Uma carbonara e uma garrafa de água. Era quase sempre este o pedido feito pelo então cardeal Jorge Bergoglio, hoje Papa Francisco, à mesa do Tre Pupazzi, a poucos metros da Praça de S. Pedro, no Vaticano. Atrás do balcão e a atender os pedidos do futuro líder da Igreja Católica estava nada mais nem menos do que Fátima Afonso, minhota que ali fez nascer o seu negócio, hoje um restaurante que combina os sabores italianos e portugueses. Quando as visitas se tornavam mais recorrentes, Francisco variava e pedia uma all’matriciana, bem guarnecida com guanciale e queijo pecorino.
“Desde que se tornou papa nunca mais cá voltou, mas sabemos que vontade não lhe faltava. Há uns meses passou cá um padre e ficou especado na porta. Perguntei-lhe se precisava de ajuda e se queria almoçar e ele apenas me disse que tinha tido uma reunião com o santo padre e que ele lhe confidenciou que tinha muitas saudades de vir cá comer uma carbonara”, conta a cozinheira de 51 anos à NiT.
A portuguesa, natural do Gerês, sabe que o papa saía muitas vezes de forma incógnita para fazer visitas a alguns espaços e tratar de alguns assuntos, no entanto, nunca mais voltou ao Tre Pupazzi — talvez pela proximidade do restaurante às portas do Vaticano. O espaço que está nas mãos da família desde 1986, começou por ser, no início do século XX, uma pequena tasca onde apenas se servia vinho — e os clientes levavam a própria comida para acompanhar.
Mais tarde transformou-se num restaurante de cozinha italiana e ficou na família até então. Em 2002, Fátima e o marido, que sempre trabalharam no espaço, assumiram a gerência, mas só em 2010 é que decidiram alterar o conceito e fazer uma cozinha partilhada onde hoje se serve bacalhau de 14 formas diferentes.

A proximidade à cidade do Vaticano fez com que se tornasse num dos locais favoritos da Cúria. “Sempre que há reuniões em Roma com cardeais de outros países é que aqui se juntam. Já tive até um cardeal que me nomeou como a chef da Cúria”, brinca a portuguesa que continua a ser o clero. E foi assim que o cardeal Bergoglio os conheceu, há mais de 20 anos.
“Antes de Francisco, já servimos outros papas. Era o caso do cardeal Ratzinger, que depois se tornou Papa Bento XVI e que gostava de cá vir beber uma Fanta e comer uma all’amatriciana”, conta. “Outro cliente habitual é o D. Tolentino de Mendonça que quando não vem cá comer bacalhau com natas ou pastéis de bacalhau, pede para lhe levarmos caldo verde e outros pratos ao domicílio.”
O amor, a comida e medicina
Fátima Afonso é quem prepara tudo o que sai da cozinha, seja português ou italiano. Aprendeu a recriar os clássicos da cozinha romana com a sogra, quando se mudou para a cidade. “Tinha apenas 17 anos quando vim visitar a minha irmã que trabalhava como representante da Mercedes em Roma. Na altura tinha começado a estudar Medicina, em Lisboa e vim apenas para conhecer”, diz.
O que a jovem minhota não contava é que fosse jantar ao Tre Pupazzi e encontrasse o atual marido, que lá trabalhava com os pais. “Apaixonei-me irremediavelmente e decidi deixar Portugal para vir para cá viver com ele. Com 20 casamos e aos 23 tivemos a nossa primeira filha”, recorda.
Fátima começou a trabalhar no restaurante com os sogros e nunca mais pensou em medicina. “Sempre gostei de estar na cozinha. Venho de uma família numerosa, com oito irmãos e todos aprendemos a cozinhar cedo. Lembro-me de ver a minha avó a fazer pão e de ajudar. Sempre foi uma paixão”, admite.
Seis meses depois de tomar a decisão de ficar em Roma sozinha — a irmã tinha sido transferida para a Suíça —, levou o marido a Portugal. “Ele aprendeu a língua logo quando começamos a namorar, então fez boa figura em frente aos meus pais. E acabou por ficar surpreendido com a cozinha portuguesa e agora adora bacalhau e batatas cozidas.”
O peixe é, sem dúvida, a estrela do menu nacional do restaurante. “Em 2010 senti que a nossa cozinha era pouco valorizada e eu tinha saudades de poder jantar fora e comer um Bacalhau à Braga ou uma cabidela. Em Roma não havia nada português. Então, em conjunto com o meu marido, decidimos que iríamos transformar o conceito do Tre Pupazzi e trazer os clássicos do meu País.”
Contactaram vários fornecedores para garantir que conseguiam encher a despensa de azeite, enchidos e outros ingredientes nacionais e depois foi começar a cozinhar. “Foi logo um sucesso. A cúria começou logo a visitar-nos, assim como os embaixadores e funcionários das Embaixadas do Brasil, Angola e Cabo-Verde”, diz Fátima.
Instalado num edifício vinculado pela Belas Artes e datado de 1600, há pouca coisa que mudou ao longo dos anos. “Temos os muros antigos, relíquias e colunas muito antigas. Nisso não podemos mexer. É património. O nosso trabalho é preservar.” No entanto, isso não impediu que fossem pintadas algumas caravelas portuguesas em azulejos nacionais, hoje à vista de todos.
No menu há 14 pratos de bacalhau, arroz de marisco (22€), bitoque (24€) ou polvo à Lagareiro (23€). Para sobremesas não faltam pastéis de nata (4€), que a cozinheira aprendeu com um chef português. “Não tenho medo de falar com os profissionais e pedir ajuda. Para os pastéis fui a Portugal ter formação e garantir que estava a servir em Roma os melhores”, refere.

Verdadeiros embaixadores de Portugal em Itália, a carta de vinhos ocupa todas as região, de norte a sul do País. Mas quem preferi, pode ficar-se pela imperial ou pelos licores, que o casal oferece aos clientes no final da refeição.
Nem só a Cúria visita o restaurante italiano. Fátima Afonso lembra, com orgulho, a visita da jornalista Fátima Campos Ferreira, de José Mourinho, enquanto treinador do Roma, Paulo Fonseca no mesmo papel, Cláudia Vieira ou mesmo o cantor Toy. “Os jogadores portugueses, quando estão ao serviço do Roma também gostam de cá vir para matar saudades de casa”, diz.
Para continuar a cativar os portugueses que vivem ou passam pela cidade italiana, gosta de organizar noites temáticas. As últimas foram dedicadas à francesinha. “É sempre uma loucura”, admite.