O momento era de celebração. Os jogadores da Argentina acabavam de conquistar o Campeonato do Mundo de Futebol num jogo à justa, disputado até aos penáltis. Enquanto os atletas exaustos se abraçavam, um indivíduo parecia querer despertar a atenção de Lionel Messi, a estrela da equipa. Entre empurrões e agarrões, o craque argentino vira-se repentinamente para perceber quem o puxava e, com cara de poucos amigos, ignora-o, perante a insistência.
Atrás de si estava uma figura improvável, o chef turco que se tornou viral e figura pública nas redes sociais, mais conhecido por Salt Bae. Mas se não é jogador, não faz parte do staff de nenhuma das equipas e tão pouco é familiar de um dos craques, o que fazia o chef turco no relvado?
Essa é a questão que todos colocam por estes dias, até a FIFA, que decidiu abrir uma investigação para averiguar como é que Salt Bae teve acesso ao relvado. O caso até poderia ter passado incólume, caso o empresário turco se tivesse mantido discreto. Não foi o que aconteceu.
As redes sociais rapidamente se inundaram com a insistência de Salt Bae, que parece ter irritado Lionel Messi. Outros jogadores foram menos ríspidos e encolheram os ombros à medida que o intruso interrompia as suas celebrações, numa tentativa de agarrar as suas medalhas e o troféu mais cobiçado, a taça dourada entregue aos campeões.
“Após uma análise cuidada, a FIFA está a tentar perceber como é que certos indivíduos tiveram acesso indevido ao relvado após a cerimónia de encerramento no estádio Lusail a 18 de dezembro”, comunicou a organizadora do evento. “Serão tomadas as medidas internas apropriadas.”
Figura quase omnipresente nas centenas de fotografias tiradas durante a festa, Salt Bae irritou não só os jogadores mas também os adeptos, que consideraram o comportamento “inaceitável” e “desrespeitador”. É possível vê-lo ao lado de tudo e todos. A morder a medalha de ouro de Franco Armani, a tirar fotos com Di Maria, a simular o seu gesto famoso, como se estivesse a salpicar a taça com sal — e sozinho, dentro da baliza, a erguer e a beijar o troféu, como se de um campeão se tratasse.
O desagrado dos fãs rapidamente chegou às redes sociais de Salt Bae, que optou por se justificar através da partilha de um vídeo antigo, onde surge na companhia de Messi num dos seus restaurantes. Os futebolistas são, de resto, alguns dos seus mais fiéis clientes, apaixonados pela exuberância e artifícios com que serve os costeletões banhados a ouro.
O vídeo, que pretendia de certa forma sublinhar que é amigo de Lionel Messi, não funcionou como Salt Bae previa. E relativamente à questão sobre a forma como o turco conseguiu aceder ao relvado, muitos órgãos de comunicação social têm apontado que não são apenas os futebolistas que frequentam o restaurante Nusr-Et. Em 2021, o presidente da FIFA, Gianni Infantino, partilhou um vídeo ao lado do chef turco, mas não foi caso único.
Os dois chegaram a encontrar-se durante o Mundial, no restaurante de Doha do chef turco. No vídeo, abraçam-se e Infantino fala para a câmara: “Do fundo do meu coração, quando estou a aqui com o Nusret… Um Mundial lindo, toda a gente junta. O futebol une o mundo, o Nusret une o mundo também”.
O chef deixa várias palavras de elogio à FIFA, às quais o presidente responde. “O Nusret é top, é o melhor. É um irmão.” A aparente relação próxima entre o chef e o presidente da FIFA levantou suspeitas sobre a forma como foram desrespeitadas as apertadas normas de segurança da final.
Quem é Salt Bae, o encantador de futebolistas
De Messi a Maradona, de Ronaldo a Beckham. Parece haver uma atração magnética entre o turco cujo nome verdadeiro é Nusret Gokce e os futebolistas. Na verdade, em 2017, poucos sabiam quem era este empresário turco, que precisou apenas de 36 segundos para se tornar viral. Foi com uma simples pitada de sal que escorre do seu antebraço para a carne que se transformou num meme. Cinco anos depois, é um empresário de sucesso com restaurantes na Turquia, Dubai, Catar ou Londres.
Antes de Gokce se tornar viral, já geria uma cadeia de steakhouses e hamburguerias na Turquia. Hoje, a sua cadeia de steakhouses, a Nusr-Et, tem perto de 20 espaços espalhados pelos locais mais luxuosos do mundo, dos Estados Unidos ao Médio Oriente. A sua pequena dança da carne tornou-se também numa espécie de chamariz para figuras públicas e, sobretudo, para futebolistas. Os futebolistas são loucos por Gokce — e ele por eles.
