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Nuno Mendes, o chef que adora o “caos na cozinha” e a “influência portuguesa pelo mundo”

A NiT esteve à conversa com o chef que vai estrear-se este sábado, 20 de setembro, no Chefs on Fire.

Uma tortilha vegetariana, inspirada no Novo México, mas adaptada com ingredientes portugueses. É esta a proposta que Nuno Mendes vai servir este sábado, 20 de setembro, na sua estreia no Chefs on Fire.

O chef, que reparte a vida entre Londres, Lisboa e Porto, aceitou o convite da organização para participar no evento que decorre nos dias 20 e 21 de setembro, no Parque Marechal Carmona, em Cascais. “Já ando a falar com a direção há muito tempo, mas como esta altura do ano coincide com o começo das aulas dos miúdos tem sido difícil marcar presença. Mas este ano proporcionou-se e eu vim com a equipa do Santa Joana para cozinhar um prato especial”, explica à NiT o cozinheiro de 52 anos.

A inspiração para o prato veio das memórias dos tempos em que viveu em Santa Fé, no Novo México. A base será a tortilha, mas com uma reinterpretação portuguesa. “Durante o tempo que vivi no país apaixonei-me pela forma de cozinhar no norte”, conta. E trouxe consigo algumas técnicas e receitas.

A tortilha será feita com grão-de-bico e um molho preparado com “ingredientes portugueses”, como os frutos secos. Será depois recheada com couve-flor grelhada, pickles “para dar um bocadinho de acidez e bastantes ervas e chilli”. “É tudo feito com produtos nacionais, inspirado nas minhas viagens e traduzido em algo com identidade portuguesa”, sublinha.

Trazer memórias para o prato é um dos métodos de trabalho do chef, que ainda jovem sonhava ser biólogo marinho. Com esse sonho na mala, viajou para Miami aos 18 anos, onde começou a estudar. Uma vontade que nasceu em frente à televisão, onde via maravilhado “As Aventuras de Jacques Cousteau”, transmitido na RTP2, que explorava os mistérios do oceano.

A meio do curso percebeu que aquela não era a carreira certa. Mudou-se para São Francisco, inscreveu-se na California Culinary Academy e formou-se na área da cozinha. Terminados os estudos, passou pela equipa do chef Wolfgang Puck e depois mudou-se para Nova Iorque, onde trabalhou com Jean Georges. Mais tarde, regressou ao Novo México para explorar um estilo de cozinha diferente.

Ao longo da sua carreira, Nuno Mendes viveu e trabalhou em vários recantos do mundo, de Los Angeles, a Londres, passando pelo Japão, Tailândia e Espanha, onde, neste último, cozinhou no icónico El Bulli. No início dos anos 2000, estabeleceu-se em East London, zona que sempre admirou pelo ambiente artístico e descontraído. A decisão prendeu-se também com a proximidade a Portugal.

Atualmente divide-se entre o nosso País, onde lidera a cozinha do Santa Joana, do Cozinha com Flores, e Londres onde ainda é dono do Lisboeta e do Rose Deal”

A NiT falou com o chef a propósito da estreia no Chefs on Fire e aproveitou para saber mais sobre os projetos que se seguem.

Como é que surge a ideia para este prato que vai poder ser provado no Chefs on Fire?
Tanto no Santa Joana, como no Cozinha com Flores, ou mesmo em Londres, baseio-me muito nas minhas viagens. Acho que isto conta um bocadinho a nossa história e é giro porque eu ao viajar vi, aprendi muito acerca da cozinha portuguesa, porque vi a presença da cozinha portuguesa e de ingredientes portugueses e de adaptações da nossa cozinha. Ou seja, o ADN continua, mas vai mudando, pois os ingredientes que são disponíveis nessa zona são diferentes, portanto vê-se que há toques feitos para fazer esse ajuste, mas o ADN continua a ser português. Então isso é um grande ponto de inspiração e também agora ajuda-me a traduzir um bocadinho as experiências que tive e trazer algumas dessas coisas para Lisboa.

E qual é que foi dos pratos que viu lá fora, da presença portuguesa, que mais o marcou?
Acho que a cozinha que talvez mais me apaixonou foi a goesa, que é uma cozinha portuguesa que foi muito adaptada às condições de Goa. Lembro-me nomeadamente dos pratos como a carne de porco e a vinha de alhos, que se transformou no vinho de alho. A tradição e a variedade de pratos portugueses ou de inspiração portuguesa que se vê no Japão também me surpreendeu.

Por exemplo?
Os fios de ovos que se veem na cozinha japonesa são muito portugueses e isso é uma coisa que me apaixona.

Essa influência portuguesa fascina-o?
No norte da Tailândia há uma grande presença portuguesa. A tradição dos nossos doces conventuais portugueses foi continuada lá. Também percebi que há uma forte presença da cozinha portuguesa na Malásia, na China, em Macau, no Havai, no Quénia e na África do Sul. É fascinante e uma grande fonte de inspiração e é giro ver como se foi adaptando a territórios diferentes, a climas diferentes, a produtos diferentes.

Esta visão do mundo transformou a sua forma de cozinhar?
Claramente. Uso muito as memórias e acho importante divulgar o quanto Portugal é reconhecido lá fora, quando falamos da cozinha.

