Desde as nove da manhã que Filomena, ou Mimi, como gosta de ser tratada, está na cozinha do Mão-Cheia, o novo restaurante de Lisboa. “Já podes tirar o caldo. Esse tacho não vai chegar, o melhor é por tudo em travessas. Onde é que está a escumadeira?” Tem 77 anos e é única cozinheira deste projeto com direito a um dia fixo. É sempre às quartas-feiras que toma conta dos tachos e panelas, tudo para preparar o famoso cozido à portuguesa que aos domingos faz para toda a família em casa.
“A principal diferença é a pressão que temos aqui. Em casa a família até se pode levantar um pouco mais tarde que não há problema”, explica Mimi à NiT. Os primeiros pratos no Mão-Cheia são sempre servidos a partir das 12h30. “Se calhar devia era ter chegado às sete da manhã”, disse em tom de brincadeira, já que tudo estava bem encaminhado quando a entrámos na cozinha.
O Mão-Cheia é o novo restaurante da Associação Pão a Pão em Lisboa. Depois do Mezze, em Arroios, que integra refugiados sírios e do Médio Oriente, neste projeto, que fica no interior do Museu Arpad Szenes-Vieira da Silva, nas Amoreiras, só trabalham cozinheiros e cozinheiras com mais de 65 anos.
“Quisemos desenvolver um projeto que ajudasse a tirar as pessoas de casa, que lhes desse uma razão para sair à rua e que as valorizasse. Tendemos a não olhar muito para as pessoas que já têm certa uma idade quando, na verdade, têm um conhecimento enorme que deve ser partilhado”, explica à NiT Francisca Gorjão Henriques, presidente da Associação Pão a Pão.
Todas as semanas o menu muda e é sempre atualizado no site do Mão-Cheia. Os cozinheiros e cozinheiras convidados, os responsáveis pelos pratos que são servidos nesse dia, têm sempre mais do que 65 anos. Depois há uma equipa fixa, de mais quatro elementos, que ajuda na preparação e no serviço de mesa.
As quartas-feiras é o único dia fixo, para já, com o cozido à portuguesa da Mimi. “Quando se trabalha num ambiente que não é o nosso, às vezes não é fácil”, disse Isabel, que faz parte da equipa de cozinheiros permanente. Mimi estava na sua segunda semana no Mão-Cheia, e já estava muito à vontade. Não sabia da escumadeira, mas lá a encontrou e dividiu tarefas a alguns minutos antes da abertura.
“Esse creme podes bater na Bimby”. Os cozinheiros fazem sempre mais do que um prato, às vezes até a sobremesa. Neste caso o creme era para as farófias, que também foram muito comentadas pelos clientes na primeira semana. No meio das dicas para o doce, a continuação do cozido.

“O feijão verde põe-se assim tudo junto, para ser mais fácil de tirar. Agora acrescenta-se as cenouras, o nabo, as batatas e as couves.” Deixamos a Mimi na cozinha e seguimos para a sala. Não foram precisas obras no espaço, que já tinha recebido um outro projeto de restauração antes. A sala também não mudou muito em termos de decoração, só mesmo alguns apontamentos.
Tem capacidade para 38 pessoas. Os lugares estão mesmo junto ao balcão, mas também há mesas e cadeiras perto da recepção do Museu. Pouco depois das 12h30, começaram a chegar os primeiros clientes, alguns com mesa marcada.

Esperámos poucos minutos até chegar a travessa com o cozido que vimos Mimi fazer na cozinha. A dose custa 9€ — este é sempre o preço para os pratos que serão servidos no Mão-Cheia. Feijão branco, arroz, couves, morcela, chouriço, carnes e nabo, tudo a que tínhamos direito. Nada salgado, bem sequinho e pouco gorduroso. Ficámos fãs da Mimi e do cozido. Até queremos que todos os almoços de quarta-feira passem a ser aqui. Pelo menos enquanto o cozido durar, já que nos avisaram que em março é provável que vá de férias. Mas esperemos que chegue outra especialidade da Mimi.
No site é atualizado todas as semanas o menu com os vários cozinheiros convidados. Ainda antes da abertura do espaço, a Associação Pão a Pão fez uma espécie de casting para quem quisesse participar neste projeto.
“Recebemos dezenas de emails e telefonemas e organizámos um júri que experimentava os pratos e os classificava de um a 10. Os melhores ficaram num grupo que vem cozinhar com mais regularidade”, explica Francisca Gorjão Henriques. Ainda assim, ninguém irá ficar de fora. “Queremos incluir toda a gente, há espaço para melhorar uma ou outra coisa e, por isso, de certeza que haverá oportunidades para as pessoas se juntarem a nós.”
