A Pipa foi o lar de Saudade Campião e de Jorge Maldonado durante 26 anos. E durante esse tempo foi também casa de tantos outros que escolheram almoçar ou jantar os pratos feitos pela alentejana. Agora, o típico espaço alentejano fechou de vez as portas a 16 de dezembro — e esta é, segundo o casal, uma decisão sem retorno.
“Estava muito cansada. Esta decisão já estava tomada há muito tempo. Adorava o que fazia, mas ocupava-me muito tempo. Além de cozinhar, também geria as redes e ajudava o meu marido na gestão. Passava mais de 14 horas no restaurante e só estávamos os dois, porque é difícil arranjar gente para trabalhar nesta área. Sabíamos que este ia ser o desfecho, mas ainda acreditamos que alguém ia comprar o Pipa e dar-lhe uma nova vida”, conta a chef à NiT.
O casal colocou vários anúncios nas redes sociais e em imobiliárias, mas ninguém quis comprar o restaurante. Agora têm até ao final do ano para retirar todas as mobílias, guardar as lembranças e abandonar o espaço.
“Fomos aguentando mais alguns anos e fui tentando fazer um trabalho de dinamização do espaço para que conseguíssemos arranjar alguém que desse continuidade ao projeto. Mas chega a um momento que não dá mais. Pensei que esta dinamização trouxesse alguém interessado, mas é difícil. Não há pessoas para trabalhar nesta área.”
Saudade admite que têm sido dias tristes, passados a embalar tudo e a lembrar-se dos momentos marcantes vividos na casa. No entanto, não pretende deixar que as receitas que criou para o Pipa se percam e até já tem um plano delineado.
“Estamos a organizar tudo para desacelerar. Mas em breve quero voltar a continuar para outras pessoas. O objetivo é criar um projeto onde vou a casa das pessoas cozinhar as famosas migas do Pipa, ou então que venham a um espaço meu. O objetivo é que nada se perca”, revela.
A ideia não é propriamente uma novidade para quem conhece a chef. Saudade sempre organizou showcookings e workshops na taberna, para quem queria aprender a cozinhar os seus pratos. As suas famosas migas eram inevitáveis, desde as tradicionais às de tomate, espargos ou poejos. Na lista havia também sopa de cação, ensopado de borrego ou carne de alguidar — alguns pratos que também serviam na Pipa ao longo destes anos e que o casal não quer deixar de fazer.

“O meu objetivo é que continue a criar momento de confraternização que juntem a gastronomia ao cante alentejano, por exemplo. Era algo que fazíamos muito no nosso restaurante e que os clientes adoravam”, conta.
Este verão, quando já tinha decidido que ia parar chegou a colocar em prática este plano com uns amigos. “Uns clientes pediram-me para cozinhar e ensinar-lhes a fazer gaspacho. Depois jantámo-lo à luz do luar de agosto. É isso que quero fazer”, recorda.
Da rádio às cozinhas
A Taberna Pipa nasceu em março de 1998 no centro de histórico de Beja. Tratou-se da concretização do sonho de Jorge Maldonado, que queira deixar a carreira de mecânico para se dedicar à hotelaria, como os pais tinham feito toda a vida. Saudade Campião, que na altura era locutora da Rádio Vidigueira, largou os microfones para o ajudar na aventura.
Como nunca tinha cozinhado para ninguém além da família, percebeu que tinha se formar. Aproveitou uma parceria da Escola de Hotelaria de Lisboa com o Turismo do Alentejo para voltar a estudar e completou o curso. Depois disso nunca mais parou. Durante quase 27 anos liderou a cozinha da Taberna Pipa, de onde saíam os pratos típicos alentejanos com o “toque de Saudade”.
No entanto, a cozinha não “a preenchia”. Sempre com vontade de comunicar, começou a apostar nas redes sociais para dinamizar o espaço e ajudar a dar conhecer Beja. E resultou.
Vários artistas conhecidos dos portugueses passaram pelo espaço para jantar. O grupo DAMA, por exemplo, além de jantares na taberna, acabaram por decidir avançar com o tema “Casa” quando se reuniram com o Buba Espinho e os Bandidos do Cante no espaço. “No cenário dos últimos concertos nos Coliseus fizeram uma homenagem à Pipa e à chef Saudade. Foi muito bonito”, diz a cozinheira alentejana.
Da velha Pipa ficam agora os momentos e a saudade. “Não desistimos deste projeto. Mas é preciso fechar ciclos para que outros comecem.”