Aos 25 anos, Francisco Quintas é um dos nomes do momento no panorama culinário do País. Em fevereiro tornou-se no mais jovem chef português a ganhar uma estrela Michelin, pelo trabalho na cozinha do lisboeta 2Monkeys, ao lado de Vítor Matos. E quando tudo parecia bem encaminhado, dois meses depois da conquista, surge o anúncio da saída.
O mistério foi desfeito esta segunda-feira, com o anúncio de que o jovem chef será o novo comandante da cozinha do Largo do Paço, na Casa da Calçada, em Amarante. O hotel de luxo, fechado para obras desde 2023, está a preparar a reabertura em data a definir, mas que deverá acontecer entre o final de 2024 e o início de 2025.
O cozinheiro está neste momento a ultimar o menu e a fechar a equipa que irá acompanhar no projeto. Em conversa com a NiT, Francisco Quintas mostra-se preparado para o desafio e adianta que a “cozinha será tradicional e requintada, mas também jovial e divertida”. “Quando falamos em fine dining, queremos o melhor”, afirma, sem ignorar o plano para recuperar a estrela perdida pelo restaurante devido ao encerramento.
Ansioso por voltar à cidade que o viu nascer, a mudança marca também um regresso aos tempos da escola de hotelaria, quando aos fins de semana largava tudo para trabalhar no Largo do Paço. Voltaria anos mais tarde, depois de correr o mundo, para fazer parte da equipa de Tiago Bonito, de onde partiu para Lisboa. Para trás fica a azáfama lisboeta, da qual assume não ter saudades.
O círculo fica agora completo, enquanto se aguarda pela última peça do puzzle: a data de reabertura do hotel e do restaurante que conquistou a estrela em 2004 e viu passar pela sua cozinha nomes como José Cordeiro, Ricardo Costa, Vítor Matos e André Silva.
Como é voltar ao Largo do Paço?
É ótimo, porque é voltar a uma casa que teve importância no meu percurso e que tem muita relevância no País. E tenho também a responsabilidade de manter, de certa forma, o legado deste restaurante que já foi chefiado por grandes nomes da nossa gastronomia. A ideia é mesmo essa, tentar manter o bom trabalho e melhorar em tudo o que for possível. Comecei lá há alguns anos, no início da minha carreira. Na altura ajudava aos fins de semana para aprender e absorver tudo o que podia com o chef Tiago Bonito. Depois passei por outros espaços no estrangeiro e quando regressei a Portugal, em 2021, voltei para trabalhar com o chef [Tiago Bonito]. A altura parece-me a ideal para estar ao lado dele.
E entretanto fechou…
Meteram-se as obras e o período de encerramento ia ser mais longo do que o esperado, então ele saiu e eu também achei que não faria sentido estar tanto tempo dedicado a outros projetos do grupo. Acabei por agarrar a oportunidade de ir para Lisboa, para abrir o 2Monkeys. Este ano recebi o convite para regressar.
A proposta chegou antes ou depois da Gala Michelin?
O convite surgiu de uma forma muito natural. Sempre acompanhei o projeto e íamos falando. Não sei a data específica, mas fomos mantendo sempre o contacto mesmo sem ter a ideia de voltar. Era e é um projeto pelo qual sempre senti carinho. E este papel que assumi acaba por ser o culminar de várias conversas ao longo de vários meses. Mas no final acho que sim, que o convite formal surge depois da gala, mas depois de um processo natural.
A saída do 2Monkeys acontece de forma inesperada. O convite foi o único elemento a pesar na decisão?
Estava numa fase menos positiva no 2Monkeys e na altura sair pareceu-me o melhor a fazer. Foi um processo muito rápido, desde o convite, à decisão, até efetivamente sair.
Essa fase menos positiva foi motivada pela pressão de ganhar uma estrela?
Desde que iniciei a minha carreira que lido com a pressão. Em todas as cozinhas por onde passei, algumas com três estrelas, lidava com muita pressão. Portanto isso sempre esteve presente na minha vida e claro que ganhar uma estrela fez com que estivesse sujeito a mais pressão, mas nada fora do normal. Essa fase foi motivada por outras questões de que prefiro não falar, até porque acho que não são relevantes para o que estou a fazer agora. Já passou. Agora é olhar para este novo capítulo, que espero que seja tão bom ou melhor que o anterior.
