Já pensou como é jantar no escuro? Eu não, mas quis experimentar. Um restaurante praticamente às escuras, iluminado apenas por algumas velas, onde todos os clientes estão vendados. Esta é a proposta do Dining in the Dark — e eu não pude recusar.
Há muitos anos que os psicólogos defendem que jantar no escuro é a melhor experiência de sabor. Estudos mostram que 80 por cento das pessoas comem com os olhos. Isto significa que, com esse sentido eliminado, os outros — sobretudo o paladar e o olfato — assumem o controlo para elevar a refeição a um nível totalmente novo. Pelo menos, a teoria é esta.
“Depois de colocares a venda nos olhos num restaurante às escuras e à luz das velas, rapidamente descobrirás que concentrar-te apenas no sabor e no olfato pode ser uma experiência sensorial inesquecível — se não tiveres medo do escuro, claro”, desafiaram os responsáveis. Após fazê-lo, posso confirmá-lo. Mas, a verdade é que não é apenas uma experiência sensorial. É um momento cómico, original e desafiante. A palavra de ordem da noite será mesmo essa: desafiante.
Desta vez, nos dias 12 e 16 de julho, o El Clan, no Martim Moniz, foi palco do evento que pretende “despertar os sentidos dos participantes graças a um jantar de olhos vendados num ambiente intimista à luz das velas”. Ali, o conceito de comer fora ganhou toda uma nova perspetiva.
Para celebrar o início da parceria entre a Fever, a entidade promotorada iniciativa, e a agência Your ID Food Agency, escolheu-se propositadamente um restaurante recém-aberto. Um que é dos irmãos Filipe e Luís Ferreira, de 28 e 26 anos — aqueles que tomaram o gosto à abertura de novos restaurantes em Lisboa e que agora não querem outra coisa. No final de 2021, inauguram o Ni Michi, na Lx Factory, e o El Santo, no Príncipe Real. A 30 de abril abriram o El Clan. Por ser uma mistura dos dois conceitos anteriores, chamam-lhe “o irmão mais novo” do clã.
Já conhecia o espaço, sim, mas sempre de olhos bem abertos. Ao chegar à entrada, a sensação era agora diferente. Uma de excitação, com um pouco de ansiedade e algum receio. Apesar de já saber que ia fazer uma refeição vegetariana, continuava sem ter qualquer pista daquilo que ia comer. Isto porque o menu é sempre surpresa. Os participantes só sabiam que iam descobrir um mundo de sabores latino-americanos.
“Uma explosão de sabores crocantes com uma pitada cítrica” ou “uma mistura de crocante com a maciez do mar” foram as únicas frases dadas como pistas. A única fase em que participei de forma ativa foi no momento da inscrição, altura em que tive de escolher entre três menus: vegetariana, peixe ou carne. Sabia já que as três opções iriam incluir uma entrada, prato principal e sobremesa.
Cheguei e levei um acompanhante que ainda estava numa situação pior do que a minha. É que só descobriu para onde tinha sido levado, depois de se ter sentado e já estar com a ficha colorida colada ao canto da mesa. Sim, eles entregam uma ficha redonda, consoante o pedido de cada um, para que os funcionários saibam o que servir. No nosso caso, tínhamos uma ficha vermelha (carne) e uma verde (vegetariana) — e ambas foram coladas. “É para que não caiam, já que podem tocar nelas sem querer”, explicaram-nos.
“Boa noite. Muito obrigada por terem vindo. Para aqueles que não sabem para o que é que vieram, tenho más notícias. Este não vai ser um simples jantar. Aliás, vai ser bem mais complicado. Porquê? Porque vão estar todos de olhos vendados. Tenham atenção, com a partilha da comida. Ainda se come de garfo e faca — e, sem verem onde estão a colocá-los, pode ser perigoso. Pedimos também para que não tirem, em momento algum, as vendas. Se precisarem de alguma coisa, basta levantar o braço”, começam por apresentar. Aí, sim, houve bastante burburinho. Parece que não fui só eu a fazer uma surpresa à companhia.
Feitas as honras da casa, pedidas as bebidas (que não estão incluídas no preço do jantar), e regressados da casa de banho, lá se colocaram as vendas. Todos os cerca de 40 participantes ficaram às escuras. Antes disso, também as luzes da sala tinham ficado bem mais baixas.
