Tentáculos à lagareiro, moelinhas de tomatada, camarãozinho ao molho de caril e sapateira recheada. Todos os pratos são servidos no Restaurante Café d´Os Lusíadas, mas têm algo mais em comum. Porém, poucos conseguem percebê-lo — e Isabell Oliveira já teve a prova. Mas já lá vamos.
O restaurante na rua que lhe dá o nome, a apenas dois quilómetros do centro histórico e das muralhas, é único em Évora (e no País). Afinal, não é todos os dias que se encontra um espaço totalmente seguro para celíacos.
Curiosa e inquieta, Isabell, a fundadora, revela à NiT que só descobriu ter jeito para a cozinha em 2000. Na altura, ainda estudava e começou a trabalhar na cozinha de uma marisqueira. A ideia era ajudar o cozinheiro e aprender como se prepararam os pratos, mas rapidamente percebeu que tinha uma capacidade que poucos podem dizer ter.
“Através dos cheiros e dos sabores, conseguia chegar às receitas, mesmo que fossem secretas e eu nem estivesse presente quando eram preparadas”, conta. Sim, porque os molhos servidos no restaurante eram confecionados em segredo por apenas algumas pessoas.
Descobriu a vocação, mas a vida fez com Isabell que se afastasse da restauração e mudasse de ambiente. A paixão pela cozinha, porém, nunca desapareceu — pelo contrário. E foi numa altura em que se tornou cliente regular de um restaurante nepalês que a vontade de trabalhar na área voltou a falar mais alto. “Ia lá tantas vezes que comentei com o dono do espaço, já um amigo, que conseguiria replicar algumas das suas receitas.” E este acabou por mesmo por a desafiar a fazê-lo.
Isabell aceite e fez uma receita de prawn karai e batatas com especiarias tão idêntica à original que foi mesmo convidada para começar a trabalhar com o amigo. “Não aceitei. A minha vida pessoal estava organizada de uma outra forma, numa outra área profissional e decidi não mudar.”
A ideia de construir um negócio na restauração ficou na cabeça de Isabell, mas só mais tarde ganhou outro sentido. Habituada a experimentar a comida para aprender a fazê-la, começou a sentir dores e deixou de conseguir comer. Segundo a mesma, tornou-se uma sensação agridoce deixar de conseguir criar receitas pelo sabor, principalmente, por não saber o que se estava a passar no seu corpo.
Aos 36 anos chegou a explicação. Isabell foi diagnosticada com doença celíaca, uma patologia autoimune em que o o organismo reage exageradamente contra si mesmo depois da ingestão de glúten, proteína encontrada em cereais como o trigo, o centeio, a cevada e o malte. Resultado: pode provocar lesões no intestino delgado.
Sem tratamento, a única solução seria mesmo retirar o glúten da alimentação. Uma dieta complicada para qualquer pessoa, principalmente para quem quer trabalhar com comida e prová-la. Ainda assim, a apaixonada por gastronomia não se deixou abalar e rapidamente começou a criar alternativas para as receitas que já não podia comer. “Decidi que não ia viver limitada”, diz.
Em junho de 2022 teve, então, a ideia de montar um negócio com base no que foi inventado para lidar com sua condição. O objetivo seria mesmo abrir um restaurante onde todos se sentissem seguros e pudessem comer sem obstáculos.
Assumidamente uma pessoa bastante ativa e metida em vários projetos, quando soube que o Café d´Os Lusíadas estava livre e pronto para receber uma nova equipa, arriscou. Com matrícula paga no curso de enfermagem, a um dia de partir para Setúbal, decidiu, adiar o plano de se formar numa outra área e transformar a unidade num restaurante.
Isabell pegou no nome Lusíadas e baseou-se nele para definir o ambiente do espaço. Não é por acaso, portanto, que existam tantos livros incluídos na decoração tradicional do número 28 do bairro do Bacelo. Em poucos meses concluiu o projeto e a 3 de agosto inaugurou, finalmente, aquela que promete ser uma experiência de cozinha completamente livre de glúten.
Sim, porque, ainda que poucos o percebam, neste restaurante não entra nenhum produto com esta proteína vegetal. Nos primeiros dias de funcionamento, aliás, a responsável revela ter divulgado esta característica apenas depois de os clientes terem terminados as refeições. As reações foram consensuais: “ficavam muito surpreendidos, porque a comida tinha bastante sabor e não se percebia que era diferente”.
Sempre a inventar, Isabell afirma não ter uma ementa fixa. Quem lá chega pode encontrar tanto comida tradicional alentejana — como as bochechas em redução de moscatel (9,60€) e o arroz de marisco (16€) — , ou pratos criados pela própria, que é a chef do restaurante e a única que cozinha. O ninho feito com gambas fritas e molho de manga (15€) é um dos exemplos mais procurados.
Ainda assim, o pão saloio (16€ por unidade de 1,5kg) é mesmo o mais elogiado. Trata-se de uma receita secreta totalmente idealizada pela autora do projeto e, claro, totalmente isenta de glúten. É a própria quem o considera “uma obra-prima”.
Existe até a hipótese de ligar atempadamente (para o contacto 926 286 971) e fazer pedidos exclusivos, como as migas, por exemplo, feitas com este pão — um prato que dificilmente se encontra noutros sítios que seja seguro para celíacos.
Orestaurante Café d´Os Lusíadas tem capacidade para receber 40 pessoas e está preparado para jantares de grupo. Todos os ingredientes são controlados na origem e todas as opções do menu são totalmente isentas de glúten. O objetivo é só um: quebrar o estigma de que a comida para os que sofrem desta intolerância alimentar é diferente.
O Lusíadas quer reunir à mesma mesa e sem diferenças, familiares e amigos — sejam celíacos ou não. “Os que têm intolerância ou alergia ao glúten não precisam de questionar toda a ementa, e o que podem ou não comer, pois todas as opções são adequadas”, assegura a responsável.
Carregue na galeria para conhecer algumas das sugestões deste restaurante único em Évora.