Fábio Gomes tornou-se conhecido pelos portugueses quando participou na edição de 2019 do “MasterChef Portugal”. A sua ligação à cozinha, contudo, é muito anterior ao programa transmitido pela RTP. Fábio é filho e neto de cozinheiras exímias, com as quais deu os primeiros passos entre tachos e panelas.
“As primeiras memórias com a minha mãe [Fernanda Gomes] são do Natal, a preparar os doces e bolos típicos. Na altura, não tínhamos nenhuma das máquinas de que dispomos hoje, nem sequer batedeiras, pelo que era tudo feito à mão em bacias de plástico e com colheres de pau. Da Páscoa, por exemplo, recordo ajudar a fazer o folar”, conta à NiT.
No início, tudo era visto quase como uma obrigação. Como precisava de ajudar os pais com as tarefas domésticas, não tinha outra opção. Às pequenas responsabilidades, porém, juntaram-se outras mais complexas, como a de fazer as refeições para si e para os irmãos sempre que os pais estavam fora. Jorge Gomes trabalhava na construção civil e a mãe, Fernanda, em cantinas escolares, como a da Conservatória Nacional de Lisboa, onde preparava os pratos típicos e reconfortantes com os quais Fábio cresceu.
“A minha mãe saía para trabalhar e, eu e o meu irmão, que é mais velho três anos, precisávamos de tratar da nossa comida. Começámos com coisas simples, como as batatas fritas, o arroz e a massa. Com o tempo fomos evoluindo para os refogados, peixes e carnes. Não era algo de todos os dias e algumas coisas estavam já prontas, mas levou-me a desenvolver o gosto por estar à frente do fogão”, acrescenta Fábio, natural de Almada, que tem ainda um irmão e irmã mais novos, com 24 e 18 anos.
As férias escolares, passadas no restaurante da avó Albertina, na Graça, que servia receitas tradicionais, de tacho, com um twist africano, também ajudou a desenvolver o interesse. “A minha família paterna era de Angola. Vieram para cá por causa da guerra. Não procuravam uma vida melhor porque a deles lá era boa, queriam apenas proteger-se. Abriram então o Jindungo, nome em homenagem ao fruto do jindungueiro, parecido com a malagueta e muito picante, que é bastante usado na cozinha africana. Eu era mais um assistente. Ora chegava uma cebola ou batata, ora provava um tempero e organizava as mesas com o avô Bento, que dirigia a sala”.
Quando era adolescente, no Copacabana, bar de praia que os pais tiveram na Costa da Caparica, Fábio tratava dos hambúrgueres, cachorros e batatas fritas. “Mais uma vez, tudo coisas simples, mas fundamentais para desenvolver o à-vontade na área”.
Terminado o secundário, surgiu a oportunidade de se juntar aos avós paternos — os únicos que conheceu, visto que a avó materna morreu antes de nascer e a mãe era filha única de pais separados —, que entretanto tinham fechado o espaço em Lisboa e emigrado para o Canadá. Foi lá que, com uma bolsa de estudo, se licenciou em gestão hoteleira e viveu com a ex-mulher e mãe da primeira filha, Ema (11 qnow), antes de regressar a Portugal. Quando não estava a estudar, ajudava, mais uma vez, os pais no restaurante da família.
Por cá, só se estabeleceu de forma definitiva, contudo, depois de mais uma temporada fora, dessa vez no Reino Unido, onde trabalhou em coffee shops e aprendeu sobre café e coquetelaria. Voltou em 2012 para fazer a abertura do mercado de Campo de Ourique. Até se juntar às empresas Convites da Vila e Glks, responsáveis por uma série de propostas gastronómicas, geriu alguns restaurantes.
Enquanto parte destes grupos, move-se, essencialmente, nos bastidores. “Supervisiono todas as cozinhas. Não assino as cartas, cada espaço tem o seu chef, e estou na sombra, na parte da formação, da montagem de negócios e engrenagem culinária, tanto em Portugal como em Angola. Ainda não chegou a altura de ter uma casa minha, com o meu nome, a minha essência, mas é algo que vai acontecer. Estou à espera do momento e projeto certo”, garante.
Em 2019, Fábio ganhou coragem para se inscrever no “MasterChef Portugal”, um programa pelo qual sempre foi apaixonado, até porque sentia saudades de estar na cozinha. “O ‘MasterChef Austrália’, para mim, era a grande referência, que me fascinava e fazia cozinhar, muitas vezes, às duas e três da manhã, quando via o programa depois de um dia cansativo. Há quem veja séries para adormecer, eu via os episódios e abria-me o apetite”.