Nesse momento, o volume das conversas nas mesas subiu automaticamente. Se, quando tivemos de usar máscaras, já tínhamos reparado que ficávamos todos um pouco mais surdos, com vendas nos olhos o cenário é idêntico. Por mim falo, já que utilizo muito a leitura dos lábios como apoio nas conversas.
O movimento também foi parecido na maioria dos grupos: grande parte dos participantes inclinou-se para a frente.Só sei disso porque tive um pequeno problema técnico com a minha venda e precisei de tirá-la para voltar a apertá-la.
Aproveito para deixar um conselho: é inútil irem de olhos pintados, acreditem. Nem olhos, nem cara. Afinal, há uma grande probabilidade de terminar o jantar com comida espalhada por todo o lado. Foi o meu caso. Até no cabelo fiquei com restos de algo que até hoje não faço ideia do que era. Mas bem, voltando à comida.
O Dining in the Dark começou com uma entrada. Os empregos chegaram à mesa, colocaram os pratos à nossa frente e mostraram-nos, através do toque, onde estavam colocados. “Podem comer com as mãos”, indicaram.
Para o menu vegetariano, tinham preparado três tacos, com o que consegui identificar serem cogumelos e algo como tofu. Se era mesmo isso ou não, não posso confirmar. “Preferimos manter em suspense os detalhes, para que possamos manter o efeito surpresa que é desejado nesta experiência a futuros participantes”, disse à NiT a porta-voz da iniciativa, quando lhe perguntámos sobre a carta. “O chef do restaurante é que escolhe os pratos, mas a Fever tem que aprovar”, acrescentou.
Aqueles que optaram pelo menu de carne comeram também uma espécie de taco. Este era maior e apenas um, quando comparado com o vegetariano. Seguiram-se os pratos principais — desta vez, quentes e para serem comidos com talheres. Ainda hoje estou para tentar descobrir aquilo que comi. Penso que tinha cebola desidratada, já que era crocante, mas fiquei por aí. Quanto a texturas, tinha algo que se parecia com legumes em puré, mas com alguma consistência, e outro elemento maior que tive de partir com a ajuda da faca.
Pelo meio, ainda experimentei as batatas no forno que vieram com o prato de carne. Experimentei eu, a venda, o cabelo e até a mesa. Só consigo imaginar as figuras que os funcionários do El Clan viram. Pagava para ver as filmagens. E sobre tentar acertar com o copo na boca é outro filme. Não tinha mesmo noção de que fazer uma refeição de olhos fechados seria tão complicado. O que nos leva também a uma certa reflexão.
Quanto à sobremesa, essa, era igual para todos — e brincava também ela com os sentidos, claro. Com várias temperaturas e texturas, levou-me à infância. Isto devido ao cheiro. Nunca tinha tido uma experiência como a que tive no momento da entrega deste prato. É que a combinação de cheiros — canela, com massa de pão, limão e açúcar — fez-me recordar as tardes passadas na cozinha com os meus avós.
Terminado o doce, que juntava gelado, bolacha caramelizada e uma maçã, e alguma conversa depois, vieram dizer-nos que tínhamos concluído a refeição. “Já podem tirar as vendas ou, se assim preferirem, continuar com elas colocadas.” Tirámos. Fomos dos últimos a fazê-lo. Cada grupo comeu ao seu ritmo e foi destapando os olhos à medida que terminava.
Além de nós, só um grupo de quatro amigos permanecia às escuras enquanto discutia animadamente (e lá está: todos reclinados para o centro da mesa e a falar com um tom mais alto). E das mesas, o melhor é não falar. Cada uma pior do que a outra. Mas é aí que está também a graça da experiência. Mas parece que correu tão bem, que já têm a segunda edição marcada.
A 13 de setembro, a iniciativa volta a repetir-se — mas, agora, no El Santo, um restaurante mexicano no Príncipe Real, Lisboa. Os bilhetes para este conceito original da Fever, a principal plataforma global de descoberta de entretenimento ao vivo, já estão disponíveis pelo valor de 40€ por participante. O jantar tem início marcado para as 20h30 e dura cerca de uma hora e meia.
“Ainda este ano vamos para Cascais e para o Porto”, confessa a mesma fonte à NiT. Primeiro, porém, o Dining in The Dark ainda vai passar pelo no Ni Michi no Lx Factory.
Aproveite para ler o artigo e conhecer melhor o El Clan, o restaurante eleito para a primeira iniciativa da parceria. Carregue também na galeria para saber mais.