A especulação imobiliária assombra Lisboa, não só no afastamento de portugueses que não conseguem suportar os valores das casas, mas também no encerramento de espaços comerciais icónicos. Nos últimos meses, a cidade viu desaparecer alguns dos restaurantes e lojas mais emblemáticos depois de verem terminados contratos longos que resultam em subidas incomportáveis das rendas. Sem outra hipótese, os comerciantes escolhem virar as costas aos negócios de uma vida. O mais recente foi a Pérola do Rato.
O pequeno restaurante na zona do Rato irá fechar a 26 de novembro. A informação foi confirmada pelo proprietário Sílvio Domingos, que, durante 18 anos, recebeu os clientes que queriam tomar o pequeno-almoço ou provar um dos pratos do dia ao almoço. Agora prepara-se para se despedir do restaurante com mais de três décadas.
Domingos confessa à NiT que recebeu a notícia com “naturalidade”. “O proprietário da loja é chinês e comprou o espaço há 10 anos. Agora, ao fim desta década, denunciaram o nosso contrato e vamos ter de fechar. Mas já estava à espera”, revela.
O proprietário está a par da situação imobiliária lisboeta e já estava a contar que um dia o mesmo destino poderia bater-lhe à porta. “Sabia que isto podia acontecer, porque temos visto o mesmo em vários locais do género na cidade. É uma infelicidade, porque a cidade vai ficar cada vez mais descaracterizada. Além disso, perdem-se postos de trabalho e um negócio tradicional”, lamenta, afirmando que não teve hipótese de negociação.
“Pago 5.200 euros de renda e se houvesse abertura para negociar, poderia haver uma esperança de continuarmos abertos, mas não houve essa abordagem. Recebemos apenas o aviso de denúncia de contrato”, admite.
“O proprietário tem um representante legal que tem falado connosco. Mas verifiquei algumas irregularidades e contactei a minha advogada. Não havia, por exemplo, a verificação da assinatura do proprietário, que estava em mandarim. Disseram que iam tratar. Entretanto, passou-se algum tempo e continuamos sem essa verificação. Agora o responsável referiu que era o representante legal e que assumia tudo desde abril. Mas a denúncia do contrato é de novembro passado. Há discrepância de datas”, adianta.
Sílvio Domingos irá deixar o espaço, de qualquer forma, a 26 de novembro, mas vai entrar com um pedido de indemnização para conseguir pagar aos funcionários que lá trabalham. Dos 10 colaboradores que continuam diariamente do Pérola do Rato, alguns vão ter emprego num outro restaurante que Domingos tem em Lisboa há 13 anos, o Real Fábrica, na Rua da Escola Politécnica. “Não consigo levar todos infelizmente, mas grande parte terá trabalho garantido”, diz.
“O outro restaurante tem uma sala no piso de cima e irei remodelar para servir eventos e almoços ou jantares de grupo. Não posso parar. Tenho quatro filhas para sustentar”, remata, lamentando toda a situação da especulação imobiliária que tem assombrado a capital.
Um restaurante para saborear Portugal
A história do Pérola do Rato começou a ser escrita há cerca de 25 anos. Antigamente era ocupado pelo teatro A Barraca, de Maria do Céu Guerra, antes deste se mudar para Santos. Os primeiros proprietários decidiram abrir um restaurante com pratos típicos portugueses e grelhados, onde trabalhadores, políticos e outras figuras se juntavam para almoçar.
Há 18 anos, Sílvio Domingos comprou o trespasse e continuou com o conceito. O alentejano de 49 anos, sempre trabalhou em restauração. Aos 17 anos deixou a pequena aldeia da Ribeira do Seixal, no concelho de Odemira, para rumar a Lisboa tentar a sua sorte.
Começou a trabalhar num restaurante a servir às mesas e uma década depois estava ser convidado por uma antiga patroa para entrar na sociedade do Tomoyo, na Estrada da Luz. Esteve a gerir o espaço durante dois anos, até que surgiu a oportunidade de ficar com o espaço do Pérola do Rato.

Aproveitou e continuou com o legado que o espaço já tinha. Todos os dias, até fechar, há pratos diferentes, que oscilam entre feijoada, dobrada, mão de vaca, bacalhau à Brás, ou à Lagareiro e, claro, cozido à portuguesa. Na lista há também grelhados, para quem não adora a opção do prato do dia. Os valores oscilam entre os 12 e os 14€ consoante as propostas.
O restaurante tem capacidade para 50 pessoas e não aceita reservas. Em poucos minutos já tem um prato com pão, manteigas para sentir que está numa casa típica portuguesa.

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