, no decorrer da gala ibérica do Guia Michelin: o Kanazawa conquistou a sua primeira estrela. Em conversa com a NiT, o cozinheiro mostrou-se surpreendido com a condecoração.
“Não estava, de todo, à espera. Ao assumir o restaurante, achei que a distinção era um dos objetivos do Tomo. Depois, quando nada aconteceu, acabei por, de certa forma, esquecer o assunto, até porque não me pareceu que fosse algo que pudesse acontecer aqui”, começa por contar.
“Penso que todos os que aspiram à estrela fazem uma autoanálise. Na minha, conclui que o facto de sermos um espaço muito pequenino e que apenas serve oito pessoas de cada vez podia ser uma condicionante. Concentrei-me então em seguir o meu percurso, focado naquilo que gosto de fazer, que é cozinhar, servir bem e surpreender os clientes. Nem sempre é fácil, porque, felizmente, temos vários que aparecerem todos os meses em mais do que uma ocasião. A ementa muda mensalmente”, acrescenta o profissional de 51 anos.
“Este ano, quando aparecemos no guia online, não com uma estrela mas como uma sugestão, fiquei bastante surpreso. Ao receber o convite para a gala, o espanto aumentou. Ainda assim, fui sem qualquer expetativa de ganhar o que quer que fosse, já que nunca pedimos, sequer, à Michelin para nos visitar. Fui porque tinha curiosidade de ver como tudo acontece e porque tinha vontade de conviver com colegas de profissão”, acrescenta.
A experiência, claro está, não poderia ter sido melhor. “Foi incrível. Toledo é uma cidade muito bonita, fiquei feliz por ter ido. Viajei de carro, portanto, foram umas horinhas para lá e outras para cá. A viagem teria valido a pena sem a distinção, e com ela nem se fala.”
Assim como a dimensão do Kanazawa podia ter sido um impeditivo, o angolano, a viver em Portugal desde os dois anos, primeiro em Coimbra, depois em Trás-os-Montes e, desde os sete, em Lisboa, acredita que a “excelência” acabou por falar mais alto. “Pelo que li, a primeira estrela tem tudo a ver com a qualidade dos produtos, do serviço e da satisfação dos clientes. Ao conhecerem-nos, foi com estas características que os inspetores se depararam.”
O cozinheiro destacou, igualmente, a importância da equipa no alcançar de algo assim e a relevância de, pela primeira vez, ter sido atribuído um prémio ao serviço de sala. “Só mostra o quão interessados os responsáveis estão em melhorar as experiências gastronómicas das pessoas que vão comer aos restaurantes.”
No futuro, Morais espera que Portugal possa ganhar ainda mais visibilidade. “Em Espanha, o Guia Michelin já está muito enraizado. A grande maioria dos chefs que se estrearam, por exemplo, eram muito jovens. Desejo que o mesmo possa acontecer aqui. Para já, fiquei feliz pelos outros quatro portugueses que venceram pela primeira vez, e pelos restantes terem mantido as suas estrelas. Ainda assim, penso que podiam ter havido mais vencedores e que os já estrelados podiam ter subido de patamar. Aí ficamos um bocadinho a perder”, comentou.
O Conceito, em Bicesse, Cascais, restaurante conhecido pela criação de menus surpresa, é um dos que o chef gostava de ver entrar para a constelação Michelin, apesar de garantir que “há muitos outros que o merecem”. “Têm um trabalho bastante interessante, que desenvolvem com consistência há vários anos, sempre com grande respeito pelos produtos que utilizam. Nota-se que gostam do que fazem.”
Agora, “manter a distinção, mais do que engrandecê-la, é o principal objetivo”. Além disso, revela ter ficado “muito entusiasmado com a estrela verde, porque distingue a sustentabilidade, com qual temos que nos preocupar cada vez mais. Penso que seria interessante perceber como poderia ser o mais sustentável possível.”
Ao jantar, conte com uma cozinha kaiseki, uma espécie de fine dining japonês, e também com sushi omakase, que é como quem diz, à escolha do chef. Ao almoço, há propostas mais descontraídas. Seja qual for a refeição escolhida, o certo é que, quem reservar mesa no Kanazawa irá deparar-se com “autenticidade”, frisa. E acrescenta: “Por algum motivo, a Embaixada do Japão reconhece-nos como um restaurante que pratica boa cozinha japonesa”. No início do ano, Morais tornou-se também no primeiro português a ser nomeado Embaixador da Boa Vontade da Culinária Japonesa, título atribuído pelo governo nipónico.
Conheça a nova lista de restaurantes com estrela Michelin e leia sobre o significado da distinção atribuída ao Encanto para a cozinha de base vegetal, segundo José Avillez. O artigo acerca da “cozinha de produto português”, assim como a peça que se debruça sobre o convívio harmonioso da cultura japonesa e dos sabores do mediterrâneo, que valeram, respetivamente, o reconhecimento ao Euskalduna Studio e ao Kabuki, também lhe podem interessar.
Carregue na galeria para descobrir alguns dos pratos servidos no Kanazawa.