Vencer o “Hell’s Kitchen” abriu a Francisca Dias as portas que sempre quis ver abertas: a de alguns dos mais famosos restaurantes da capital. Depois do programa de 2021, passou pelo 100 Maneiras do anfitrião do programa, Ljubomir Stanisic, onde deu início à segunda experiência num restaurante com estrela Michelin — antes tinha passado pelo Feitoria, em Belém.
Ao fim de pouco tempo, o ritmo frenético apresentou a conta e Francisca decidiu mudar. Com a mulher, Tânia Semedo, pegou nas malas e refugiou-se no interior alentejano. Natural de Mação, na Beira Baixa, sentiu que devia voltar a um ambiente que lhe era familiar, menos urbano e mais calmo. E agora, é por ali que quer continuar a fazer a carreira de cozinheira, no seu primeiro projeto a solo, o Esteva, a funcionar desde 23 de outubro em Borba.
A decisão de se mudar para o Alentejo foi tomada em família e sobretudo porque a chef recebeu uma proposta para liderar o restaurante da Casa da Gadanha. O plano, contudo, sempre foi só um: abrir negócio próprio, embora o projetasse como “algo mais para o futuro”. Afinal, bastaram dois anos e uma decisão repentina de se “atirarem de cabeça”.
“Eu estava na Casa da Gadanha e tínhamos também um projeto de jantares temáticos, que dávamos cá em casa. A dada altura percebemos que estava na altura de fazermos algo por nós e lançámo-nos na procura por um espaço”, conta a chef à NiT.
Encontraram um restaurante com capacidade para 30 lugares, que tinha sido criado em 2021, no meio de um monte, rodeado de oliveiras e com um ambiente tipicamente alentejano. O espaço estava para alugar e o casal não hesitou. “Era tudo o que queríamos: um sítio com muita paz, acolhedor, onde à noite se consegue ver o céu estrelado e com condições de trabalho.”
O restaurante em Borba é apenas um dos motivos pelos quais se quiseram fixar no Alentejo. “A vida aqui é muito diferente. Numa hora conseguimos fazer muita coisa, não temos que pensar no trânsito, no estacionamento. É tudo útil. Por isso, quando pensámos num negócio próprio tinha de ser aqui.”
Após fechar o contrato, Francisca entrou em ação para fazer o que mais adora: desenhar cartas, criar e cozinhar. Enfiou-se na cozinha e preparou um menu gigante, que depois levou mais tempo “para cortar e escolher o que efetivamente ficava”. “Queria uma cozinha tradicional, com foco no Alentejo, mas com um toque meu, sobretudo na apresentação”, revela.
A vontade nota-se, por exemplo, no ensopado de borrego que foi adaptado a uma tarte (12€), ou na Sopa da Panela (8€), uma tradição das famílias alentejanas que a chef percebeu “que não existia nos restaurantes”. “É engraçado porque são os pratos que os clientes têm adorado e associado à comida das avós e de conforto. Era precisamente isso que queria”, conta.
Os pratos de coelho no forno são um clássico na região. Francisca decidiu, mais uma vez, reinventar o prato, pegou no sabor do petisco e criou um croquete de coelho com maionese de escabeche (2€). Os fãs de bacalhau podem sempre pedir uns ovos rotos feitos com o peixe (13€) e os vegetarianos uns tortulhos assados (6€), um prato de cogumelos com alho e coentros, ou um pastelão de beringela (6€), uma espécie de tortilha com legumes, salsa e cebola.
Para a sobremesa, manteve-se a par dos receituários clássicos e apostou numa mousse de chocolate com avelã (5€), “que não falha”; num leite-creme de esteva (4,50€), onde a flor que deu nome ao espaço está presente e num molotof com caramelo (3,50€). “De vez em quando vou criando outras, com frutos da época. Na semana passada tive marmelos assados com laranja e maçã assada com hortelã, por exemplo”, diz. Esta é uma forma de Francisca ir variando a carta, que não é extensa, e brincar na cozinha. “Gosto de cozinhar como se estivesse a fazê-lo em casa, para mim e para a minha família. Para a semana terei uma torta de laranja, feita com uma receita da minha mãe.”
E para acompanhar os ensopados e as sopas apostou nos vinhos da região, com foco em Borba e Estremoz. “Queria que os locais se identificassem ao ver que temos vinhos alentejanos. E decidi ter preços para todos.” Os valores começam nos 7€ para o jarro de vinho da casa e podem ir até aos 70€.
Nas tradições populares, a esteva é muitas vezes associada a simbolismos místicos e protetores, acreditando-se que ela possui o poder de afastar o mau-olhado. Francisca Dias e Tânia Semedo escolheram-na para nomear o primeiro projeto a solo por ser uma das flores presentes na serra que rodeia Mação, a terra natal da cozinheira.