Restaurantes

André nasceu em Braga. Abriu um restaurante na China com “o melhor brunch de Xangai”

O Viva! serve chouriço assado e costeletinhas de porco ibérico ao estilo português — os chineses ficam doidos.
O empresário.

Amêijoas à Bulhão Pato, bacalhau à Brás, feijoada de polvo, arroz de pato. Ao ler estes pratos numa carta, dificilmente a consideraria extraordinária. Afinal, são pratos relativamente banais e fazem parte dos menus de centenas de restaurantes em Portugal. Raro é encontrar uma ementa com eles na China — mas existe. Aliás, foram as propostas tipicamente portuguesas que valeram um prémio a André Zhou.

“Ao verdadeiro estilo português, a proteína ocupa um espaço central nas refeições de fim de semana”, descreveu a revista That’s Shanghai. “Mas, além de partilhar a cozinha portuguesa com os clientes, [André] apresenta a cultura, o design, a história e os sabores — e, claro, a célebre hospitalidade — para trazer a verdadeira essência de Portugal para Xangai”, lê-se.

Este mês, a That’s Shanghai, publicação local em língua inglesa, popular entre a comunidade de expatriados, atribuiu ao restaurante de André o prémio de “melhor brunch”. A publicação destacou o menu de domingo, composto por frango piri-piri na grelha, costeletinhas de porco ibérico e chouriço assado.

André Zhou, de 36 anos, é filho de imigrantes chineses e nasceu em Portugal. Abriu o Viva! em Xangai e é um dos poucos restaurantes portugueses na cidade. “É um negócio que exige muita energia. Mas já me está no ADN”, começa por dizer à NiT.

Natural de Braga, André Zhou fala com sotaque do norte e torce pelo Futebol Clube do Porto, mas considera-se “filho de dois mundos diferentes”. Os pais fazem parte da primeira geração de imigrantes chineses em Portugal e de têm um negócio de importação/exportação entre os dois países.

“Esta distinção veio demonstrar que todo o esforço valeu a pena. Ver o sorriso na cara dos clientes assíduos, que continuam a confiar no meu trabalho, na difusão da cultura e gastronomia portuguesas — que não se resume ao Cristiano Ronaldo e ao Figo. Afinal, não são só os pastéis de nata que chegaram a Macau“, diz a rir-se. “Os portugueses sempre apoiaram o nosso espaço e marca. Mas é pena que agora sejamos muito poucos”, acrescenta.

Antes de se licenciar em Economia pela Universidade do Minho, em 2007, conta, fez Erasmus em Bolonha durante seis meses. Durante a estadia em Itália ganhou o “bichinho de viajar”. “Nesse ano, a minha mãe convenceu-me que seria bastante importante aprender a língua. Então, fui estudar chinês para a Fudan University (em Xangai) durante um ano”, acrescenta.

“Nihao” e “zaijian” — que é como quem diz: olá e adeus — eram as únicas coisas que André sabia dizer em mandarim. Não foram precisas mais palavras para que se apaixonasse pela cidade. “Aterrei e foi amor à primeira vista. É um mundo diferente. Xangai é uma cidade cosmopolita, de mente aberta e que aceita muito as coisas de fora. Já faz isso desde 1930, quando era chamada a Paris do Oriente. É por isso que aqui se encontram muitos conceitos novos, da moda à gastronomia.”

A viver em Xangai, e sem querer fazer parte do negócio import—export dos pais, começou a pensar no que poderia fazer a seguir. “Vi que não havia restaurantes portugueses e não entendia por quê. Os espaços espanhóis e italianos tinham tanto sucesso… Por que não fazer um português? Ainda por cima, os chineses, quando estão em Portugal, adoram a nossa comida”, conta André sobre o início do projeto.

Em dezembro de 2014 abriu o Viva!, com um amigo, também chinês e nascido em Portugal, como ele. Com 79 metros quadrados, a dez minutos do consulado português, começou por ser um espaço de petiscos.

