Muitos conhecem-no pela passagem pelo Bonsai, o restaurante de sushi mais antigo de Lisboa que fechou há poucas semanas. Poucos sabem, porém, que tem passado os últimos anos no Japão, a aperfeiçoar os conhecimentos na cozinha kaiseki. A 10 mil quilómetros de distância, e com oito horas de avanço, Ricardo Komori contou à NiT o que tem feito por lá.
O chef, que nasceu em Lisboa, estudou na escola de artes António Arroio “até a geometria se meter no caminho”, diz a sorrir. Por essa altura, descobriu a paixão pela cozinha, que era, até então, um mero hobby. A ela juntou-se um fascínio pela cultura japonesa.
A saída do Bonsai, com a mulher Mio, causou, em 2015, alguma surpresa. Afinal, como o próprio conta, “foi um português” a salvar o então icónico restaurante lisboeta. “Quando ali cheguei, o negócio estava muito mole. Não tinha faturação suficiente, mas nós conseguimos transformá-lo. Sempre sem mexer no tipo de cozinha.”
Sim, porque o Bonsai não era um restaurante onde se pudesse impor um toque pessoal. “Ali fazíamos os clássicos japoneses. E aprendi bastante à conta disso. Permitiu-me aprofundar o conhecimento que tinha da cozinha kaiseki, sobretudo sobre o lado mais autêntico. Pude praticar algo que não tinha conseguido fazer noutros sítios. Era dos poucos espaços em Portugal que o permitia.” Contudo, Ricardo queria mais, muito mais. Talvez, por isso, de lá — e da Bica do Sapato, Midori, Rock n’ Sushitenha, projetos por onde passara antes — tenha viajado até outro continente.
A vontade de continuar a descobrir mais sobre a cozinha kaiseki, bem como questões familiares levaram-no a embarcar numa aventura de um ano. Já passaram oito e Ricardo não planeia terminá-la em breve.
“Tinha de fazer mais estágios, de aprender a cozinha japonesa a sério.” E não havia melhor local para isso do que o próprio Japão, onde tudo lhe correu de feição. “Muito trabalho, bastante esforço, passei por vários sítios, mas foi incrível.”
No primeiro estágio, no Kozantei Ubuka Ryokan, levantava-se todos os dias às cinco da manhã para começar a preparar os pequenos-almoços do hotel uma hora depois. Terminada essa tarefa, começava a mise en place para os jantares que seriam servidos mais tarde. De madrugada, ao chegar a casa, deixava o seu corpo cair na cama. No dia seguinte, repetia tudo outra vez. Esta rotina fê-lo deixar velhos hábitos. “Perdi 20 quilos. Nunca parava, fosse dentro ou fora da cozinha. E andava todos os dias de bicicleta.“
O problema surgiu quando chegou o período de teste chegou ao fim. “Não sabia se os portugueses iam entender aquela cozinha. E não estava para modificá-la. Afinal já a tinha aprendido daquela forma. Decidi ficar”, continua.
Ricardo partira para o Japão para aprender mais sobre a cozinha tradicional Kaiseki, que surgiu no século XIX. Varia consoante as estações e é composta por um menu com vários elementos e pratos, que exigem uma preparação meticulosa e cuidada. “No Japão, toda a estética dos pratos está ligada à natureza”. O outono foi a estação que confessa mais ter gostado de trabalhar. Nessa altura do ano, recorda, faz-se a apanha do arroz e sente-se nas ruas o cheiro a madeira queimada. Sensações que são transportadas para as criações da cozinha. “As folhas que usávamos tinham de estar viradas para baixo no prato, como forma de simbolizar a estação”. Como fonte de inspiração, Ricardo tinha a vista do seu apartamento para o “deslumbrante monte Fuji”.
A integração nas equipas dos restaurantes por onde passou foi rápida. O idioma, esse, aprendeu-o aos poucos. Nos tempos livres, dedicava-se a explorar as cozinhas da região onde trabalhava e também a pescar nos mais profundos lagos japoneses. O difícil foi mesmo ser considerado ‘gaijin’, a palavra em japonês usada para estrangeiro.
