Restaurantes

André Cruz renovou a estrela do Feitoria com produtos da horta que tem no Pinhal Novo

Para o seu menu de degustação, que se rege pela sazonalidade, o chef aposta em ingredientes biológicos de pequenos produtores.
Tem 34 anos.

Em abril de 2022, João Rodrigues surpreendeu ao anunciar que, 13 anos depois — nove como chef principal —, ia deixar o Feitoria, restaurante no interior do Altis Belém Hotel & Spa, em Lisboa, que detém, desde 2011, uma estrela Michelin. No mês seguinte, o reputado espaço comunicava o sucessor.

André Cruz, subchef desde 2015, quando voltou a integrar a equipa na qual entrou, pela primeira vez, em 2009 — após passagens pelo antigo Vírgula, de Bertílio Gomes, e do Bica de Sapato —, foi o escolhido para ocupar o lugar de Rodrigues, que em 2024 vai abrir um conceito auto-suficiente que será “mais do que um restaurante”.

As expetativas eram muitas, mas o cozinheiro tem demonstrado estar à altura dos desafios. O primeiro, aconteceu logo em novembro, quando conseguiu manter o Feitoria no prestigiado Guia Michelin. O Semente, menu de degustação que criou de raiz e estreou ao assumir a nova função, fala por si. Em cada um dos oito momentos que o compõem, nota-se a paixão e respeito pela natureza do almadense, que adapta a proposta de acordo com a qualidade e sazonalidade dos produtos disponíveis. Alguns destes, chegam diretamente do Pinhal Novo, onde tem uma horta biológica e se dedica à criação de animais e à apicultura, ainda que seja altamente alérgico a abelhas.

“Quando assumimos uma coisa assim de repente, que foi o que aconteceu, a nossa imaginação acaba por vagar um bocadinho por todo o lado. Toda não, mas em parte sim, sobretudo por estarmos a falar de um restaurante que se consagrou nos últimos anos e tem um grande impacto nacional. São coisas que pesam sempre, mas procurei assumir e interpretar tudo com naturalidade, até porque é um trabalho de que gosto muito. Tive a sorte de arranjar uma equipa espetacular, que me ajuda bastante. E a coisa tem estado a correr bem”, começa por contar à NiT o profissional, à margem de um jantar de imprensa em que apresentou algumas das últimas novidades do seu Semente, que se destaca por conseguir harmonizar sabores e texturas contrastantes.

“No meu primeiro dia enquanto chef executivo de toda a operação do hotel, porque sou responsável pelo Feitoria, pela Cafetaria Mensagem e pelo 38° 41’ Gastrobar, introduzimos um menu integralmente novo. Mudamos tudo o que era do João e começamos a dar os primeiros passos noutra direção, sem pensar demasiado, e com todos os riscos que uma mudança tão radical acarreta. Desde então, temos feito alterações constantemente, sem nunca perder a essência, porque está dependente dos produtos disponíveis no dia”, acrescenta.

Do que nunca abdica, é da aposta em ingredientes biológicos certificados de pequenos produtores, que trabalha em torno do binómio terra e mar. “Inicialmente, esta dualidade não estava tão presente, mas tem sido cada vez mais aprofundada. Gosto muito de trabalhar com coisas da terra e do mar, pelo que decidi juntá-las em vários momentos. Somos um País pequenino, mas temos coisas fantásticas destes dois universos e esta é uma forma de brincar um bocadinho com isso”.

Um toque distinto, é dado pelo que chega da horta de André. “Acima de tudo, procuramos colaborar com produtores biológicos e biodinâmicos, porque é algo em que acredito e que me faz muito sentido. Depois, sempre que tenho algo especial e bom na propriedade familiar em Pinhal Novo, trago, para diferenciar ainda mais o menu e dar-lhe aquele conforto de casa, familiar. Os espargos selvagens de hoje, por exemplo, foram apanhados por mim esta manhã, o que permite um cunho mais pessoal, mas nem tudo é de lá.”