No 2Monkeys dividia a chefia com o chef Vítor Matos, que, aliás, também já passou pelo Casa da Calçada. Falou com ele?
Está tudo bem. Contei-lhe antes de ser anunciado e não houve problema nenhum. O chef Vítor percebeu a saída, até porque ninguém está preso a nada. E a fase que passámos foi muito boa, atingimos objetivos que tínhamos, pessoais e profissionais, e acho que deixei um trabalho bem feito para quem o agarrou. Só desejo o melhor para eles, que o projeto continue a crescer, que é também o que espero para mim para este novo projeto que abracei. E foi também o que ele me desejou. Saímos todos bem, embora de surpresa para toda a gente, mas as coisas foram aceites e não há que ficar com remorsos ou não querer o bem do outro.
E o que fica do tempo no 2Monkeys?
Foi um projeto a dois, construído e evoluído de forma rápida e que refletiu o trabalho que fizemos, entre mim e o Vítor e o resto da equipa.
Volta assim a casa, para mais perto da família. A distância pesou na decisão?
Talvez. O facto de estar numa cidade mais calma foi importante. Eu não sou uma pessoa de cidades grandes. Quando me mudei para Lisboa foi exclusivamente pelo projeto. Sempre disse que não queria viver em Lisboa, porque gosto de cidades mais tranquilas. Sinto que a pressão e todo o stress que temos durante o trabalho é suficiente. Gosto de ter aquele momento de reflexão entre o trabalho e casa. Em Lisboa isso é impossível. Há uma agitação brutal a todas as horas.
O que pode adiantar sobre o que vai ser o novo Largo do Paço?
A ideia principal será ter clientes satisfeitos, clientes que voltem e que possam perceber o que é a minha cozinha e o que é o conceito do Largo de Paço na Casa na Calçada. Não posso negar que não há objetivos, sobretudo pessoais, que no ano passado felizmente atingi. Mas isto é um novo projeto e, embora tenha de ser ambicioso, não podemos forcar-nos só nisso.
E o que vai chegar ao prato?
Uma cozinha muito divertida. Vamos manter alguns toques mais clássicos, porque não deixa de ser a Casa da Calçada, um palacete antigo e histórico que sempre se regeu por linhas mais tradicionais e clássicas. Mas a minha ideia é também conseguir desconstruir um bocadinho isso e trazer a minha parte mais jovial, das minhas viagens e do percurso que fiz dentro e fora da Europa.
Já começou a desenhar os primeiros pratos?
Tenho ideias que quero que estejam presentes, com coisas que gosto e produtos específicos com que quero trabalhar, mas ainda não fechei o menu porque quero a opinião da minha equipa e quero que façam parte do processo. Acredito que conseguimos resultados melhores se tivermos a participação de todos e não só do chef.
E o que nos pode revelar para já?
Haverá menus de degustação com base em produtos sazonais e portugueses. Vamos tentar ao máximo priorizar os nossos ingredientes, mas estarão presentes o caviar, o foie gras, a trufa e o marisco. São produtos com que convivi ao longo da minha carreira e com os quais me identifico. Acredito também que quem procura fine dining e uma experiência culinária quer ter contacto com esses produtos. Quero conseguir manipular este género de alimentos de forma divertida, criando pratos equilibrados, frescos e harmoniosos.
A equipa já está formada?
Há elementos que já estão fechados e que ou já trabalharam comigo ou dividimos o percurso. Queremos completar a equipa o quanto antes para começarmos a trabalhar em conjunto.
O que não pode faltar na sua cozinha?
Limão, manteiga e muita paixão pelo que faço.
A estrela Michelin tem sido uma constante ao longo da história do Largo do Paço. O plano passa por recuperá-la o mais rapidamente possível?
Ganhar novamente a estrela é um objetivo tanto da empresa como meu. Temos de ser humildes e manter os pés na terra. E fazer as coisas passo a passo. Não podemos dar nada como garantido, porque nada o é. Posso apenas garantir a quem cá vem que vamos trabalhar com muito afinco e muita dedicação.
Para quando está prevista a abertura?
As obras foram de grande dimensão e as datas ainda não estão a 100 por cento fechadas. O objetivo é começar a receber os clientes o quanto antes e mostrar o bom trabalho que a Casa da Calçada tem feito ao longo destes anos, tanto para o panorama da gastronomia nacional como mundial, sem preciosismos.