Inga Martin não recorda um único momento da sua vida em que não tenha adorado cozinhar. “Desde pequenina que ia sozinha para a cozinha fazer bolos e massas. Os meus pais ainda estavam a dormir e lá andava eu a experimentar. Tinha cinco anos”, começa por contar a chef de 40 anos à NiT.
A mãe, Olga Martins, uma antiga fotógrafa que se dedicou essencialmente a cuidar da família, assim como a “vó Lice”, uma mulher do campo, responsável pela “melhor chanfana e bacalhau grelhado de Mortágua”, foram as suas grandes mentoras nas cozinha. “Não foi algo propriamente incentivado, apenas me interessei”.
Com elas aprendeu, sobretudo, receitas tradicionais portuguesas, mas o prato que mais gostava de cozinhar era, sem qualquer dúvida, massa com molho de tomate. “Não sei porquê, mas sempre adorei massas e trabalhá-las”.
Já a paixão pela pastelaria, em particular, nasceu muito por causa da madrinha Elsa Martins, “uma excelente pasteleira”. Foi ela quem lhe ensinou a fazer as maravilhosas bolachinhas de manteiga que marcaram a infância de Inga. Engenheira alimentar de formação, Elsa em, atualmente, um negócio próprio de doçaria biológica: Frioleiras.
Na altura, contudo, Inga estava longe de imaginar que iria fazer da restauração uma profissão a sério. “Como sempre gostei muito de comer, cozinhava aquilo que gostava. No início, claro, nunca pensei em ser chef, mas o bichinho ficou lá”.
Décadas depois, a chef aceitou o desafio de criar a carta do Go A Lisboa, o maior rooftop da capital, abriu a 8 de julho na Casa de Goa, em Alcântara. “Está a ser espetacular, porque é um espaço que tem tudo a ver com aquilo que gosto de fazer e trabalhar a nível de comida. Lido muito com as especiarias, também em associação com os produtos portugueses”.
O projeto reflete muitas das suas origens familiares. O pai e avós eram guineenses e a avó Ju até teve um restaurante na Guiné. Já os bisavós eram libaneses. Da parte materna, tem a influência das Beiras. “Neste trabalho consigo juntar tudo. Estou a gostar muito da experiência e a carta é um orgulho para mim”.
A barriga de porco em sous vide, beurre blanc, espargos e cebolete (18€), bem como o polvo com harissa, húmus de beterraba, salada de pepino, coentros e hortelã (22€) são os pratos que destaca de uma ementa onde só entram propostas em que realmente acredita.
“Como já disse, gosto de comer e gosto de servir coisas que comeria. Não vou servir pratos que não considere que estejam no ponto. Sou incapaz de fazer isso. Quero que quem venha provar a minha comida saia bem servido e goste da experiência”.
A chef ferrenha do FC Porto (e do treinador Sérgio Conceição)
Inga nasceu em Coimbra, mas a possibilidade da sua paixão de infância se transformar numa carreira apenas começou a desenhar-se quando foi viver para o Algarve. “Morei na região durante muitos anos. Quando lá estava, os empregos disponíveis eram muito ligados à restauração e hotelaria. Entrei na área através do serviço de sala num restaurante de fine dining [o já extinto Ermitage, em Vale do Lobo]. Lá aprendi o que era um serviço de fine dining a sério, como servir bem um cliente, sentá-lo, tudo coisas que me marcaram desde o início e me acompanham até hoje”, explica.
Com apenas 18 anos, ficou completamente fascinada por este mundo da cozinha profissional. “Foi aí que surgiu a ideia de tirar um curso de cozinha. Anos mais tarde, isso acabaria mesmo por acontecer”. Antes disso, contudo, licenciou-se em Educação Social e fez uma pós-graduação em Marketing, campos em que nunca chegou a exercer.
Quando trabalhava na ERA, como consultora imobiliária, teve o clique que sempre lhe faltou. “Gostava muito do que fazia, mas estava complicado, foi na altura em que surgiu a crise. Tinha 27 anos e decidi que queria estabilidade, algo em que pudesse fazer carreira”.
Mudou-se então para a capital e ingressou na Escola de Cozinha e Hotelaria de Lisboa, em Campo de Ourique, onde se preparou para assumir maiores responsabilidades no ramo. Concluído o curso, regressou ao Algarve. Além de estagiar na pastelaria do Hotel Vila Joya, trabalhou em vários restaurantes na zona e em serviços de catering privados. Seria num destes serviços que viveria, em 2021, uma das experiências mais espetaculares da sua carreira.
“A família do Domingos Paciência [antigo jogador do FC Porto e treinador de futebol] estava de férias na Quinta do Lago [em Almancil] e contratou-me para lhes tratar das refeições durante 10 dias. São incríveis e servi-los foi épico”, conta a ferrenha adepta do maior clube do Porto.
“Adoravam os meus pratos. Uma vez, o Domingos pediu-me que fizesse picanha grelhada, outra, foi o Vasquinho [o filho mais novo do treinador] que quis panquecas para o pequeno-almoço. Também houve uma noite italiana”.
Estar com a família Paciência, por si só, teria sido fantástico, mas, para Inga, haveria outro momento especialmente marcante. Quando Isabel Paciência percebeu que ela era adepta do Porto e adorava Sérgio Conceição, convidou a família do atual treinador do emblema azul e branco para jantar lá em casa. A notícia deixou a chef em choque, algo que nunca lhe tinha acontecido.
Nessa noite de verão no Algarve, serviu carabineiros grelhados com uma salada tropical. Depois chegou a sobremesa. “Tinham sobrado alguns tiramisus do dia anterior e a Isabel deu uma fatia ao Sérgio. Ele perguntou: ‘Inga, foste tu que fizeste? Este tiramisu está do caralho'”.
Inga tem trabalhado regularmente para outras personalidades ligadas ao futebol. Alguns deles são estrelas do futebol inglês, mas ela não se lembra do nome. Até porque, como admite, adora o FC Porto, mas não acompanha assim tanto o futebol. O mesmo acontece com Oliver, o filho de quatro anos que até já veste a camisola do clube.
Ao mesmo tempo, Inga manteve uma carreira marcada por apostas originais, mas de risco. Em Lisboa, por exemplo, criou o “Cone à Portuguesa”, um conceito inovador de comida grab & go que acabou por não correr como esperava.
“Fiquei com algumas dívidas para pagar e, por causa disso, fui para Luanda. A oportunidade surgiu através de um amigo que conhecia o dono [do Champanheria Chill Out] e sabia que estava a precisar de trabalho. Pôs-me em contacto com eles e fui. Não era um sítio em que alguma vez me tivesse imaginado a trabalhar, mas a força das dificuldades fizeram-me ir até lá e ainda bem. Apesar de ter acontecido por algo que correu mal, aprendi muito”, garante a profissional.
Foi precisamente em Angola que viveu algumas das maiores provações da sua vida. “É um sítio cheio de especificidades e com desafios a toda a hora, desde faltar a luz, faltar a água, ter de lidar com fornecedores que não existem e precisar ir à procura deles. Foi a experiência mais desafiadora que tive, sem dúvida. Ires para um país em que não conheces nada, nem pessoas nem produtos, e ter de descobrir tudo, é complicado, mas valeu a pena, mesmo com as fragilidades do dia-a-dia. Angola é um país cheio de problemas, a nível de desigualdades sociais, infraestruturas. Ainda assim, adorei, por tudo o que aprendi. Estive lá de 2015 a 2016”.