Restaurantes

O ex-concorrente do “Hell´s Kitchen” que chegou ao Estórias para escrever um novo capítulo

Rafael Ribeiro tem metade da idade do restaurante da Casa da Comida, mas não se deixou intimidar e garante a excelência do serviço.
O jovem promessa.

“Abrir um projeto é fácil, mas fazê-lo num espaço com história, ter de se adaptar a isso, ao staff, aos patrões que têm uma empresa com 46 anos, pode correr muito bem ou muito mal”. A NiT falou com Rafael Ribeiro, ex-concorrente do “Hell’s kitchen” e o novo chef do Estórias na Casa da Comida. Ao que tudo indica, o novo capítulo do restaurante da capital não podia estar a correr melhor.

Nova ementa e equipa renovada: pela primeira vez no longo percurso do projeto fundado por Jorge Vale em 1977, o Estórias tem um chef com 22 anos. Mas é Salomé Alcântara, a sobrinha do fundador e atual responsável (juntamente com Rogério Alcântara) pelo negócio quem nos garante que acreditaram logo nele. “Tem muito brio e é super responsável. Nem parece ter a idade que tem”. Se aqui a adaptação não foi difícil, o mesmo não aconteceu noutros sítios.

“Já sofri com o preconceito da idade”, diz-nos. “Mas, quando nos empenhamos, o ser novo não é um fator”, assegura. Em agosto chegou ao número 1 da Travessa das Amoreiras e veio pronto para mudar. O frango foi uma das primeiras sugestões a incluir na carta. “Frango? Não vamos dar isso aos clientes” — Salomé e Rogério não podiam acreditar no que ouviam. “Mas a verdade é que o Rafael pegou nesta proteína que não é vista como nobre e transformou-a num prato bastante interessante e que se vende bastante”.

Quem aqui chega já não é servido com bandeja nem com os gestos nobres de levantar a tampa ao pé do cliente, mas nem por isso a experiência é menos distinta. Afinal, os detalhes continuam distinguir a marca e são os talheres de prata, a parede de azulejos de origem e a fonte que ainda deita água a encantar qualquer visitante.

E se os clientes mais antigos se espantam pela falta de toalhas, os mais recentes perdem-se com os títulos dos livros colocados em todas as paredes. Entre eles, há mesmo um que é considerado “a Bíblia da Casa da Comida”.  Chama-se “4 Estações na Casa da Comida” e foi escrito por Jorge Vale. Nas suas muitas páginas tem algumas das receitas mais clássicas do Estórias — e é mesmo lá que se encontram os pratos que Salomé não deixa que Rafael tire da carta (como a perdiz de escabeche, 12€, ou um molho que o chef considera incrível).

Ainda que o jovem utilize a obra para replicar essas iguarias indispensáveis e pedidas pelos clientes que já pertencem à casa, confessa-nos que não o estudou a 100 por cento, nem tampouco conhecia verdadeiramente o Estórias. Ouviu falar da vaga numa formação que guiava, mas diz nem ter dado muito atenção. “Na altura, associei-o ao catering e não tinha nada que ver comigo”. Bastou uma visita para que ficasse completamente rendido. “Assim que aqui entrei e vi a sala e as condições da cozinha, apaixonei-me”, afirma com um sorriso de culpa.

Sem gostar de confirmar o trabalho feito anteriormente — “quando o fazemos há uma tendência para imitar” —, limitou-se a refazer e a inovar uma carta antiga. Do típico (“mas reformulado”) ao diferente, surgem agora pelas mãos do jovem sugestões para todos o tipo de clientes. “Todos feitos para criar uma experiência, cheia de sabor”. A partir de abril, porém, pode contar com novidades. É que Rafael quer que os clientes possam conhecer um pouco das histórias do Estórias e vai preparar, para isso, um menu de degustação diferente dos pratos feitos agora.

Adepto de uma cozinha portuguesa contemporânea, utiliza técnicas atuais, para fazer alterações “não muito drásticas”, mas suficientes para mudar os palatos. A carta versátil está agora cheia de “sabores mais fortes, muito texturizados” preparados com produtos típicos de produtores mais pequenos. E nem o elemento mais antigo da equipa — o Jorge, que conta com quase 40 anos de casa e que já aqui trabalha desde os 14 anos — impediu as renovações.

Além do crepinete de frango (22€), feito com um mil folhas de batata, manteiga clarificada com especiarias, um molho de moscatel roxo e força bruta contra um tabuleiro, os peixes também são muito trabalhados. Ainda assim, é o bife do lombo (28€) um dos pratos mais pedidos. “Odeio que as pessoas gostem, mas adoram. Sobretudo americanos. E acontece o mesmo no catering”, brinca Salomé.