“Sempre quis participar. Quem gosta do conceito vai entender. Imaginamo-nos ali, a fazer o que os concorrentes fazem, a criar pratos, ouvir o júri e viver aquela experiência. Quando ganhei coragem, inscrevi-me. Fui depois chamado para o casting, fiquei e a minha vida mudou, já que me trouxe uma visibilidade que, de outra forma, dificilmente conseguiria, e abriu uma série de portas, em termos de parcerias, publicidade, formações e consultorias”.
A pandemia, porém, obrigou o profissional a voltar para a sombra. “Deixei de estar tão ligado ao dia a dia na cozinha e centrei-me mais na gestão pura e dura para conseguir salvar as empresas a que estava associado. A organização, os créditos, a logística e recursos humanos tornaram-se muito importantes para a sobrevivência dos projetos neste período”, explica à NiT.
Surgiu então uma lacuna uma na sua vida, uma vontade de estar à frente do fogão, que não conseguia preencher a cozinhar só para a família. No início de 2022, após ter sido desafiado pelo empresário Rui Silva a gravar um vídeo para uma marca e tudo ter corrido muito bem, decidiu apostar nas redes sociais. Com um vídeo de poucos segundos, nos quais apresenta as suas receitas, consegue, muitas vezes, chegar ao milhão de visualizações, mas esta é uma sorte que lhe dá muito trabalho.
“Antes de começar a fazer vídeos em massa, estudei as diferentes redes sociais, li vários livros, analisei tendências, desenhei planos e estabeleci metas. Aprendi, igualmente, formas de captar a atenção do público, tanto a nível de gestos como de tom de voz e fiz um curso de edição de vídeo para poder produzir os mesmos”, relata.
“Depois, gravei logo 30 clipes para ter uma boa base e conseguir publicar com regularidade, mesmo que algo me impeça de os fazer por um tempo. Desde então, nunca parei. Gravo uns três reels por semana e procuro ser tão dinâmico quanto possível, ver quais as melhores horas para publicar, como melhorar. Acho que só estou a 10 por cento daquilo a que posso chegar, até porque continuo a aprender”. Para já, entre Facebook, TikTok e Instagram, junta mais de 300 mil seguidores.
Com o sucesso nas redes sociais, voltaram a aparecer propostas para parcerias e consultorias. Uma das mais aliciantes, que o deixou particularmente emocionado, passa por escrever um livro de receitas.
“Foi uma agradável surpresa ser contactado por uma editora para algo assim. Acho que dar nome e rosto a uma obra com criações e interpretações próprias é uma coisa com a qual todos nesta área sonham. Deve ficar disponível no início de 2023”. Para o próximo ano, também prevê iniciar um projeto que o vai levar a casa das pessoas para cozinhar mas, para já, ainda não tem muito para revelar.
Outra experiência inesquecível que a profissão lhe deu foi a oportunidade de fazer um showcooking no Clube S, restaurante em Angola que, “semanalmente, recebe os melhores artistas nacionais e internacionais. Uma referência para os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa”.
“Nesse evento tinha uma cozinha em cima de um palco sobre uma piscina. Por trás era o mar e à frente havia cerca de 500 pessoas sentadas a ver o show e a degustar o menu que fiz. Pelo cenário idílico e o significado do país para mim, não podia ter sido melhor”, conclui o chef, que ainda hoje se emociona quando come a comida da avó, a sua cozinheira favorita.
“A minha mãe é espetacular, mas as minhas memórias mais marcantes são a comer o que a minha avó preparava quando a família estava toda reunida. Fico sempre emotivo quando provo algum sabor, erva aromática ou tempero que me recorda os seus pratos”.
A paixão pela cozinha também já começa a passar pelos filhos, principalmente para Afonso, de quatro anos. “A Ema gosta mais de aparecer nos vídeos, mas o Afonso quer estar sempre na cozinha quando estou, a ver o que faço e como faço. E quer cheirar e experimentar tudo, mesmo o que alguns miúdos podem achar menos atrativo. Se continuar assim, curioso e interessado, pode chegar longe, neste ou outro campo”.
Carregue na galeria para ver Fábio Gomes em ação com algumas das suas criações mais populares.