Um dos mais notáveis atributos do restaurante Fogo é o facto de ficar perto de minha casa. Na eventualidade do leitor não ser meu vizinho, não se preocupe, há muitos outros pontos positivos que fazem deste espaço, comandado pelo chef Alexandre Silva, uma escolha imperdível. Logo à entrada, somos recebidos por uma parede de pedra preta e imponente que nos desperta a curiosidade. Mas é lá dentro que realmente somos surpreendidos.
A começar pela carta de cocktails onde o mestre João Bruno cria verdadeiras obras de arte líquidas. A seleção era muita mas acabámos por optar por algo aparentemente mais arriscado que acabou por revelar-se uma bela surpresa. Whiskey para começar uma jantarada? Claro que sim. A “experiência Glenfiddich” é um menu de cocktails alternativo com opções criadas com base neste conhecido whiskey escocês de malte. Apontámos para os nomes mais sonantes da carta — Birds (of The Balvenie Castle) e Dirty Dicks — e deixámo-nos levar pela mão de quem sabe. O mixologista João Bruno realmente sabe e este arranque emparelhou na perfeição com o conjunto de petiscos inicial, com manteiga, azeite, pickles caseiros e rillette de porco, acompanhados com pão de massa mãe em forno de lenha. Sim, aqui tudo é cozinhado a lenha, até o pão, o que dá um sabor único aos pratos e faz do Fogo um espaço realmente singular.
Com um ambiente tranquilo e agradável, onde podemos desfrutar da luz amarelada dos candeeiros que nos fazem lembrar pedaços de madeira incandescente, sentámo-nos numa mesa perto da cozinha. Uma vantagem, já que permitiu observar de perto os fogões, as labaredas e todo o trabalho do chef Alexandre Silva e da sua equipa que, a avaliar pelo silêncio com que preparam os pratos, comunica por telepatia. Talvez por isso a dinâmica na cozinha seja notável e o resultado final…bem já lá vamos. First things first, como dizem os franceses. No departamento das entradas mandámos vir as ostras na brasa e os ouriços do mar grelhados. Ambas são de deixar água na boca, com uma mistura de sabores que nos transportam diretamente para o mar, embora com um toque fumado que surpreende.
Os pratos principais são ainda melhores. No peixe fomos brindados com dois besugos assados no forno a lenha que estavam simplesmente divinais. Para fechar, o prato que eu queria mesmo experimentar, o famoso arroz de forno é um verdadeiro manjar que nos faz rapar o tacho. Uma coisa que me agradou foi o facto de os nomes dos pratos serem apresentados de forma clara e objetiva, sem linguagem rebuscada. É um besugo, apresenta-se como besugo, não há cá invenções pretensiosas do género “besugo da nossa costa, em cama de xiripiti aromatizado”. A acompanhar — e com os copos de Glenfiddich já vazios — o vinho “Bical de sempre”, uma bela pomada com um aroma algo intrigante, notas de frutos secos, fumados e maçã. Pelo menos é o que diz na nota de prova, já que a mim soube-me apenas a um ótimo vinho. Foi sugerido pelo Bernardo um dos assistentes de sala do Fogo que com apenas 28 anos, mas já dez anos de experiência, tinha um conhecimento impressionante sobre as opções vínicas disponíveis. Foi também à conversa com ele que ficámos a saber que quem trabalha ali tem três dias de folga, um benefício justo para um serviço exigente e que de certa maneira poderá explicar a simpatia e profissionalismo de todo o staff.
A conversa estava boa, mas ainda havia espaço para as sobremesas, claro. Pudim de castanha com vinho do porto, arroz doce queimado e tarte de requeijão de ovelha com compota de laranja eram as opções. Fizemos um-dó-li-tá e optámos pelas duas últimas, tão prazerosas que qualquer descrição mais alongada corre o risco de se tornar imprópria para pessoas mais sensíveis.
O restaurante Fogo é um verdadeiro tesouro gastronómico que merece ser descoberto por todos os amantes de boa comida e experiências únicas. Experiências que podem surgir num copo ornamentado, num tacho de arroz ou até mesmo nos lavabos. É aí, nesse espaço mais recatado, que Alexandre Silva quis partilhar com quem visita o espaço, o poema “Cântico Negro”. Nas palavras do chef lisboeta aquela é uma mensagem que simboliza a sua própria resiliência e “a crença de que só se consegues alcançar o resultado final se acreditares naquilo que te comprometes a fazer”.
Através das colunas, a voz imponente de João Villaret desafia-nos: “‘Vem por aqui’ — dizem-me alguns com os olhos doces/ Estendendo-me os braços, e seguros/ De que seria bom que eu os ouvisse/ Quando me dizem: ‘Vem por aqui!'” Não tenho a pretensão de alcançar o engenho poético de José Régio, mas no que toca a avaliar um restaurante como o Fogo, não hesito em exclamar: “Vem aqui!”
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