As mesas da sala do Bistro 100 Maneiras, do Chiado, em Lisboa, não estão montadas como seria normal para receber clientes. Nada de cadeiras, copos, talheres ou guardanapos. O restaurante está fechado e o espaço está todo mudado, junto à saída da cozinha. Foi criada uma autêntica linha de montagem. De um lado, há uma mesa cheia de sacos de papel abertos. Do outro, mesas corridas junto ao longo sofá, também ele corrido, com tudo o que é preciso para finalizar os pedidos do delivery. A NiT passou esta terça-feira, 20 de janeiro, pelo 100 Maneiras para assistir ao serviço durante o arranque da fase de confinamento.
Há caixas de várias formas e feitios, tudo depende do produto que será servido, autocolantes a preto e branco, com imagens criadas por artistas com quem Ljubomir Stanisic já trabalha há algum tempo, como Mário Belém e Hugo Makarov, o tatuador do chef, e uma zona onde são colocados os tickets das várias encomendas da noite.
Desde o início de dezembro, ainda antes de ganhar a estrela Michelin com o 100 Maneiras do Bairro Alto, em Lisboa, o chef estreava o menu de delivery. Há umas semanas tinha contado à NiT que era algo que nunca tinha pensado fazer. Agora já se sente mais conformado com a ideia.
“Não sabíamos como funcionava e também nunca na vida tínhamos feito delivery, nem take-away. Estava um pouco resistente, mas rapidamente tivemos que nos adaptar”, explica à NiT. Com a obrigatoriedade de ter os espaços fechados esta seria a única maneira de continuar a ter alguma faturação.
“Para mim foi muito difícil, tenho de admitir, porque toda a minha vida fiz a comida dentro de pratos e esse sempre foi um grande objetivo. Mas tive de me adaptar e arranjar a maneira mais correta e mais bonita de fazer a comida chegar a casa das pessoas tal e qual como seria dentro de um prato. Não foi fácil.”
Pouco mais de um mês depois de ter arrancado como serviço não se pode dizer que esteja 100 por cento satisfeito com o resultado que apresenta a quem encomenda as propostas do 100 Maneiras 2Go. “Satisfeito não digo, mas estou mais habituado.”
O serviço foi testado durante uma semana, tudo para garantirem a mesma qualidade. “Um dos meus sócios andou de mota a fazer cinco quilómetros à volta do bairro e voltava para o restaurante para testarmos a comida e ver o que podíamos melhorar.”
O mais complicado de todo este processo tem sido a coordenação com os estafetas, isto quando não são os próprios sócios do 100 Maneiras, e até mesmo Ljubomir, a fazer as entregas, como acabou por acontecer nesta noite em que acompanhamos o serviço.
“Às vezes temos de estar nós à espera deles e não eles à espera de comida para levar. Mas isto acho que se deve ao facto e haver muitos pedidos. É um novo boom de negócios, um cogumelo novo.”
A equipa do Bistro 100 Maneiras, onde é feito todo o serviço de delivery, está reduzida, mas ainda assim não deixam de existir colaboradores nos vários pontos importantes em todo o esquema que foi montado no restaurante.
Os pedidos chegam à caixa, que fica logo à entrada do Bistro, ao lado do balcão de bar. Aqui são impressos para serem colocados na zona de montagem dos pedidos. A cozinha, onde está a comandar o chef Eugeniu Musteata, tem outra impressora de onde saem também a indicações com os pratos que são precisos. Quem não se lembra dos gritos de Ljubomir em “Pesadelo na Cozinha” quando não havia pedidos escritos?
Aqui, claro, está tudo organizado e de pouca intervenção precisa do chef. Raras foram as vezes durante toda o serviço que entrou na cozinha. Quando tirámos uns minutos para falar com Ljubomir avisou a equipa: “Continuem a trabalhar, não parem o serviço.”
