Em 1997, o Porto era uma cidade diferente. Os turistas ainda não chegavam aos magotes ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro e os restaurantes eram, na sua maioria, os velhos conhecidos com os pratos clássicos do costume.
Abrir um restaurante étnico, recheado de comida indiana, com os seus sabores fortes e aromas pungentes, parecia um negócio condenado ao insucesso. “Uma loucura”, disseram a Kamal Rajani, quando partilhou a ideia com amigos. Nesse mesmo ano abria as portas o Mendi, o mais antigo indiano da cidade, que 27 anos depois, continua vivo e de boa saúde.
Rajani não se aventurou sozinho. À aventura juntou-se Nelza Tavares, a mulher, que deixou o trabalho como contabilista para ajudar o marido a cumprir o sonho. A arte ensinada pela mãe, nascida em Gujarat, na Índia, é revelada como o segredo da longevidade.
Foi à mãe que Kamal, nascido em Moçambique, recorreu para trazer receitas tradicionais indianas para o Mendi. Depois foi preciso confiar na experiência e sabedoria da equipa de cozinheiros indianos que contratou para criar um dos primeiros espaços com este género de cozinha no País.
“O meu pai não cozinhava. Adorava receber e era muito dedicado a este sonho que o fez deixar a área têxtil em que trabalhava na altura”, diz Mafalda Tavares, filha dos donos e atual gerente do espaço. “A localização, na Boavista, facilitou o sucesso do espaço, mas acho que o bom ambiente, a simpatia do meu pai e o cuidado e a técnica que os cozinheiros têm marcou a diferença.”
Rajani, que trocou Moçambique por Portugal a 25 de abril de 1974, fez o resto da sua vida no Porto. Morreu em 2018, vítima de cancro, mas o restaurante continuou nas mãos seguras da mulher e da filha.
Muita coisa mudou em quase três décadas. A cidade está cada vez mais cosmopolita e já nem é tão difícil garantir as especiarias e os produtos necessários para a confeção dos pratos mais populares. Os clientes, esses continuam fiéis.
“É engraçado porque servimos já várias gerações. Há uns dias veio cá um casal jantar para celebrar o 19.º aniversário da filha e já cá tinham estado quando a mãe estava grávida. Temos muitos clientes e portuenses habituais. Os que não são de cá, sempre que vêm ao Porto, normalmente visitam-nos”, conta a filha de 34 anos, que pôs de lado a área de gestão para ajudar no negócio da família.
Os pratos picantes são os favoritos de clientes habituais e outros menos comuns, como foi o caso dos Sex Pistols, que por ocasião de uma passagem pelo Porto, requisitaram as especialidades mais fortes. Segundo Mariana, foram dos poucos que se atreveram e conseguiram evitar as lágrimas.
Também Nick Cave e a sua banda passaram pelo espaço mais do que uma vez. A esta lista de celebridades juntam-se o pianista russo Sakharov, Catarina Furtado “e uma série de políticos”.
O estatuto de estrela está, porém, reservado para o Murgh Makhani (19,50€), um frango cozinhado em manteiga, natas, tomate e condimentos como cajú em pó e o biryani de gambas (26€), o clássico de arroz aromatizado que neste caso é feito com camarão.
O favorito do fundador do Mendi era o Murgh Karai Masala (19,50€) com pedaços de frango cozinhados em condimentos, tomate, cebola, pimentos verdes e coentros. Uma escolha diferente do resto da família que prefere, por exemplo, as propostas vegetarianas como o Paneer Makhanwala (16,50€) feito à base de queijo fresco, tomate, condimentos, natas, ou o Palak Paneer (16,50€) com cubos de queijo, espinafres, e especiarias.
A filha Mafalda fica-se “pelos mais picantes” como o Murgh Jhalfrezi (19,50€) com gengibre, couve-coração e malaguetas verdes. Um prato também aconselhado até por médicos a grávidas no final da gestação “para acelerar o processo”. “Temos muitas mulheres a vir cá já no final da gravidez por recomendação dos obstetras para que comam malaguetas e tenham um parto rápido.”
Para acalmar o “calor e o picante”, surge o inevitável mango lassi (5€), um batido de iogurte e manga. Já para fechar o jantar ou almoço com algo bem típico e diferente, a família aconselha o kulfi (3,50€), um gelado indiano feito com amêndoas, cardamomo, açafrão e pistácio; e os gulab jamun, bolinhos de leite em pó em calda de açúcar.
Tudo isto pode ser provado num local que parece ter saído de uma das ruas labirínticas de Mumbai. O vermelho garrido e outros tons quentes estão por todo o lado, onde depois se destacam os detalhes trazidos diretamente da Índia. O Mendi tem capacidade para 40 pessoas, mas o melhor é sempre fazer reserva (sobretudo ao fim de semana).
Carregue na galeria para conhecer o Mendi, o indiano mais antigo do Porto.