“Com o passar dos meses percebi que a clientela queria diversidade e mais opções. Não é como em Portugal, onde os restaurantes se focam numa só coisa e passam a fazer só isso. Aqui, os clientes e amigos vinham para provar e pedir vários pratos.” Basta imaginar as mesas redondas que estamos habituados a ver nos restaurantes chineses por cá, ótimas para um conceito de partilha. Ali, era igual: raramente alguém pedia comida só para si.

O tempo foi passando, e André ajustou-se ao mercado. O menu começou a ter mais sugestões e aos petiscos juntaram-se propostas mais consistentes. O arroz de marisco, o frango assado e o bacalhau à lagareiro entraram na carta pouco depois. “Até fazíamos leitão inteiro”, diz a rir. Graças à proximidade, acabaram por se tornar numa espécie de cantina dos funcionários do consulado. Porém, com a chegada da Covid-19, tudo mudou.

Em 2021, tudo indicava que o negócio estava no auge. “Explodiu, no bom sentido, e foi aí que pensei em abrir um segundo restaurante, maior. Queria evoluir, tanto na qualidade da cozinha, como na estética. A comida portuguesa é ótima, mas muito caseira.” Com esse objetivo em mente, propôs, então uma parceria ao chef Paulo Quaresma. O consultor na área da restauração, radicado na China desde 2010, aceitou.

Em março de 2022, abriu o segundo Viva! no número 421 de Weihai Rd. Os painéis de cortiça e de azulejos cobrem o teto e as paredes do espaço e os pratos e os talheres são made in Portugal. “O paladar é importante, mas, no mundo de hoje, o aspeto visual é também muitíssimo importante”, afirma o empresário. “Em Xangai, o cliente, mais do que comer, quer ter uma boa experiência, e isso abrange a decoração e o conforto do espaço”, nota

Tudo foi criado com as redes sociais em mente. “Quis criar um cantinho de Portugal no novo restaurante. O teto, em azul, lembra o oceano Atlântico e o nosso céu intenso. O arquiteto português Filipe Bragança ajudou-nos a desenhar projeto.”

A estreia não chegou a ser aproveitada a fundo, devido à pandemia. “Todos sabemos o que se passou em abril e maio”, recorda. Ainda assim, não baixaram os braços e, continuaram a tentar desenvolver a marca, mesmo que só pudessem servir em take-away. Em julho, “depois de muitos altos e baixos”, puderam, finalmente, começar a servir “de forma mais normal — mesmo que com muitas restrições”.

O regresso à normalidade, porém, não foi suficiente para manter o negócio nos moldes em que estava. Em outubro, André teve de fazer uma escolha difícil. “Tinha de decidir onde colocar o meu esforço. Foi aí que, com muita pena minha, fechei o primeiro espaço.”

Totalmente dedicado ao segundo Viva!, que entanto se tornou “filho único”, desenhou uma carta com pratos com os quais os locais se identificariam melhor. “Molho de tomate, coentros, marisco, moelas. No fundo, optámos por utilizar ingredientes aos quais já estão habituados. Ali, a sapateira sai sempre bem, e a francesinha, servida com ovo e batata frita, é regada com molho especial, fiel à versão tripeira.

“Não vou escolher muitos pratos de bacalhau, porque é muito salgado — e sei que o cliente de Xangai não vai gostar”, explica. A lista de sobremesas inclui serradura, mousse de chocolate e de manga.

Sobre o percurso, André deixa a confissão: “Tem sido um caminho louco. Há dias em que penso: ‘porque é que continuo. fazer isto?`. Mas este foi o caminho que escolhi e vou continuar em frente. Não desisto facilmente. Isso vem também da cultura de Wenzhou (a região dos meus pais), que me habituou ao espírito de sacrifício.”

“Quero desenvolver a minha carreira e, talvez, também casar e ficar por cá”, revela. “Aqui, as coisas acontecem com muito mais rapidez”, conclui.

A seguir, carregue na galeria para ficar a conhecer melhor este restaurante português de Xangai.

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