Se perguntar qual é o segredo para um restaurante ter sucesso há 80 anos, a resposta do dono chega da forma mais simples e despretensiosa: “consistência”. Em 1945, o avô de Rui Fialho, Manuel, deixou o cargo como maître num hotel de Évora, para abrir o próprio negócio. Já tinha trabalhado em hotelaria na Suíça, num ambiente de luxo bem diferente daquele a que os portugueses estavam habituados durante a ditadura. Sobretudo no Alentejo.
No Fialho, numa pequena taberna no centro histórico da cidade alentejana, servia petiscos aos moradores vizinhos. Hoje, a clientela pode variar entre os habituais da casa e estrangeiros — principalmente brasileiros, espanhóis e, mais recentemente, norte-americanos —, mas a comida e o ambiente nunca mudaram. Tudo graças à gestão fiel pelas mãos dos netos de Manuel.
“Só faz sentido funcionar assim. A qualidade da matéria-prima e forma de confecionar mantêm-se iguais, não desvirtuar a matriz do receituário. Atualizamos os equipamentos de cozinha, por exemplo, mas há receitas que continuam a ser feitas em tachos antigos, porque só funcionam assim”, refere Rui Fialho, de 58 anos.
Rui e Helena Fialho são os primos que seguiram o legado do avô e dos pais, Amor e Gabriel. Juntaram-se ao negócio em 2006 e desde há dois anos, após a morte de Amor, que são os únicos Fialho à frente deste ícone alentejano. Mas há gente mais antiga nesta casa.
“A cozinheira principal está cá há 40 anos, a outra há 25. O chefe de sala também está há 25 anos. Já são como família, estão enraizados aqui. É isto que nos permite ter a tal consistência”, reforça o proprietário
Se não conhece o Fialho nem de nome, saiba que, por aqui, o Alentejo é a alma da cozinha. Rui dirá que os seus pratos favoritos são o borrego assado no forno, as costeletas de borrego panadas ou o arroz de pombo. Já entre os clientes, o porco preto destaca-se — ou não fosse este um dos símbolos gastronómicos da região —, seja nos medalhões ou em bochechas. A sopa de peixe (garoupa) é outro prato infalível.
Os preços dos pratos principais começam nos 16€, mas, fora da carta, há pratos antigos, como a favada real ou a galinhola que podem ser encomendados com antecedência. No final, nem sequer importa o que escolher, vai sempre querer voltar.
“Agora há muito aquela ideia de ter uma experiência. Tudo é uma experiência, e os restaurantes vendem muito isso. E eu também vou a esses sítios, mas saio de lá, já fiz essa experiência e não volto. No Fialho não. É um restaurante de memórias, queremos que o cliente volte. E ele volta”.
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José Manuel Santos, presidente do Turismo do Alentejo e Ribatejo, acrescenta: “O Fialho é o farol da gastronomia de Évora, do Alentejo e até do País. É um dos principais embaixadores, promotores do turismo gastronómico do Alentejo. A história do Fialho funde-se com a história do Turismo do Alentejo. Personalidades como o ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso e o Christian Louboutin teceram elogios sobre o Fialho, como sendo dos melhores restaurantes do mundo”.
Feito de boa comida e histórias
Entre os milhares de clientes que por já passaram pel’O Fialho ao longo de 80 anos, alguns são verdadeiras celebridades. Juan Carlos, Rei de Espanha, foi uma das surpresas que chegaram ao restaurante, por convite de outro cliente habitual, Mário Soares. O antigo Presidente da República ia de propósito a Évora só para se sentar naquele restaurante, quase sempre acompanhado pela mulher.
“Vinha de motorista, que ficava lá fora à espera dele no carro. Almoçava sempre numa hora. Tinha um timing certo para comer e não queria estar mais tempo à mesa. Com ele já sabíamos que tínhamos que ter tudo pronto, até passávamos os pedidos dele à frente dos outros clientes. Alguns têm assim estas manias”, recorda Rui Fialho.
Em 2014, surgiu uma visita inesperada que terá dado um impulso para o aumento da clientela brasileira. O então presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, provou as especialidades do Fialho. Regressou ao seu país tão impressionado com a ementa, que numa entrevista à revista “Forbes”, avisou os conterrâneos de que havia um restaurante imperdível em Évora.
“Para os brasileiros há três sítios obrigatórios em Portugal. É conhecido do público. O Tia Alice, em Fátima, que teve a primeira estrela Michelin do País; depois o Solar dos Presuntos, em Lisboa; e O Fialho, em Évora. Há dias ouvia o Pedro [do Solar] numa entrevista a dizer que nem se entendia bem porquê, mas são três pontos obrigatórios”, conta Rui de forma divertida.
Tony Blair, Jane Russell, Éric Cantona e John Malkovich são outros exemplos de celebridades que têm as suas fotos orgulhosamente penduradas nas paredes d’O Fialho.
Consistência no presente sem expetativas para o futuro
“Não há quarta geração no Fialho. Os nossos filhos não dão indicadores de quererem continuar esta obra. E tudo na vida é efémero. Portanto, não vale a pena dizer que fez 80 anos, passou o ciclo, vai embora, agora morre. Estamos na terceira geração e eu e a Helena continuamos focados em manter a consistência, a qualidade, a satisfação dos clientes. Isso é a nossa preocupação diária e não se haverá Fialho daqui a 10 anos”, explica o empresário.
A formação da equipa tem sido uma dificuldade. Até porque se trata de um restaurante familiar, com uma complexidade na cozinha que não se ensina nas escolas de hotelaria hoje em dia.
“De momento não temos ninguém ao lado da chef de cozinha ou do chefe de sala a beber a informação do que fazemos aqui. E quem sai das escolas tem uma formação diferente. É muito chef de pinça, de espuma, de redução, muito fine dining, portanto tem muita coisa diferente do Fialho”.

Rui não cresceu entre a cozinha e mesas d’O Fialho. Estudou em Lisboa e manteve-se por lá durante vários anos. Aliás, nos dias de folga do restaurante, continua a viajar para a capital. Abriu um restaurante em Cascais, o Melting Pot, “um Fialho pequenino”. Este funcionou durante cerca de dez anos, até que ele e a prima foram chamados para ajudar em Évora, numa altura em que o pai de Helena adoeceu e o pai de Rui ficou sobrecarregado.
Desde 2006 que dois primos têm aprendendo por experiência tudo o que era essencial para o sucesso deste negócio. Houve mudanças, é certo, mas muito poucas. Manter a essência do local é uma regra incontornável para a família. Aquele tijolo de burro no teto, acompanhado pelas vigas e barrotes de madeira original, fazem-nos sentir realmente que estamos no Alentejo.
“São traços muito vincados da região, temos de manter. As cadeiras de couro também, fazem parte da casa. Mas de resto vamos dando uns retoques, atualizando. Uma nova decoração, novos equipamentos, a loiça…”
Helena Fialho, por sua vez, acrescenta: “Não sabemos se nós escolhemos o O Fialho ou o O Fialho nos escolheu a nós. O certo é que ambos demonstrámos desde cedo a vontade de continuar e isso é uma história muito bonita”.
Carregue na galeria para conhecer melhor o restaurante mais famoso do Alentejo — e os pratos que fazem sucesso há várias décadas.

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