Como a chuva e o frio que não nos largam, decidi ir ao O Belmiro para começar esta aventura gastronómica com o icónico arroz de perdiz. Uma perdição — e um dos pratos que mais me faz querer sair de casa para comer, faça chuva ou faça sol. Ainda assim, quando temos de usar camadas e camadas de roupa tipo cebola porque o frio teima em não nos deixar, o prato sabe ainda melhor.
É um prato que nasceu num daqueles dias em que o chef Belmiro estava a ver um jogo do seu Benfica com uns amigos da sua aldeia de Fiolhoso, em Trás-os-Montes. A única coisa que tinha em casa era escabeche de perdiz. Com o entusiasmo do jogo, a fome e a escassez de ingredientes, juntou apenas arroz, fez um caldo e acrescentou a perdiz.
A reação dos amigos foi tão boa que o prato passou a integrar a carta do restaurante. No prato, o arroz carolino, cremoso, assenta numa cama de caldo cheio de sabor, com um pontapé de acidez do vinagre do escabeche. A cada garfada, há um misto de conforto e vivacidade. O caldo é dominante e a peça de perdiz, rigorosamente desfiada, dá o equilíbrio perfeito na dança entre o volume do arroz, o conforto do caldo, a energia do escabeche e o sabor da carne de caça.
Estamos no fim da época da caça à perdiz, por isso recomendo que corram até ao O Belmiro e provem um dos melhores pratos de conforto que a cidade tem para oferecer. O chef Belmiro é um chef para os chefs — e não me engano muito se disser que é o rei da comida de tacho na cidade. Nas entradas, voaram as suas famosas favas de coentrada, os cogumelos salteados, as míticas empadas e os ovos à Belmiro, super suculentos.
Para acompanhar este repasto, escolhi um Baga com pouca extração e tanino fino, com muita acidez, como manda a lei na génese bairradina. É o ideal para acompanhar a acidez do vinagre deste prato cheio de personalidade.
A história singular do chef
Com apenas 16 anos, após a morte da avó, Belmiro mudou-se para Lisboa para a casa de uma tia. Interrompeu os estudos e no dia seguinte a chegar à capital já estava a trabalhar na Adega da Tia Matilde.
Apesar de ter uma uma história de vida pouco comum, Belmiro decidiu aventurar-se no mundo da gastronomia com o sócio José Duarte com a abertura do Salsa & Coentros, em Alvalade, aberto em 2004.
Tornou-se rapidamente numa referência da gastronomia lisboeta e em 2014 decidiu que queria mais e abriu o Bel’Empada, na Avenida João XXI, onde se dedicava às especialidades que o tornaram conhecido (arroz de cabidela, feijoada, mão de vaca). Depois decidiu vendê-lo e dias antes de a pandemia chegar a Portugal estreou-se a solo no restaurante homónimo, espaço que hoje é conhecido por ter um dos melhores cozidos do país.