A cozinha japonesa apareceu em Lisboa nos anos 1980, mas só vinte anos depois é que atingiu o seu boom, com a oferta de restaurantes a crescer por toda a cidade — muito por culpa dos buffets de sushi. Mas, como se sabe, nem tudo o que abriu tem a qualidade desejada ou mãos que saibam realmente fazer sushi.
Se hoje há centenas de restaurantes japoneses em Portugal, há 30 anos não era bem assim. O Bonsai era um dos poucos resistentes de um tempo em que o sushi era olhado com desconfiança e aversão. Por outras palavras, vem do tempo em que comer com pauzinhos era uma excentricidade — mas conseguiu posicionar-se entre bifes, bifanas e peixes grelhados. Pelo menos, foi assim até maio.
Ao fim de 37 a funcionar, o Bonsai fechou. “Tentámos agradar-vos com um serviço simpático, num espaço que julgamos acolhedor. Não obstante o profissionalismo dos nossos funcionários, não conseguimos garantir o serviço a que vos habituámos por falta de funcionários. Muito obrigada por nos terem visitado. Arigatou.”
Quem passa no início da Rua da Rosa, vindo do Príncipe Real, encontra duas folhas em A4 escritas à mão: uma em português e outra em inglês, mais pequena. As notícias não deixam espaço para dúvidas: o restaurante fechou “permanentemente”.
O Bonsai sobreviveu a quedas de clientes, mudanças de chef e até à pandemia. Mas parece que a morte do dono, a 15 de janeiro deste ano, ditou o fim de uma unidade icónica de Lisboa. Shintaro Yokochi morreu aos 87 anos. Antes dele, o Bonsai pertencera a Paulo Trancoso.
Numa época em que poucos portugueses já tinham comido peixe cru, o fundador da Costa do Castelo e produtor de cinema já estava familiarizado com as expressões sushi e sashimi. Afinal, a profissão obrigava-o a viajar muito e ele aproveitava para conhecer outras gastronomias — entre elas a japonesa.
Depois de ver um anúncio algo inusitado, teve, então, a ideia de trazer até Portugal um conceito de que tanto gostava. E não é que em Lisboa não existisse um restaurante japonês. Havia. O Kamikaze — O Vento de Deus abriu em 1985 na Rua Filipe Folque, perto de Picoas. Mas tinha um problema: não servia sushi. Paulo Trancoso reuniu as tropas suficientes para abrir o Bonsai.
E com tropas, revelou em tempos ao “Observador”, queria dizer responder à mensagem de um cozinheiro japonês que se oferecia para trabalhar em Lisboa. Masakazu Yamamoto, assim se chamava, queria vir para Portugal pela curiosidade. Por cá, ganhou uma nova alcunha: Yoshi.
A ideia de Paulo sempre foi simples: abrir um restaurante com elementos típicos, como o balcão, as salas privadas e uma porta de correr a imitar as casas japonesas. E não podia fazê-lo noutro local que não o Bairro Alto, que vibrava do pôr ao nascer do sol. Quando, às 18h30 de dia 21 de maio de 1987, abriu, não havia dúvidas: era uma casa japonesa, com certeza.
Lisboa nunca vira nada assim. No número 248 havia até uma parede em bruto, descascada, que levava alguns a duvidarem que as obras estivessem, de facto, acabadas. E as reações davam que falar. Afinal, muitos dos clientes portugueses experimentavam ali a cozinha japonesa pela primeira vez. No topo da Rua da Rosa comia-se sushi, sashimi, niguiri, mas não só. Aliás, até fechar, era mesmo necessário folhear uma ou duas páginas para chegar às afamadas peças de peixe cru. Antes era preciso passar pelas saladas, tempuras e, claro, pelos pratos de arroz e de massa.
No final dos anos 80, porém, Yamamoto quis regressar ao Japão. Nessa altura, o Bonsai ressentiu-se e Paulo até pensou em trespassar o negócio — naquela altura seria mais fácil fazê-lo do que encontrar um novo especialista na matéria. Mas, para alegria de muitos clientes, não foi esse o final da história do Bonsai. Shintaro Yokochi e a mulher Irma não o iriam permitir.
Shintaro veio para Lisboa, na década de 50, para treinar a equipa do Sport Algés e Dafundo. Mais tarde, orientou também o Sport Lisboa e Benfica e a Seleção Nacional em vários Jogos Olímpicos, um deles em Los Angeles, em 1984. Foi nessa competição que o filho Alexandre conseguiu o melhor resultado de sempre da natação portuguesa em Olimpíadas: um sétimo lugar na final dos 200 metros bruços.
Desafiado por um amigo, o empreendedor decidiu dar a conhecer a gastronomia japonesa a Portugal. Para isso, assumiu como seu o restaurante para o qual já trabalhava como fornecedor de produtos japoneses, que importava do Oriente. Os primeiros tempos no Bonsai, contudo, não foram fáceis. Até porque a clientela teimava em não aparecer.
Irma juntou-se, depois, ao fogão e Shintaro dedicou-se às relações públicas. Era, agora, a filha dos dois (Luísa Yokochi) a responsável pelo negócio. Por eles, foram passando vários cozinheiros ao longo dos anos — alguns deles japoneses. Mas parece ter sido um português a salvar a casa.
“Quando ali cheguei, o negócio estava muito mole. Não tinha faturação suficiente. Mas nós conseguimos transformá-lo. Sempre sem mexer no tipo de cozinha. O Bonsai não era um restaurante onde pudéssemos impor o nosso toque. Ali fazíamos os clássicos japoneses.” Ricardo Komori, hoje com 42 anos, fala com a NiT noutro fuso horário. Depois de atender com um “boa noite”, quando por cá são 15h30, explica-nos, sem surpresa, que já sabia das notícias: o Bonsai estava encerrado.
“Tem sempre a ver com as pessoas que estão à frente do restaurante, com quem está responsável pelo trabalho. Cada um sabe como gere as coisas. Isso é sempre culpa da gerência”.
Ricardo chegou ao espaço em 2011 e por ali ficou até 2015. “A minha mulher já trabalhava lá e sabia que eles estavam a precisar de uma pessoa para tomar conta. O Yokochi falou connosco, como casal, para ficarmos à frente do negócio.” Depois de remodelá-lo e de serem feitas obras, o Bonsai parecia outro. “Estava assim meio envelhecido, mas conseguimos lavar-lhe a cara. Sem retirar, claro, a autenticidade do restaurante.”
E acrescenta: “As coisas acabaram por acontecer. Mesmo aqueles que não o conheciam, sim, porque havia até moradores daquela rua que desconheciam a existência do Bonsai, passaram a frequentá-lo. Conseguimos fazer com que se tornasse conhecido e que entrasse no leque de melhores restaurantes de Lisboa”.
Com o tempo, o Bonsai foi conquistando clientes e tornou-se uma referência gastronómica na cidade. As mensagens deixadas nas redes sociais após o anúncio de encerramento confirmam-no. “Bonsai foi um lugar importante para nós”, escreveu um utilizador. “Fui apenas uma vez e fiquei apaixona. Uma grande perda para a cidade”, disse outro.
A seguir, carregue na galeria para conhecer melhor o Bonsai — um dos primeiros restaurantes japoneses em Portugal — e algumas das propostas que servia.