“A maioria das pessoas que fala inglês admitirá que cellar door é uma palavra linda, especialmente se dissociada do seu sentido (e da sua ortografia). Mais bonita do que, digamos, o céu, e muito mais bonita do que bonita.” JRR Tolkien, escritor, professor universitário e filólogo britânico, não tinha dúvidas quanto à combinação: a sonoridade era incrível, a melhor de todos, independentemente do significado. Claro que, se dita com um sotaque americano, não terá o mesmo efeito.
Se é mesmo o som mais impressionante de sempre, não posso confirmar, mas quando o ouvi para outro fim, fiquei fascinada (e cheia). Entrar no Cellar Door (porta da adega, em português) não podia ter um sentido mais literal. Quem passa a grande porta — acreditem, confesso que até tive alguma dificuldade em empurrá-la — não se podia sentir mais numa daquelas adegas, onde a madeira é a estrela e as garrafas as protagonistas. Mas não se deixem enganar. Depois de poucos minutos, a confusão vai chegar. É que à tradição junta-se o moderno e o Oriente encontra-se com o Ocidente. Mas já lá vou.
Poucos conhecem-no e é normal. O Cellar Door é o novo restaurante do Cartaxo — vá, Vila Chã de Ourique, para sermos mais específicos — e acaba de abrir (a 7 de abril). A menos de uma hora de Lisboa, funciona ainda em soft opening, é verdade, mas já está pronto para receber os mais curiosos. Preste atenção: à primeira vista poucos conseguem encontrá-lo.
O edifício está integrado da adega ODE Winery, Farm and Living, as antigas instalações de Vale d’Algares, e inclui uma adega, um restaurante, um salão de eventos e, futuramente, um hotel. Para quem não as conhece só posso utilizar uma palavra para as descrever: incríveis.
Tudo começou em 2021, quando dois investidores australianos — David Clarkin e Andrew Homan, sócios da Immerso Collective, uma empresa de desenvolvimento imobiliário — compraram estes espaços. “Queriam investir em algo. Já tinham bastante experiência em investimentos e quando passaram por aqui apaixonaram-se”, começam por dizer os representantes. “ODE seria o nome ideal já que objetivo é criar uma experiência turística única, enquanto se celebra a beleza natural da região do Ribatejo”, acrescentam.
Ao entrar na ODE demorei um pouco para localizar o restaurante. Mas admito que me atrasei mais porque aproveitei para sondar toda a área. De um lado, uma grande divisão vazia, com o que parecia ser um laboratório, depósitos de inox ao fundo e à minha frente um grande jardim. Bastou contorná-lo para chegar ao letreiro que anunciava estar no sítio certo.
Depois da curta batalha com a porta, lá entrei e arrisco dizer que são poucos os momentos em que me senti tão pequena quanto ali. Sim, o espaço é grande, mas não seria motivo para tanto. A questão era a altura do teto. Bastante alto, deixou-me fascinada — não tanto, contudo, quando percebi onde é que estava realmente.
No Ribatejo, região conhecida pelas carnes, vinha e touradas, esperava ser recebida com uma carta cheia de propostas ensanguentadas e mal passadas. Não podia estar mais enganada. Afinal, o Cellar Door é liderado pelo Chef Kazuya Yokoyama (34 anos) e, em vez de bochechas de porco ou iscas, serve-se comida tradicional japonesa.
Kaz, como é amigavelmente conhecido, conta com 20 anos de experiência como chef. Pelo caminho passou por diferentes cozinhas, desde italiana a japonesa, e no Vietname, juntou-se a um restaurante de gastronomia francesa.
“Se me perguntaram dois aspetos negativos de Portugal, diria que o oceano é muito frio e a comida asiática é terrível”, justificou Jim Cawood, diretor de vinhos, depois de ser considerado doido por sugerir a ideia de criar em Vila Chã de Ourique um restaurante com este conceito.
Esqueça o sushi mais banal, o sashimi ou o ramen. Ali come-se tal como se fazia nas Izakaya, as antigas tabernas. No fundo, basta imaginar um espaço com petiscos, mas substitua as sugestões portuguesas por japonesas. Na mão está, claro, uma cerveja tradicional. Ou então um vinho — a escolha é sua, mas não posso deixar de recomendar a harmonização com referências de produção própria. “A água é benta, mas o vinho é sagrado”, já me diziam os responsáveis.
À mesa começou por chegar o edamame preparado ao vapor e com flor de sal (3€). Seguiu-se a jagakara, umas batatas com molho de toban djan e katsuobushi, que é como quem diz, “prepare-se para o picante” (6€). Para mim, uma das melhores propostas.
Disse quem provou que a buta kakuni, ou seja, as bochechas de porco braseadas com soja, mirin e gengibre (8€), são também verdadeiramente saborosas, mas nada bate o oshizushi (12€), um estilo tradicional de sushi prensado, cujos ingredientes variam consoante a disponibilidade sazonal.
Sim, porque além do conceito da partilha — todos os pratos “simples, mas substâncias” são pensados para serem comidos em convívio — a casa segue a ideia “farm to table”. Das estufas colocadas no terreno vizinho de 96 hectares chegam cenouras, pepinos e outros legumes. “A ideia é conseguirmos ser autossuficientes”, garantem.
É precisamente nessa área, com um lago no meio, que já projetam construir um resort de luxo sustentável, muito ligado ao vinho, à vinha e à agricultura sintrópica. Trata-se de um grande projeto de recuperação de um espaço que começou a ser construído em 2004, mas que está ao abandono desde 2008.
“Vamos fazer um hotel baixinho, uma zona de moradias, villas, e uma de glamping. Depois queremos transformar as zonas que eram utilizadas como museu, adegas e lagares para fazer espaços comuns, como os restaurantes. Estes serão abertos à comunidade e não só aos hóspedes”, notam.
Enquanto ouvia a explicação, devorava tudo. Entretanto, chegou ainda a kabocha, uma abóbora assada com amêndoas, cebola frita e manteiga nori (5€) e os dumplings de tofu e couve (7€). O chef de sala ainda recomendou o polvo estufado (8), mas o meu estômago já não dava para mais.
Ao mesmo tempo, claro, iam servindo os vinhos indicados para acompanhar cada prato. Começámos com o ODE Sémillon e terminámos com o ODE Touriga Nacional. Todos identificados com rótulos que se assemelham a auroras boreais. Só mudam as cores. “Este deverá ter aroma a maça verde, limão, lima, daí as cores entre o verde e o amarelo”, explicou-me o profissional. No meio ainda consegui provar outras três referências, todas brancas.
E como há sempre espaço para a sobremesa, comi ainda a última proposta. Não há grande lugar para dúvidas. A escolha é só uma: uma taça com dois merengues, um deles com carvão, separados por uma mousse de batata-doce, morangos e chocolate branco, também ele com carvão.
No final, após escolher algumas garrafas dos vinhos favoritos para levar para casa, pude ainda visitar a adega. Normalmente, este momento é feito de forma gratuita, antes da refeição. “Inclui uma pequena prova e quem quiser, pode ficar para almoçar”, esclarece o porta-voz.
Ao longo de dois pisos, que ficam por baixo do restaurante e do laboratório, é possível ver toda a adega da ODE. “Caves como não existem noutros sítios da região, pela capacidade de produção ou de armazenamento”, garante. O melhor mesmo, é visitá-la e confirmar.
A seguir, carregue na galeria para conhecer melhor o Cellar Door, a primeira iniciativa do grande projeto do Ribatejo, e algumas das sugestões gastronómicas.