E agora que está entre Portugal e Londres. Como é que gera mais memórias?
Passo metade do meu tempo em Portugal e a outra metade em Londres e assim consigo estar exposto a uma realidade completamente diferente. Há coisas novas todos os dias.

Já teve vários projetos em Londres. O mais recente está prestes a fechar, o Lisboeta. O que ditou este encerramento?
Neste momento estou a preparar-me para fazer outras coisas em Londres e continuo com os meus projetos em Portugal. Estou a preparar-me para o próximo ano, que terá várias novidades. O Lisboeta vai fechar e dar lugar a novos projetos.

O Lisboeta foi um sucesso e isso percebeu-se na reação ao anúncio do encerramento.
Acho que construímos uma boa marca e gostava de continuar a celebrá-la e acho que tem espaço para ser celebrado noutros territórios. Não quero fazer uma coisa muito grande, mas este espaço tem a ambição para estar representada noutros sítios e noutros territórios e estou a explorar isso.

E é um objetivo.
Sim, é. Mas neste momento estou focado também no Santa Joana, em Lisboa, na Cozinha das Flores, no Porto e no The Rose Deal, que fica na costa inglesa. Depois só tenho mais outras consultorias e projetos futuros que estou a trabalhar.

Divide-se em tantos espaços. A sua assinatura está muito presente em cada um deles? De que forma?
Nem por isso. Eu gosto de trabalhar cada projeto de forma individual, porque acho que cada um tem a sua identidade, tem o seu mérito. Tento olhar para cada um de forma única e singular e tento pensar no conceito de forma muito personalizada. Gosto que sejam diferentes e que cada um tenha o seu caráter. Isso deixa-me orgulhoso.

E como é que definiria a sua cozinha?
Como uma cozinha de loucos, com caos. É muito inspirada pelo que eu vi e aprendi primeiro em Portugal, mas também com uma grande inspiração nas minhas viagens, no que eu experimentei à volta do mundo e depois nas técnicas que fui aprendendo. Acho que é técnica, tradição, produto, histórias, acho que é tão importante. Não é uma combinação de ingredientes, há história por trás, há memórias, há substâncias.

As memórias estão sempre presentes?
Em certos casos tem a ver com as minhas memórias pessoais, outras vezes com viagens que fiz, outras vezes com a maneira como um produto varia e é utilizado num país, numa cultura completamente diferente da nossa, que remete um bocadinho à maneira como nós fazemos as coisas e estamos a ser essa ponte. Gosto que seja uma cozinha divertida, que seja uma cozinha alegre, com paixão, com amor.

Tem de haver alegria?
Sim, a cozinha tem que ser um espaço onde há alegria, onde se sente quem trabalha, quem está envolvido, mesmo no restaurante. É um espaço familiar, de família, de amigos, onde há amizade, onde há boa disposição, onde há um alinhamento, onde há uma união. E acho que isso também é uma coisa que é muito importante e que se sente.

A comida acaba por ser secundária?
A comida, a bebida são detalhes, são pedaços dessa experiência que crescem. Não são o foco principal.

Qual é o seu prato favorito?
Como muita comida japonesa, mas japonesa-portuguesa. Em Portugal gosto muito de ir às tascas, de provar coisas giras nas tascas. Em casa, se calhar, a minha despensa tem um grande número de produtos de condimentos e de várias coisas japonesas, mas tento usá-los num formato que seja mais fluido e menos completamente japonês. Usando o produto que tenho aqui em casa, usando tendências mais europeias, mas incluir temperos e condimentos japoneses, porque eu gosto do sabor deles e gosto da maneira como eles se ligam com produtos simples, por exemplo, uma salada de tomate, eu gosto de pôr um bocadinho de soja, um bocadinho de dashi com azeite e depois um bocadinho de togarashi, por exemplo. E depois ainda acrescento salsa e a cebola. Continua a ser uma salada de tomate, mas com diferentes camadas que criam uma textura na boca diferente.

Que tascas gosta de visitar?
Adoro o projeto do Velho Eurico e gosto de ir a uma tasca que se chama Das Flores, é muito familiar, só abre ao almoço com pratos do dia diferentes. É tudo simples e com muito sabor. Há muitas outras, umas modernas, umas antigas, que eu adoro. E continuo lá a ir quando posso.

Mas não deve sobrar muito tempo para comer.
Sim, quando estou e Lisboa estou sempre a trabalhar e depois passo muito tempo em aeroportos, que é uma coisa que gostava de, mais cedo ou mais tarde, tentar mudar. Depois sinto que, pronto, logicamente, já não passo o tempo que passava na cozinha. Passo muito tempo a resolver problemas e a delinear estratégias. Mas agora ando a tentar por as coisas em andamento para conseguir voltar à cozinha.

E os filhos? Interessam-se pela área?
Já começam a interessar-se. Tenho uma filha com 14 e os gémeos com 12. Mas agora evito levá-los a restaurantes de amigos meus porque passo muito tempo a conversar e a provar coisas em vez de estar com eles. Quando estão de férias vamos a sítios que eles gostam.

Já os puxa para cozinhar?
Devagarinho, não gosto nem os quero forçar. Cada um tem a sua personalidade e tem de seguir o seu rumo. Acho que não é justo influenciá-los.

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