“Não confiam em gente de fora para fazer o trabalho.” A luta era diária, nem a comida do pessoal estava autorizado a confecionar. “Tem a ver com a mentalidade dos chefes mais velhos.” No segundo e terceiro estágio, nos restaurantes Seizan Yamato e Kane Midori, a liberdade já era maior. A faixa etária dos responsáveis de cozinha já era a mesma de Ricardo, o que representou uma progressão para o português.
A um projeto seguiu-se outro, até que surgiu uma oportunidade decisiva. “Se calhar, se não tivesse aparecido, teria voltado a Portugal. Não sei”, diz. Quando decidiu, então, aventurar-se e abrir um espaço próprio — sem ter ninguém para lhe chatear a cabeça, como nos conta —, Ricardo já se sentia mais à vontade para mostrar o seu valor.
Hoje, diz, já não sente aquela relutância por ser “um estrangeiro”. “Nada disso. Diria até que tenho tido mais clientes. Acham o meu percurso interessante, querem ouvir a minha história e provar os meus pratos”, confessa.
O Nishi Iru abriu a 16 de junho de 2022, em Miyazu, na província de Quioto — “uma zona brutal, fora da confusão”, e ali, não há clientes. “Dizemos que são convidados.” Todas as noites (exceto às quartas e quintas-feiras), a partir das 18 horas, Ricardo e a mulher, Miho, colocam mãos à obra para servir os seis visitantes da sala. Para se sentarem ao balcão, mesmo em frente aos chefs, é necessária uma reserva até dois dias antes da data pretendida. Ali, Ricardo confessa que gosta de “confecionar os clássicos”. “Torna tudo ainda mais interessante. Um estrangeiro a fazê-los da melhor forma.”
“O nome do restaurante, Nishi Iru, expressa a vontade de haver um diálogo através da comida e dos curiosos que chegam para conhecer o dono português. De Lisboa a Tóquio, depois Kawaguchiko, Ito, Kusatsu Onsen até Quioto. A busca insaciável de Ricardo em aprofundar o seu conhecimento da cozinha japonesa e as muitas pessoas que o apoiaram, tecem as conexões”, afirma agora Miho Komori.
Quem entra no Nishi Iru encontra uma pequena loja de dois andares. Lá dentro, há apenas um balcão, de onde pode ver todos os detalhes da preparação da comida. “Está a correr muito bem. Estamos sempre cheios.” O casal são os únicos funcionários que irá ver.
A refeição custa cerca de 100€ e inclui entrada, legumes, sopa, sashimi, um prato frito ou cozido, um grelhado, sete peças de sushi e duas sobremesas. Para a preparação de alguns deles, é utilizado um vinagre Fuji feito nas instalações. “Em Nishi Iru, usamos uma mistura de três tipos de vinagre — Jyunmai Fujisu, Premium Fujisu, Premium Akasu — feito por Iio Jozo. O mesmo também produz o seu próprio saquê. Temos muita sorte em tê-lo como fornecedor de vinagre e de arroz, feitos com tanto cuidado.”
O melhor é que não faltam bebidas para acompanhar. “Temos uma grande variedade de saquês, desde as padrão, às sazonais e também edições limitadas.” E claro que o vinho português não poderia faltar.
Relativamente ao futuro, Ricardo não esconde que continuará pelo Japão. “Estou cá há oito anos e passei por muito para chegar onde estou agora. Não que tenha chegado a algum lugar, mas, onde quer que esteja, para aqui chegar, tive de sofrer muito. E posso dizer que as coisas acabaram por acontecer. Hoje, já temos reservas para novembro. Está a ser muito desgastante, mas, acima de tudo, positivo”, garante.
A seguir, carregue na galeria para conhecer melhor o chef português que está a fazer sucesso no Japão e o seu restaurante.