O que haverá para dizer do Dubai? Ora bem, é um Emirado situado no Golfo Pérsico que nos últimos 25 anos cresceu no meio deserto, como um hino à ostentação, que vive do turismo, do setor imobiliário, com construção a perder de vista (tanto para o lado como para o ar) e projetos dos mais famosos arquitetos e engenheiros do mundo. Além disso, é um setor de serviços financeiros centrado numa fiscalidade super atrativa para as empresas.
Outra forma de descrever o Dubai é a seguinte: uma Disney para os milionários árabes e russos, onde 75 por cento da sua população é composta por expatriados em busca de dinheiro e com pouca vontade para falar sobre impostos — só recentemente é que passou a ser obrigatório pagar 5 por cento de IVA naquele país. Nas ruas reina um regime de ditadura opressora cheio de incoerências, onde por um lado o Dubai se quer afirmar como um centro mundial de negócios, com uma imagem de progresso para fora, mas onde tudo o que é ilegal está à vista de todos e ao alcance das maiores bolsas. No outro prato da balança está uma parte gigantesca da população que vive na miséria e assiste diariamente à violação de direitos humanos dos trabalhadores da construção civil.
Entre os dois parágrafos anteriores, ficará esta simples ideia: o Dubai é um sítio que amamos ou odiamos. Por aqui não se sente qualquer alma, tudo é tão artificial quanto as ilhas ou os canais que rodeiam os arranha-céus. Mas é uma cidade que, de facto, oferece o melhor que o dinheiro pode comprar. O Hotel Mandarin Oriental Jumeira é um belo exemplo disso. E foi precisamente lá que o chef português José Avillez instalou o seu primeiro projeto internacional. Está no sexto piso do hotel mais rentável do mundo — onde os quartos de 20 mil euros estão lotados durante meses seguidos —, com uma vista panorâmica sobre as praias do Golfo e para o fabuloso skyline urbano no lado oposto.
A decoração contrasta com o nome. Neste exemplo impecável de design luxuoso, destaca-se uma cozinha aberta para que os clientes vejam ao vivo o azáfama dos cozinheiros. O menu, esse sim, faz-nos pensar numa tasca, com um conceito de partilha e com interpretações modernas de pratos tradicionais — como as amêijoas à Bulhão Pato, um polvo à lagareiro, migas, moelas, pastel de bacalhau e o meu favorito: um cone de tártaro de wagyu com trufas, mostarda e pickles (que custa 30€). Aliás, esta foi de longe a melhor iguaria que já provei num espaço de José Avillez. Além dos sabores e qualidade dos ingredientes, a técnica do chef atingiu o seu expoente máximo nesta receita. Sim, é melhor do que aquela famosa azeitona ao estilo Avillez.
Entre os pratos principais o destaque vai para o arroz de marisco. Segundo o fantástico staff do restaurante que presta um serviço de excelência — em grande parte português —, este é o melhor arroz de marisco do mundo. Com toda a honestidade, não consigo discordar desta afirmação. Só é pena o preço: 234€ para duas pessoas. Outros pratos famosos da carta são o bacalhau à Gomes de Sá, o bacalhau assado com crosta de milho, o pica pau de wagyu, e o frango piri piri.
Na sobremesa, além da pavlova cor-de-rosa da Tasca e do cone com três texturas de chocolate, brilha o pastel de nata, que tem uma história curiosa. Antes de Sérgio Machado assumir a gestão da Tasca, os pastéis de nata vinham congelados da Bélgica diretamente para ali. Agora, são feitos por um pasteleiro local que foi contratado especificamente para essa função.
A carta do vinho mantém a qualidade do espaço. É verdade que encontramos algumas referências portuguesas, mas a venda e consumo de álcool no Dubai são um exemplo do contra-senso do Emirado. Proibido por objeções religiosas a residentes muçulmanos, e até de difícil acesso a turistas estrangeiros, é um negócio bem lucrativo para a família Al Maktoum, que detém a transportadora, distribuidora e ainda cobra elevadas taxas sobre a compra e venda de álcool. Resultado? Uma garrafa de Mateus Rosé custa o equivalente a cerca de 60€. E os Emirados têm a taxa de consumo de álcool mais alta de região, onde os estados vizinhos proíbem o seu consumo.
No final, feitas as contas aos euros e a tudo o resto, só posso dar nota máxima ao espaço, serviço e à experiência magnífica de comer na Tasca de José Avillez. A cozinha portuguesa no Dubai não podia estar mais bem representada, sobretudo depois de ter sofrido a desilusão de conhecer ao vivo o nosso Pavilhão na Expo 2020. Mas essa é outra história.