Quase tão famoso como o vídeo original, é o da visita de Diego Maradona a um dos espaços, onde alinha na coreografia de Salt Bae como só o génio argentino poderia fazer. A seguir à estrela argentina, a lista de craques é longa, demasiado longa.
Também esse sucesso poderá explicar-se facilmente: na cozinha e na mesa de Salt Bae, tudo é feito para o espetáculo. O meme é também o segredo do negócio: todos fazem fila à porta para, a cada noite, recriarem o vídeo que se tornou famoso em 2017.
Além disso, os preços são caros, muito caros, o que lhe dá um toque de exclusividade. E o excesso que atrai tantos extravagantes futebolistas está perfeitamente visível na estrela da carta, um enorme Tomahawk que chega à mesa envolvido em folha de ouro comestível, vendidos nos Estados Unidos a mais de 800€ cada um.
Dos memes às críticas
“Agarrou uma pitada de sal, torceu o braço a imitar o pescoço de um ganso e agitou os dedos para que o sal caísse até ao cotovelo e depois para cima do bife. Foi ligeiramente estranho e também ligeiramente nojento”, escreveu o crítico local da revista gastronómica “Eater” depois da visita ao recém-inaugurado espaço de Nova Iorque.
A insatisfação não se ficou por aí. Do espaço que serve apenas carne de vaca — com cortes que podem ir dos 50€ aos 230€ —, reteve a quase inexistência de carne maturada.
Foi brindado com a coreografia de Gokce, revelada “com uma eficácia e um magnetismo impressionante”. “Mas já tínhamos visto isso muitas vezes, umas no telemóvel, agora ao vivo, e pareceu tudo um pouco insonso. A peça precisa de um segundo ato.”
Do lado da “GQ”, outro crítico atirou-se à carne. “O bife é transcendente? Não. É vulgar, um pouco duro e algo insípido.” E perante a pergunta se algum desses fatores importa, a resposta é breve: “Não importa [se a comida é má]. Uma pessoa não visita o Salt Bae por causa do bife, tanto quanto quem vai à missa não está lá pela qualidade das óstias.”
Outro crítico foi ainda mais duro e queixou-se do “ribeye rijo como uma sola” e “carregado de bolas de gordura”. Não hesitou no momento de chamar ao restaurante de Gokce o “Embuste Público Número Um”.
Não foram apenas os críticos que atormentaram a chegada de Gokce aos Estados Unidos. Até a sua coreografia ficou em risco, quando uma artigo online levantou dúvidas sobre o cumprimento das regras de higiene e segurança do seu famoso espalhar do sal.
Ao manusear os alimentos diretamente com as mãos e sem qualquer proteção, diziam os críticos, estaria a incumprir os códigos em vigor, criados pelo Departamento da Saúde. Não só por interferir com comida pronta a consumir, mas também por usar joalharia nos braços e mãos, com as quais o sal entra em contacto.
Se Gokce não ligou aos críticos gastronómicos — “só vendo as melhores carnes”, reclamou —, ouviu as recomendações e, nos Estados Unidos, passou a replicar o meme sempre com umas elegantes luvas pretas.
O miúdo que gostava de carne
Aos 37 anos, Salt Bae é mundialmente famoso. Nem sempre foi assim. Nascido numa família turca de origens curdas e humildes, foi obrigado a deixar a escola antes do secundário. Os pais não tinham dinheiro para o manter a estudar.
Foi, então, trabalhar para o talho do mercado de Bostanci, onde chegou como aprendiz. Aprendeu a arte entre os mestres, em horários punitivos: chegava-se a trabalhar quase 18 horas num só dia.
Do talho saltou para um ponto intermédio: um restaurante com conceito de talho, onde chegou em 2007. Mas Gokce queria mais e decidiu viajar para um dos países onde a carne é venerada.
As férias de três meses na Argentina, entre talhos e restaurantes, deram-lhe uma nova perspetiva e, de regresso à Turquia, decidiu que iria tentar a sorte em Nova Iorque. De estágio em estágio, muitos não remunerados, acumulou experiência valiosa para concretizar o sonho de criar o seu próprio restaurante no seu país.
Desempregado e de volta a Istambul, precisou da ajuda de um velho amigo que se tornou investidor. As portas abriram, Gokce serviu a sua carne e foi um sucesso. Em menos de meio ano, pagou a dívida. A partir daí veio o lucro.
Em 2012, um grupo de investimento ajudou-o a internacionalizar a cadeia Nusr Et. E quem tiver umas boas centenas de euros para gastar, poderá ter a experiência ao vivo, esteja em Abu Dhabi, em Doha, em Jeddah, em Mykonos, Miami, Nova Iorque, Los Angeles e Londres.