A 3 de fevereiro de 1993, isto é, há precisamente 30 anos, era inaugurado em Alcochete um restaurante que colocava a Margem Sul do Tejo na rota da boa cozinha. Falamos do Alfoz, um projeto idealizado por Fernando Pessoa, que, sem ser poeta, também acreditou na possibilidade de fazer nascer a obra a partir do sonho.
“Tinha uma tasquinha no centro da vila que era muito frequentada pelo tecido empresarial local, composto, essencialmente, por funcionários da Firestone portuguesa, da Alumínios de Angola e das três grandes secas de bacalhau que existiam na altura. Foram essas pessoas que me impulsionaram a abrir um restaurante que servisse de cartão de visita a Alcochete e tivesse condições para realizar reuniões e almoços de negócios”, começa por contar, à NiT, o empresário de 58 anos.
“No entanto, entre a ideia, a aprovação e a conclusão do espaço passaram seis anos e, quando abriu, todas estas indústrias tinham encerrado. Isso fez com que, até à finalização da ponte Vasco da Gama [inaugurada a 29 de março de 1998], tenhamos passado por dificuldades extremas”, acrescenta.
Ainda assim, o Alfoz não podia ter arrancado da melhor forma. “Fizemos o possível para receber Mário Soares nas suas primeiras presidenciais abertas, inclusive atrasar a abertura uma semana. Estavam previstas cerca de 200 pessoas mas, no dia, apareceram umas 400. O bacalhau, que era o prato principal, foi rendendo até às 300, altura em que disse à minha mãe [a cozinheira] para improvisar. Por sorte, havia muito deste peixe e acabámos a servi-lo frito com batatas fritas. Ninguém passou fome”, recorda o responsável.
Para Mário Soares, que morreu em 2017, um dos clientes mais ilustres e assíduos da casa, que “ia sempre comer enguias fritas (20€)”, foi até criado um prato especial: o bacalhau à presidente (20€). “Este prato é confecionado numa tomatada intensa, cozinhando o bacalhau em baixa temperatura, coberto com puré de batata, pão ralado e gema de ovo, sendo acabado no forno. Na atualidade, damos primazia ao prato da caldeirada de línguas de bacalhau com ovo escalfado (24,2€), uma homenagem às antigas secas de bacalhau, que se afirma como o ex-líbris da casa. O outro, só fazemos para grupos, caso peçam, pois é muito trabalhoso. Demora uma manhã inteira a ser confecionado”, explica Fernando Pessoa.
Com as indústrias encerradas, contudo, começaram a chegar clientes de outras paragens, do Montijo à Moita, passando por Lisboa, Barreiro e Setúbal. Vinham atraídos, sobretudo, por uma proposta assente nas tradições gastronómicas do rio logo à porta, e na confeção do que melhor este tem a oferecer. A localização também conta muito. “Estamos por cima do areal junto ao Tejo. A sensação, principalmente para quem está na esplanada, é a de estar num barco atracado. Temos o melhor pôr do sol do mundo.”
30 anos depois, a caldeirada e o bife do lombo à portuguesa, com batatas às rodelas e presunto (23,1€), continuam entre as grandes especialidades do restaurante, que procura ser um embaixador dos produtos locais, como a flor de sal e a salicórnia, das salinas de Alcochete.
Tudo isto ajuda a justificar as grandes figuras, nacionais e internacionais, que o Alfoz continua a atrair, algumas delas bastante inesperadas. “Uma vez apareceu aqui o Slobodan Milošević, um antigo ditador sérvio. Chegou ao meio-dia, com um grande número de seguranças que vinham carregados de G3 e encheram o espaço. Até pensámos que podia ser um assalto. Depois, lá surge um diplomata português a dizer quem era e que tinha vindo fazer uma visita a Portugal, supostamente discreta. Foi um cenário que nunca imaginei”, partilha.
Mas contam-se visitas de personalidades mais populares, como Cristiano Ronaldo, nesta larga história. “Com a vinda da Academia do Sporting para Alcochete, em 2002, o Alfoz ficou encarregue da parte de hotelaria e restauração da mesma, até 2013. Durante esse período tínhamos uma grande ligação com todo o staff e equipa, daí muitos dos jogadores da altura frequentarem a nossa casa, o que se mantém até hoje.”
A casa, com mais de 400 metros quadrados, que se dividem entre sala principal, espaço privado, bar e esplanada, também recebeu José Wilker, reconhecido ator brasileiro. “Na altura do ‘Roque Santeiro’, foi a loucura em Portugal. Quando estava cá, havia fãs por todo o lado”, relembra.
A atriz francesa Catherine Deneuve; Xanana Gusmão, primeiro presidente eleito de Timor-Leste; a cantora Carolina Deslandes; e Kasha, dos D.A.M.A, são outras visitas habituais. Este último vem desde a infância. “Vinha com o pai e agora chega com o grupo todo e diz que é o seu restaurante de sempre. Não é o único. Há muitas pessoas que vieram pela primeira vez na barriga das mães e hoje já trazem os próprios filhos. Quem conhece, quer voltar”, garante.
Muitos procuram também o marisco, que “vem do Sado, especialmente as santolas, que têm um sabor muito característico”. “As pessoas gostam muito e são raras as que vêm e não comem santola como entrada.” Para beber, há vinhos de todo o País, com a garrafa a variar entre os 17€ e os 750€.
Tudo para ser apreciado numa casa que recebeu eventos como a assinatura do protocolo da ponte Vasco da Gama. “Foi feito aqui o respetivo jantar, para 500 pessoas, com uma tenda extra montada à volta do restaurante para dar apoio. Vieram todas as figuras políticas da época”, recorda o proprietário.
Carregue na galeria para espreitar o Alfoz e os pratos que lá servem.