As idas à quinta são semanais, mas não diárias. Aumentam muito em função das alturas em que tem de mexer nas abelhas às quais, curiosamente, é alérgico. “Na primeira vez que mexi nas abelhas fui picado. O fato tinha um rasgo e acabou por acontecer. Fiquei num estado lastimável. Além de inchado, já não estava a ouvir e acabei um bocadinho apático. O meu sogro olhou para mim e perguntou-me logo se estava bem. Tivemos de ir a correr à farmácia, e precisei de tomar um anti-histamínico. Vim a perceber que tinha uma alergia às abelhas que exigia algum cuidado. Por isso, sempre que lá vou, levo anti-histamínicos, porque a situação não me impediu de querer continuar a explorar aquele mundo. Trata-se, realmente, de uma organização muito especial, e quanto mais conheço mais me interesso”, partilha divertido o chef de 34 anos que sempre esteve ligado à vida no campo.

Do menu apresentado aos jornalistas, André destaca o taco de choco com cebola avinagrada de Setúbal, uma das entradas. “Depois temos a beterraba e ouriço-do-mar, que tem tido um grande feedback por ser, efetivamente, muito diferente do habitual, pelo que permanece há algum tempo, apesar de algumas variações. O mesmo acontece com a proposta que alia halófitas, crustáceos e maracujá, que fomos mantendo por ter corrido muito bem”, explica.

“Totalmente novo são os tunídeos com lírio e barriga de atum, com um caldo de hibisco. Recebemos alguns hibiscos maravilhosos de um produtor com certificação biológica e biodinâmica, pelo que decidimos aproveitar. O louro trago muitas vezes do Pinhal Novo. É um desses pratos em que a ligação terra e mar está muito presente, assim como no momento ervilhas e lavagante do Atlântico, que também é uma novidade”.

Já o cozido do mar é o único prato do Semente presente desde o início. “Fomos desenvolvendo e alterando com o tempo, mas a ideia base é a mesma. Trocamos o molho por um caldo, por exemplo. Também olhamos para todo o prato e pensamos se aproveitávamos o peixe a 100 por cento, da cabeça às espinhas. Agora temos uma abordagem mais profunda”, comenta.

A sobremesa apresenta, igualmente, algumas mexidas. “Esta panna cotta é recente. O chocolate foi feito na sexta passada e a malagueta já tem três meses. Apareceu naturalmente. Tínhamos muitas malaguetas no armazém e decidimos utilizar aquilo, fizemos um gelado e ficou muito bem”.

Outro exemplo da influência da disponibilidade do produto na sugestão, relaciona-se com as ervilhas. “O nosso fornecedor informou-me que, ao apanharem as ervilhas, perceberam que as que iam ser apanhadas na próxima semana estão queimadas por este frio agressivo que se tem sentido. Por isso, quando a que temos acabar, vamos precisar de uma alternativa. O lavagante vai permanecer, mas o restante terá de ser adaptado. Já ando com a cabeça às voltas. Não sei se vou usar grão ou feijão, mas já estamos a analisar”, adianta André, cuja inspiração parte também das suas viagens.

“Há uns anos, antes de regressar ao Feitoria, em 2015, fiz uma viagem profunda pela América do Sul, com um grande amigo, o Ruben [Trindade Santos, chef do Casa do Gadanha, em Estremoz], que foi muito inspiradora e me abriu a cabeça. Mais recentemente, também estive uma semana no México, que foi bastante enriquecedora. À medida que crescemos, vamos absorvendo muito mais rápido o que nos interessa e cada vez que fazemos viagens, ainda que mais curtas, conseguimos captar muita coisa. No futuro, gostava de ir ao Japão.”

O profissional também não esconde a vontade de conquistar uma segunda estrela Michelin. “Quando não temos nenhuma, é normal querermos uma. Então, é natural que quando temos uma estrela, queiramos ganhar outra. Acho que é esse o truque para uma grande consistência e motivação. Se penso nisso todos os dias, não. Se quero tê-la, sim”, conclui.

Atualmente, o menu Semente está disponível em versões de oito e seis momentos, que custam, respetivamente, 180€ e 155€ por pessoa. Com pairing de bebidas, estes valores sobem para 275€ e 230€.

Carregue na galeria para espreitar o restaurante de Belém e o que pode experimentar por lá.

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FICHA TÉCNICA

  • MORADA
    Doca do Bom Sucesso.
    1400-038 Lisboa
  • HORÁRIO
  • Terça-feira a sábado das 19h00 às 22h30.
PREÇO MÉDIO
Mais de 50€
TIPO DE COMIDA
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