O pai era talhante, o avô agricultor e a mãe nasceu “com mão para a cozinha”. Sem escapar a esta herança, Júlio Pereira tornou-se um chef respeitado no setor, tendo passado por diversos restaurantes e hotéis, onde ocupou a posição de chef-executivo. Contudo, a “crise dos 40”, como a descreve, despertou nele um novo desejo: abrir o seu próprio restaurante. Volvidos seis anos, já possui vários conceitos no Funchal, — um deles, o Theo’s, que abriu em junho.
A mudança de rumo começou a ser desenhada quando se mudou da Ericeira para a Madeira, em 2013, motivado por questões familiares. A tranquilidade da ilha motivou Júlio a refletir sobre a sua trajetória profissional. Decidiu afastar-se das pressões associadas aos “conceitos massificados” das cozinhas hoteleiras e levou-o a apostar num espaço próprio.
“Podia não saber exatamente o que pretendia, mas sabia o que não queria. Não queria fazer parte de um projeto onde predominasse a desumanização”, explica. Como alternativa decidiu tentar concretizar um sonho comum a muitos chefs. “Em 2018 abri um pequeno restaurante, o Kampo, com apenas 34 lugares” conta o cozinheiro à NiT.
Em poucas semanas, tornou-se um dos espaços mais procurados da ilha, obrigando Júlio a recusar clientes diariamente devido à falta de capacidade. “Fui forçado a ponderar que talvez precisasse de uma nova solução.”
A veia de comerciante que herdou do pai, que tinha vários talhos, e dos tios, que vendiam nas feiras de Tires, apoderou-se de Júlio Pereira. No ano seguinte inaugurou o Akua, dedicado aos peixes e mariscos. “Era a alternativa ao meu outro negócio, mais ligado às carnes e ficava a poucos metros do primeiro”, refere.
Com um espaço dedicado à terra e outro ao mar, Júlio sentiu necessidade de diversificar ainda mais o seu portefólio, criando um conceito dedicado à gastronomia portuguesa. “Na Madeira existem muitos restaurantes com foco na cozinha regional, mas poucos se concentram nos pratos típicos de Portugal”, afirma o chef de 46 anos.
Em abril deste ano, abriu o Theo’s. Situado num local histórico do Funchal, onde, durante a década de 1930, figuras intelectuais e da burguesia da Madeira se reuniam para se socializar, o restaurante mantém-se como “um reflexo dos movimentos da região”. Ao longo do tempo, o espaço evoluiu de uma casa de chá para um salão de dança e, agora, sob a direção de Júlio Pereira e com Carlos Gonçalves como chef-executivo, almeja ser “um santuário da verdadeira cozinha portuguesa” na ilha.
Embora tenha mantido o nome para preservar a tradição do espaço, muitas coisas mudaram. Agora, nos dois andares do restaurante, são servidos pratos “pensados para aguçar o paladar”. “Essa era uma condição inegociável. Queria integrar pratos típicos, mas sempre com um toque inovador”, esclarece o chef.
Croquete de leitão (9€ por duas unidades), arroz de polvo (24€) ou perna de pato com arroz de enchidos (24€), rissol de camarão com gamba da costa (9€ por duas unidades) ou torricado de sardinha (12€) são alguns dos destaques do menu do Theo’s.
Júlio recomenda que os clientes experimentem um pouco de tudo — incluindo a sobremesa. “Temos A rabanada (9€)”, ressalta, enfatizando que se trata de uma proposta especial.
O tradicional doce natalício foi reinventado para o menu do Theo’s. Júlio Pereira desenvolveu uma receita que incorpora sabores madeirenses, como a erva caninha, e combina diferentes texturas. “Por dentro, é muito húmida, semelhante a um pudim, mas por fora é bastante crocante. É servida com gelado de caninha, que realça o contraste entre o doce e o salgado”, explica.
Para harmonizar com “os sabores arrojados”, a carta de vinhos do Theo’s apresenta apenas opções produzidas por parceiros de Júlio Pereira. Entre as oito referências, destacam-se o tinto Chef Júlio Pereira Collection 2008 (42€), o branco Ti Júlio (26,50€) e o Boal 5 anos (24€), um vinho Madeira.
O restaurante tem capacidade para 60 lugares e fica a poucos passos dos restantes espaços do grupo.