Sim, porque a Casa da Comida tem também o catering, que conta com alguns dos mesmos clientes há já 30 anos. “Habituámo-los a um serviço premium e se assim não fosse, não existiríamos há tanto tempo”, diz a responsável. Mas avança: “não digo que tenha sido fácil. Tivemos de adaptar técnicas, loiças. Houve muitos progressos da vida e as pessoas estão à procura da perfeição”.

Atrás do mesmo está Rafael, com o seu perfil exigente e perfecionista. “Há qualidade na confeção, nos produtos que utilizamos e é tudo feito de origem. Os nossos molhos levam 48 horas a produzir. Temos uma especialidade de pão de curcuma que demora três dias a fermentar. A comida é feita com amor, passando por todo um processo de controlo de qualidade”, promete.

Para que consigam tornar uma ida ao Estórias num momento único, em que cada cliente se sente num prolongamento da sua casa, as “correrias saudáveis” são uma constante. Mas apenas para os quatro elementos escondidos na cozinha. Cá fora, todos garantem um serviço “relax, totalmente confortável e informal q.b”. É por isso que, para Salomé, o objetivo não é, “nem nunca foi”, rodar as reservas. “Por noite, recebemos uma média de 30 a 35 visitantes, o que é ótimo”.

O cenário muda quando se comemoram eventos, como festas de aniversário, batizados ou jantares de grupo, já que o restaurante tem capacidade para até 60 pessoas.

História da Casa da Comida

O estabelecimento foi fundado por Jorge Vale em 1977, a pedido dos amigos, numa altura em que, segundo Salomé, “nem haviam chefs de cozinha”. O pioneiro nasceu em 1939, fez o curso do Conservatório e seguiu a carreira de ator, tendo estado vários anos na Casa da Comédia. Em 1976, deu os primeiros passos na restauração e abriu A Flôr da Castilho. Pouco tempo depois, abandona a carreira de ator para abrir a Casa da Comida numa alusão ao nome da companhia de teatro onde trabalhou.

O espaço nascido no pós-revolução tornou-se num dos restaurantes mais requintados e luxuosos da capital e chegou mesmo a receber, ao longo dos anos, diversos prémios e condecorações. “Entre 1983 e 1995, obteve sem interrupções uma estrela Michelin, sendo ainda hoje um dos únicos em Lisboa a manter treze anos seguidos a distinção”, lê-se no site. Hoje, promete ainda o mesmo conceito: “sofisticado, com muito requinte e um atendimento personalizado”.

Depois do falecimento do fundador, em janeiro de 2005, Salomé  (sobrinha de Jorge Vale) e Rogério Alcântara assumiram a gerência da empresa e, em 2012, renovaram o restaurante. De “Casa da Comida” passou a chamar-se “Estórias na Casa da Comida”. A marca conta ainda com a vertente de catering (Casa da Comida — Eventos & Catering), que personaliza os eventos ao gosto de cada um.

Rafael Ribeiro

Rafael Ribeiro, 22 anos, teve a primeira experiência “a sério e surreal” na restauração, aos 19 anos, como chef executivo “num dos melhores restaurantes do mundo de praia numa empresa” — o Jacaré da Comporta. Só ficou por lá uns meses, mas foi o suficiente para perceber “as dificuldades que iria sentir no futuro”. À NiT, o jovem revela ter sido neste espaço no Alentejo, que teve, até hoje, os maiores lodos.

Voltou para Lisboa na altura da Covid e, desempregado há um ou dois meses, decidiu ir trabalhar para a Worten. Foi então que surgiu a oportunidade de participar na primeira temporada do “Hell´s Kitchen”.  Na mesma altura, criou o o projeto de temperos Brilha com Segredo.

Depois da participação, teve algumas ofertas de emprego e fez parte da equipa da cozinha do então recente restaurante do The Editory Riverside, da estação de Santa Apolónia. Desde aí, foi também subchefe Sea Me. Com Fábio Abreu, “o cientista”, como Rafael o apelida, o jovem diz ter aprendido novas técnicas e ter tido uma experiência incrível.

Além de ter trabalhado com chefs muito exigentes, Rafael participou em “tudo o que é concursos”, como no “Jovem Talento da Gastronomia” e em alguns apuramentos mundial. Há cerca de dois anos e meio, é formador no IEFP, onde ensina pessoas mais velhas. “Ainda que seja muito exigente e cansativo a nível psicológico, é um trabalho muito interessante”, diz-nos.

Carregue na galeria para conhecer melhor este espaço que conta com tantas histórias e o seu novo chef.

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FICHA TÉCNICA

  • MORADA
    Travessa das Amoreiras, 1
    1250-231 Lisboa
  • HORÁRIO
  • Terça a sábado Jantares das 19h30 às 00h
PREÇO MÉDIO
Entre 20€ e 30€
TIPO DE COMIDA
Portuguesa

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