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O melhor pastel de bacalhau de Lisboa é “tradicionalíssimo” (mas leva queijo da Serra)

A polémica receita da Casa Portuguesa conquistou 57 por cento dos votos dos leitores da NiT. É caso para se dizer que se ama ou odeia.
O grande vencedor.

Quando o assunto é o melhor da gastronomia portuguesa, todos têm algo a dizer. Prova disso é que, na votação organizada pela NiT, que pretendia descobrir qual é o melhor pastel de bacalhau em Lisboa, ninguém quis deixar de participar.

Entre propostas de espaços mais e menos conhecidos, houve um vencedor claro. Com uma diferença de 30 por cento dos votos para o segundo classificado, a receita da Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau foi a grande vencedora (escolhida por 57 por cento dos leitores). 

Se houvesse um concurso para premiar o petisco mais português de Portugal, o primeiro lugar do pódio facilmente seria ocupado pelo pastel de bacalhau. Saborosos e tradicionais, são comidos todo o ano — mas encontrá-los à venda nos cafés e restaurantes espalhados pelo País já foi mais fácil.

Ainda assim, é um dos salgados mais populares à mesa dos portugueses, até porque o bacalhau é o principal ingrediente. Tem tanto sucesso que, além da sua versão mais tradicional, já existem dezenas de receitas alternativas, incluindo uma com recheio de queijo da Serra — precisamente a favorita dos leitores da NiT. A opinião, porém, não é assim tão consensual quanto resultado final pode indicar.

A discussão entre os adeptos fervorosos e os que rejeitam a nova versão está longe de ser pacífica. Misturar o fiel amigo com queijo não é uma opção propriamente ortodoxa. E, se a receita já foi estrela de programas de televisão, também esteve no centro de acesas disputas, depois de uma das mais respeitadas críticas e escritoras de gastronomia (Maria de Lourdes Modesto) ter dito que se tratava de uma “obscenidade” (no mau sentido).

O polémico pastel de bacalhau recheado com queijo continua a fazer as delícias de turistas e locais — e a gerar controvérsia, claro. Em 2015, a Casa Portuguesa do Pastel do Bacalhau chocou os puristas ao lançar um pastel que mistura este peixe salgado e seco, tão tipicamente português, com a pasta mole do queijo Serra da Estrela. “É um atentado à tradição”, defendem uns. “O melhor de dois mundos”, argumentam outros.

Se ainda não o provou nem ouviu falar dele — o que deve ser difícil — nós explicamos como é. Imagine um bolinho de bacalhau quente e crocante, mas um pouco maior do que o habitual. Logo na primeira dentada, o queijo Serra da Estrela DOP aparece derretido e a escorrer numa textura que fascina qualquer foodie. Na segunda, sente-se o sabor da batata e do peixe. E no meio, dá-se um golo numa taça vinho do Porto. É com este trio de sabores que a Casa Portuguesa promete oferecer “uma verdadeira Portugal Experience”.

Bacalhau, batata, salsa, ovo, cebola. À partida, a receita não parece ter grande ciência. Pelo menos, em teoria. Já na prática, tem muito que se lhe diga. “Não foi fácil. Em momento algum o queijo poderia ser afetado pelo azeite no qual o fritamos. Queríamos que derretesse, sim, mas sabíamos que os dois não poderiam estar em contacto, porque isso iria estragar a fórmula original”, começam por contar à NiT os responsáveis pela criação.

Foram precisas, então, “várias semanas de muitos testes até chegar ao produto que se veio a revelar um sucesso”. Sim, porque, ainda que nem todos concordem, o triunfo desta combinação foi tanto que já há dez lojas abertas e espalhadas por todo o País. Mas como é que a junção de produtos que pouco ou nada pareciam ligar aconteceu?

São os próprios quem nos explicam que o presidente de O Valor do Tempo, grupo da marca, é licenciado em História de Portugal. Em todos os projetos em que António Quaresma está envolvido tem tido como denominador comum a intenção de elevar o País e os produtos portugueses a que normalmente não é dado valor. “No fundo, quer dar-lhes um palco para brilhar”, notam.

Depois de abrir o Museu da Cerveja, no Terreiro do Paço, local onde serviam o tradicional pastel de bacalhau, surgiu a ideia de fazer algo diferente. “Com as nossas origens, as nossas raízes na Serra da Estrela, conhecíamos bem a realidade dos pastores, para quem não há férias, feriados nem dias santos. Pensámos então que juntar os dois ícones da gastronomia poderia ser não só uma combinação interessante, mas também uma forma de dar visibilidade a estas pessoas”. E parece que estavam certos.

Os números de vendas são a prova. Por ano, são vendidos cerca de dois milhões de pastéis de bacalhau nos dez espaços do projeto. Feitas as contas, dá cerca de 5.500 bolinhos por dia. Com 140 gramas cada um (em que 20 são só de queijo), são vendidos a 5€ cada — tenham ou não o latícinio. “Quisemos manter o preço porque queremos mesmo promover o consumo deste produto DOP”, explicam.

Embora muitos o contradigam, a casa garante-nos que a receita é “tradicionalíssima”. “A receita tradicional é a nossa base, e o queijo não altera em nada esse aspeto. Temos inclusivamente o ´Tratado de Cozinha e Copa`, de Carlos Bento da Maia, exposto na nossa primeira loja na rua Augusta”. Isto porque a primeira referência ao pastel de bacalhau como o conhecemos agora surgiu, em 1904, por Carlos Bandeira de Melo, sob o pseudónimo Carlos Bento da Maia.

Nesta versão, porém, é adicionado queijo certificado, produzido na região da Serra da Estrela por queijarias certificadas. “Foi a forma que encontrámos de dar distinção aos pastores e de ajudá-los a escoar os seus produtos. Temos um acordo para que as queijarias remunerem mais pelos litros de leite utilizado na produção dos nossos queijos DOP”, sublinham.

Polémicas à parte, não há dúvida de que este é mesmo — segundo os nossos leitores — o melhor espaço de Lisboa para se comer um pastel de bacalhau. Mas não se fica pela capital (Rua Augusta, LxFactory, Elevador de Santa Justa, Castelo de S. Jorge e Cais do Sodré).

A Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau de Vila Nova de Gaia convenceu o júri na Alemanha e tornou-se na primeira marca nacional premiada na maior feira internacional a retalho do mundo. Além do pastel de bacalhau, do queijo da serra e do vinho do Porto, nesta loja no Cais de Gaia há um órgão de tubos do século XIX que encanta os visitantes.

Em Óbidos, na última unidade da marca aberta (em dezembro de 2022), é também prometida uma “verdadeira experiencia sensorial”. “Temos diariamente concertos tocados ao vivo em violino”, revelam.

Com 27,5 por cento dos votos ficou a Modesta Pampulha, seguido pela Casa do Bacalhau (2,7), pelo Sardinheira e pelo Licorista e o Bacalhoeiro (ambos com 2,5 por cento dos votos). O Funil, o Poleiro, o restaurante Sinal Vermelho e o Laurentina ficaram ao fundo da tabela.

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