Às 18h30 tínhamos de o libertar para o sorteio que estava já agendado nas redes sociais. Ljubomir tinha de retirar um dos pedidos de dentro de um pote para sortear quem iria ganhar a entrega feita pelo chef e um voucher para usar mais tarde quando o restaurante voltar a abrir.
“Devia ter pedido à Mónica [a mulher] para fazer um pedido também”, brincou. O sorteio atrasou-se uns sete minutos, culpa da NiT. “Helena Alves, daqui a pouco vou estar em tua casa”, disse para o direto que estava a ser feito no Instagram do 100 Maneiras. “É o LjuberEats”, atirou um dos sócios que também estava ali ao lado, na zona do bar do restaurante, a assistir.
A música voltou a fazer-se ouvir em todo o restaurante, só tinha sido desligada durante os poucos minutos em que durou este direto. A seleção era bastante eclética. Tanto ouvimos “Begin”, de Madcon, “Lazy Sun”, de An-2, “You No Fit Touch Am”, ou “Sign Your Name” de Terence Trent D’Arby.
Tal como a música é uma constante durante um serviço normal do restaurante, se bem que aqui estava um pouco mais alta do que o habitual, também os empregados mantêm as fardas com que servem os clientes às mesas quando o Bistro 100 Maneiras está aberto: T-Shirt e calças pretas e coldres em tons castanhos que são usados para colocarem alguns utensílios que precisam.
O pedido que Ljubomir ia levar só precisava de sair pelas 20 horas. Antes disso, muitos outros saíram da cozinha, passaram pela zona de montagem para receberem os autocolantes nas caixas, que são diferentes se o prato é frio, quente, uma entrada ou sobremesa, e entraram nos sacos. Só depois seguiam para a área de entrega.
É numa zona de estufas quentes que os pedidos são guardados antes da chegada de estafetas, tudo para os manter à temperatura ideal. A entrega não é feita pela porta principal do Largo da Trindade, mas sim por outra secundária, mais usada para o serviço, na Rua da Misericódia.
Entre as sugestões mais pedidas estão as pitas. “As pessoas pedem muito as pitas. Pitas de lombo, pitas de camarão, pitas de porco, mas também a cabeça de vaca ou o ceviche. Têm curiosidade, gostam, pedem a segunda vez, pedem terceira vez e já querem conhecer o menu completo”, explica Stanisic.
Assim que o pedido entra, na cozinha Eugeniu Musteata começa por preparar as caixas ao escrever em cada uma o que irá servir. Segue-se a preparação, o empratamento e o chamar para o serviço, tal como se o restaurante estivesse no seu funcionamento normal. As caixas são colocadas sobre uma bandeja e levadas para a zona onde são finalizadas com os tais autocolantes antes de ir para dentro dos sacos.
“Já tens as coisas para o próximo?”, pergunta Ljubomir a Eugeniu Musteata numa das poucas vezes que passou as portas da cozinha. Com pouco mais de um mês de funcionamento a dinâmica do delivery já foi criada em toda a equipa e a intervenção de Stanisic não é necessária.
Depois de ligarem para Helena Alves, a senhora que venceu o sorteio, perceberam que os pratos tinham sido pedidos porque a filha, Eva, fazia 21 anos. Do bar grita-se para a cozinha onde está Eugeniu. “Oh, chef, oh, um bolinho, um bolinho e uma vela para o pedido das oito que o chef vai entregar que a menina faz anos.”
Este não foi preciso apontar e não ficou esquecido. Eva não era a única a receber presentes naquela noite. Também Ljubomir foi surpreendido por Pedro Cardoso do Solar dos Presuntos que enviou uma refeição do delivery que também está a fazer.
“O cabrão, mandou-me lampreia. Ele tinha prometido. É a primeira do ano.” Tiradas as devidas fotos para as redes sociais, a prova que tanto esperava. “Está genial, comam enquanto há.” Ofereceu aos vários colabores e até aos jornalistas de NiT.
