A primeira experiência profissional de Lionel Martins foi muito diferente daquela que imaginou. O ex-concorrente do “MasterChef Portugal” chegou animado, mas o entusiasmo diminuiu à medida que ia descascando batatas. Isto foi tudo o que fez durante dois dias.
“Estava a tirar um curso técnico de cozinha da Associação Empresarial de Braga e o estágio teve lugar nos Hotéis Bom Jesus. Quando lá cheguei, o chef responsável colocou-me num sítio à parte, com um colega, a descascar batatas. Ou seja, a primeira impressão foi péssima”, começa por contar, à NiT, o agora profissional de 29 anos. À época, não tinha sequer 18.
“Na altura, não sabíamos, mas era um teste. Queriam ver se aguentávamos a pressão e se conseguíamos lidar com o que estava para vir, porque é uma área muito dura. Cozinhar não é só fazer pratos bonitos e tirar fotografias. No início, nem sempre temos essa noção. O meu colega desistiu nessa semana. Preferiu tentar outro estágio. Eu decidi continuar”, acrescenta.
A decisão não podia ter sido mais acertada, visto que depois passou logo para a cozinha, onde fez um pouco de tudo. Inclusive o que ninguém quer, pois “faz parte”. Com a resiliência que mostrou ter durante o programa televisivo, que terminou oficialmente a 18 de fevereiro, provou que era mesmo isto que queria, apesar dos sacrifícios a que obriga.
Volvida uma década, só tem elogios para o chef José Vinagre, que lhe deu a tarefa extenuante. “Aprendi muito com ele. Ainda hoje o considero um dos meus grandes mentores. Mas tive sorte com toda a equipa. Era muito boa. Tanto que nem quis estagiar noutro lado. Fiquei durante dois anos, a absorver tudo o que podia. Só saí quando acabei a formação. Entrei no mercado de trabalho a sério cerca de dois meses depois”, partilha o cozinheiro, que nasceu em Paris, onde os pais estavam emigrados, mas vive em Braga desde os 10 anos, com os avós e padrinhos.
“Gostava muito de estar cá e voltar para França no fim das férias de verão era cada vez mais difícil. A dada altura, lá convenci os meus pais a deixarem-me ficar. Sei que não foi fácil para eles, mas viram que era importante para mim. Foi entre estas duas casas que descobri a paixão pela cozinha. Tanto a minha mãe como a minha avó são grandes cozinheiras. Têm aquele talento para a cozinha tradicional e de tacho, que é a que mais gosto. Imaginava-me a trabalhar na área, mas quando concluí o nono ano não pareceu viável, então fiz um curso profissional de eletrotecnia, até porque precisava de fazer alguma coisa. Ao saber da formação da Associação Empresarial de Braga, contudo, lá consegui que os meus pais assinassem os papéis. Tinham dúvidas do quão sério era para mim, mas sempre me apoiaram”, garante.
Do estágio nos Hotéis Bom Jesus, Lionel passou para um trabalho no T4 Restaurante & Bar, que entretanto fechou e reabriu como Francesinha Portuguesa. Lá, viveu um novo choque, porque era uma realidade muito distinta da que tinha conhecido até então. O clássico empratamento deu lugar às travessas cheias, e a quantidade de pessoas que serviam era muito maior. Às sextas e sábados, chegavam facilmente às 250, número que às vezes superavam. Era outro ritmo, mas igualmente gratificante.
“Também funcionava como discoteca e era muito propício a grupos. No início, pode ser difícil acompanhar, mas depois torna-se estimulante e já só queremos fazer ainda mais. Girava, essencialmente, em volta de pratos tradicionais e típicos de menus de grupo, como bacalhau com natas ou lombo grelhado com batatas. Enchíamos as travessas e íamos repondo”, explica. Saiu ao fim de quatro anos, dois dos quais liderou a cozinha, porque queria aprender mais.
Passou então pelo restaurante Chico e Lúcia, na freguesia bracarense de Cabreiros, onde a Dona Rosa, a coznheira de 80 anos, lhe ensinou tudo sobre comida tradicional. Foi com ela que aprimorou o seu arroz de cabidela, conhecido como pica no chão no norte. “De como devia saber à textura certa do arroz e ingredientes mais indicados, descobri tudo com ela”, conta.
Ao fim de um ano, foi para o hotel Meliã Braga, a convite de José Vinagre. Lá trabalhou a gastronomia típica, mas com um toque contemporâneo, e abriu-se ainda mais a tudo o que envolve o universo culinário, com experiências vínicas.
Em 2020, juntou todas as experiências e abriu o Antiqua, uma cozinha de sabores, tradições e memórias minhotas. “Estive três anos no hotel, mas depois quis criar algo meu, trabalhar para mim. Desenhei então um espaço, na garagem dos meus pais, com uma mesa para 20 pessoas. Funcionava apenas por reserva e o prato era escolhido antecipadamente. Depois, os clientes podiam ver enquanto preparava tudo, porque a cozinha é aberta para a sala. Com a pandemia, o projeto acabou por ficar em pausa”.
Seguiu-se um período de desnorte, em que trabalhou numa serralharia. “Acordava de manhã mesmo zangado porque não era, de todo, o que gostava de fazer. Mas tinha de ganhar dinheiro para pagar contas. Nisto, acabei por me inscrever no ‘MasterChef Portugal’. Já tinha tentado antes e não entrei, pelo que as expetativas eram baixas, mas correu bem. Em dois meses e meio, aprendi muito mais do que na escola, e já tinha aprendido muito lá”.
De modos de confeção a técnicas de amanhar o peixe, novos ingredientes e sabores, descobriu um pouco de tudo no programa em que conquistou o terceiro lugar. Conviver com chefs de renome nacional (e não só) foi, igualmente, impagável.
“São muitas formas de estar na cozinha e de lidar com o produto que não teriam descoberto de outra forma. Fez-me sair da zona de conforto, ir além do tradicional e perceber que podia ir mais além. Replicar o prato do chef Hans [Neuner], por exemplo, foi inacreditável. Um dos maiores desafios. É muita técnica, muita experiência, muito preciosismo. Nunca imaginei conseguir algo assim, mas quando lá estás, tudo é possível”.
A visibilidade que o concurso lhe deu, fez com que conseguisse reabrir o Antiqua, que já recebe 40 pessoas, sempre com reserva mínima de uma semana. Os menus, que incluem três entradas, prato principal e sobremesa, começam nos 30€. Agora, o plano é ir melhorando este espaço passo a passo e um dia, abrir um próprio.
“A ajuda dos meus pais é fundamental. Não pago renda, nem eletricidade, o que é uma grande ajuda, mas gostava de ter algo mesmo meu. Espero fazê-lo em dois anos, aqui em Cabreiros, que é a minha terra. Quero que seja uma referência.”
Leia ainda sobre Sahima Hajat, a moçambicana que conquistou Portugal com a sua simplicidade e sabores e foi a grande vencedora da última edição do “MasterChef Portugal”. O artigo sobre Ana Sanchéz, a cozinheira que facilita o acesso dos cegos ao mundo das especiarias e ficou em segundo lugar no programa da RTP1, também lhe pode interessar.