O serviço continua a trabalhar bem, dentro do que são as limitações de um delivery. “Está a rolar”, exclama o chef ao ver os pedidos a sair. Além da lampreia e de umas conservas que o chef tinha acabado de receber de uma empresa espanhola, houve mais provas neste início de noite no Bistro 100 Maneiras.
“O chef Luis Ortiz já está a preparar uns tacos para o pop up que vamos fazer.” Ao menu habitual do 2Go serão acrescentadas algumas sugestões do chef mexicano apenas durante algumas semanas. Faltava menos de meia hora para Ljubomir ter de sair do Chiado em direção a Benfica, mas não ia sem nada no estômago. Já tinha as conservas, o arroz branco e a lampreia, mas faltava qualquer coisa. “Só quero um taquito antes para depois ir levar o pedido à senhora.”
Mais uma vez, Ljubomir foi o primeiro a provar. Luis Ortiz preparou duas sugestões, um taco al pastor e outro de borrego que é cozinhado durante 24 horas. “Vão provar enquanto há.” Saiu da mesa com grande ar de satisfação e com braços do ar. Viu ali mais um produto vencedor e só conseguia dizer que todos tinham de provar. A tamanhos elogios vindos do chef lá fomos, ainda a tempo de apanhar um dos pedaços.
“O meu já está pronto?”, perguntou. “Tem bolo e vela?” Dali a poucos minutos tinha de sair. Era às 20 horas que estava agendado, mas Helena ira ter de esperar mais um pouco. “Cinco quilómetros? Tão perto? Pensei que era na Reboleira. Mete isso no carro e vamos embora.” À porta do Bistro já tinha o automóvel pronto. Metido o Waze com a morada, seguimos viagem. “Gostam de rock? Então vão gostar do meu documentário.” No curto trajeto houve tempo para falar de “Coração na Boca”, que vai estrear na plataforma OPTO da SIC, a 26 de janeiro, com músicas de Rodrigo Leão e de Legendary Tigerman, do Canelas e do “Pesadelo na Cozinha”, já que passamos pelo restaurante na zona de Campolide, e até do “Hell’s Kitchen” que estreia no primeiro trimestre do ano.
Quando lhe pedimos para colocar o microfone, antes de entrarmos no prédio, fazer a surpresa e entregar o pedido, lembrou-se dos que usa diariamente nas gravações. “Este é muito mais pequeno, os que uso têm quase um quilo. Tenho de andar com aquilo às costas todo o dia.”
Neste dia, estava de folga das gravações, que têm sido intensas, mas mesmo assim não deixou de trabalhar e fazer a entrega tal como estava previsto. Subidos os dois andares, de escadas que o prédio não tinha elevador, Ljubomir entregou a refeição pedida, o bolo e o voucher à aniversariante. “Estou tão nervosa. Já liguei às amigas todas a dizer que vinhas cá”, disse a mãe, Helena. Uma selfie tirada, tudo de máscara, claro, e seguimos de regresso até ao Bistro.
“Só tenho mais uma entrega a fazer e depois vou-me embora que amanhã entro às seis da manhã.” Passava pouco das 20h30 quando nos despedimos do chef. Ainda passamos pelo restaurante para perceber como estava o serviço àquela hora. Tudo mais calmo, já com os empregados a jantar bifes salteados com batatas e uma salada de beterraba, tudo colocado em tabuleiros e em modo self-service. “Se calhar não precisamos de estar abertos depois das dez”, atirou o chef antes de sair.
Houve noites em que chegaram a ter 40 pedidos, mas isso não é nada para Ljubomir. “Gosto é da pressão, de rodar mesas, de ter 200 pessoas ali.” Por enquanto é desta forma que o Bistro se mantém a funcionar. Já o 100 Maneiras, um dos mais recentes duas estrelas Michelin de Lisboa, espera que a pandemia e as medidas impostas deixem o chef voltar aos comandos da cozinha. Por enquanto, só o tem feito nas gravações do “Hell’s Kitchen”.
Carregue na galeria para conhecer mais sobre o serviço de entregas do 100 Maneiras.